Capítulo 05

_________________________________________________RICK

Acordei num sobressalto com o celular tocando, quando abri os olhos eu nem ao menos sabia onde estava. Havia uma desconhecida nua ao meu lado.

— Quarto de hotel. — Resmunguei voltando a fechar os olhos por um momento. Abri-os novamente com a incessante chamada do meu celular. — Alô... — Atendi.

— Rick. Preciso que venha até o set. — Uma voz conhecida falou.

— Para? — Perguntei ainda meio tomado de sono.

— Só venha até aqui. O mais rápido que puder.

— Ok. — Falei desligando o telefone em seguida.

Tentei me lembrar de tudo que havia acontecido na noite anterior. Nada. A mulher ao meu lado abriu os olhos.

— Você é? — Perguntei tentando soar o mais natural possível.

— Sheila. — Ela respondeu sonolenta.

— Bom dia, Sheila. Desculpe-me, mas preciso ir. — Falei me levantando.

— Você não vai me ligar, não é? — Ela perguntou agora me encarando.

— Você quer que eu minta ou que seja sincero? — Respondi enquanto colocava minhas calças. — Desculpe Sheila. Mas ligar no outro dia não faz o meu tipo.

Ela assentiu e voltou a fechar os olhos.

— A conta do hotel é sua. — Ela disse ainda de olhos fechados quando eu estava saindo. O que me fez gargalhar, eu já estava acostumado com aquela forma de vingança.

Paguei a conta do hotel e dirigi até o set. Quando cheguei lá recebi um baque.

— Você ficou sabendo? — O Ron me abordou na entrada.

— Não. O que houve? — Falei apertando os olhos. Minha cabeça parecia querer explodir.

— A Alicia realmente será substituída, hoje teve audição para o papel! — Ron falou.

— Puta merda. — Foi tudo que consegui resmungar.  — Faz apenas dois dias que a Alicia se acidentou, ela não melhorou nada?

—O carro dela capotou, Rick. Ela estava péssima. Sem chance de voltar por agora. — Ron disse comendo uma de suas rosquinhas.

— Mas eles não poderiam esperar um pouco ao menos? — Ironizei.

— Todo mundo é substituível, cara. — Ele deu de ombros.

Aquela foi a resposta que piorou em 100% a minha manhã. Quando encarei a garota que iria substituir a Alicia, ela me pareceu familiar. Mas logo percebi que poderia ter sido alguém que dormi quando bêbado, não sei. Minha dor de cabeça não me deixou pensar direito no assunto. Principalmente ao receber a mensagem do meu pai enquanto eu entrava no set, ele estava vindo me visitar e aquilo significava me jogar na cara o quanto a minha vida de merda não era o bastante para ele. O poderoso chefão!

— Oi. — Respondi Julie quando ela perguntou se eu não iria cumprimentar a novata, eu estava ocupado respondendo meu pai.

— Oi... — A substituta respondeu. Uma voz rouca... Por alguns segundos eu voltei a encará-la procurando traços familiares. Fora seus olhos castanhos claros que me lembrava de certa stripper, nada mais. Ignorei-a completamente ao receber outra mensagem do meu pai avisando que também iria para o casamento do Dylan. O que significava que mamãe também viria, então eu tinha um mês para me preparar, já que viriam perguntas como: E você, vai se casar quando? Não vai nos apresentar uma namorada? Você não acha que já está velho demais para agir como um adolescente desgarrado? Pois é. Família. Hipócrita família.

Saí sem ao menos me despedir, eu só queria um remédio para dor de cabeça e dormir um pouco já que não fiz isso por muito tempo com toda a noite agitada. Quando cheguei ao RH fiquei sabendo que regravaria as cenas que eu já havia gravado com a Alicia no começo, não estávamos com tantas cenas armazenadas assim, mas daria um trabalhão. Uns vinte takes de cenas em que passei madrugadas acordado ensaiando com a Alicia, claro que não foi só ensaiando. E inclusive, foi bastante divertido!

Depois do RH voltei para casa consciente de que eu teria que estar de volta as 18h00min, me sobraria pouco tempo para descansar.

______________________________________________LUCY

— Você está fazendo errado... — Ele revirou os olhos enquanto se apoiava na mesa do nosso escritório fictício.

— Eu estou fazendo errado? — Arqueei uma das sobrancelhas. — Estou fazendo como pede a cena.

— Eu já gravei esta cena, a Alicia... — Ele estava pronto para novamente me comparar a Alicia, aquilo já estava me dando nos nervos.

— Acontece que eu não sou a Alicia, pare de me comparar. Não sei quantas vezes ela improvisou em cena, mas eu estou seguindo o roteiro. — Falei já ficando impaciente. — Não dá. A Alicia não está aqui.

— Só estou dizendo que você precisa colocar mais emoção na cena, esta deveria ser a cena em que nos vemos pela primeira vez... — Ele falou num tom dramático.

— Cara, eu sei exatamente que cena é essa... — Falei me virando para sair do cenário com a bandeja ainda em mãos. — Podemos fazer uma ultima vez ou você vai continuar interrompendo o tempo todo? São 21h00min da noite e eu preciso ir para casa.

— É o seu trabalho gravar quantas vezes for preciso. — Ele debochou.

 — Só que você não é o diretor. — Ironizei. — E eu não estou vendo o diretor reclamando da minha atuação, então, só. Dá. Um. Tempo!

Ele bufou e voltou para a poltrona onde a cena se inicia, repetimos novamente até que o diretor mandou cortar e nos chamou num canto.

— Não está dando! — O homem barrigudo com boina na cabeça falou. — Já faz uma semana que as gravações iniciaram e este set parece que vai explodir de tensão. Vocês precisam parar com as farpas e brigas, parecem dois adolescentes que não conseguem ficar no mesmo ambiente.

— Me desculpe, eu estou tentando. Mas ele simplesmente não para. Corta as cenas o tempo todo e fica tentando mandar em cada passo que dou, isso está tornando tudo insuportável. — Falei revoltada.

— Estou tentando te ajudar. — Rick disse me encarando. —Você está sendo péssima, está me frustrando.

— Eu estou sendo péssima? — Gargalhei. — Você não é os dois personagens e acredito que se pudesse fazer sozinho, não teriam me contratado.

— Se você fizer o seu trabalho direito, eu não precisarei me colocar no lugar dos dois personagens. — Ele cruzou os braços.

— Vai à merda. — Cuspi.

— Já chega! — O diretor levantou uma das mãos em sinal de trégua. — Vocês têm uma semana para ensaiarem e dissipar essa tensão entre vocês. Vocês são um par romântico, tem que exalar química e eu tenho a sensação que se tocar em um dos dois durante a filmagem vou acabar explodindo! Guardem essa tensão para as cenas eróticas. Agora precisamos do clichê. — Ele respirou teatralmente. — Saiam os dois juntos, se conheçam fora do set de filmagem, tenham um encontro. Daqui a uma semana eu quero ver a química no olhar de vocês.

— Não tem como eu sair com ela fora daqui. — Ele resmungou desviando o olhar.

— Não tem como eu sair com ele. — Bufei.

— Ah tem sim, e como tem. Vocês são pagos para darem o melhor em cena, e isso inclui fazer o que for preciso. Então vocês irão sair juntos. Façam o que pessoas normais fazem, tomem um sorvete, conversem, se conheçam e voltem aqui sem esse ódio todo. Ou vocês fazem isso acontecer ou estão os dois demitidos. — O homem falou em tom ameaçador.

As últimas palavras dele fizeram meu coração parar, eu não podia ser demitida, esse era o papel que eu precisava para deixar de ser a Nyx, para dar orgulho a Agnes e a minha mãe. Eu não poderia perder agora!

— Ok. — Resmungamos em uníssono.

Saí de lá e fui até o meu camarim móvel encontrando a Julie ao lado de fora.

— Ele realmente consegue lhe tirar do sério. — Ela riu.

— Ele é um babaca. — Falei bufando e cruzando os braços.

— Você está sendo ótima, não dê ouvidos a ele. — Ela falou agora assentindo.

— Tudo que consigo imaginar quando olho para a cara dele é vontade de socá-lo até desfigurar seu rosto completamente e ele parar de exibir aquele sorrisinho debochado. — Falei revirando os olhos.

— Duas notícias ruins: Primeira; acredito que nem com a cara desfigurada ele conseguiria tirar aquele sorrisinho convencido e sexy do rosto. — Ela suspirou balançando a cabeça em negação.

— Sexy? — Eu a encarei arqueando uma das sobrancelhas.

— Ah venhamos e convenhamos. Sendo babaca ou não, ele é de tirar o fôlego... — Ela disse assentindo com a cabeça e me fazendo rir.

— Olha, você consegue ser tão minha amiga quanto inimiga. Qual a segunda noticia ruim? Precisa ser pior que essa. — Falei olhando ao meu redor e tentando retirar a imagem de seu sorriso tentador da mente.

— Ah sim, é que o fato dele ser um verdadeiro babaca o faz perfeito para o papel. Ele é o próprio personagem dentro e fora do set. — Ela deu de ombros.

— Sabe, acho que vou aqui dentro rapidinho enfiar minha cabeça na pia e gritar enquanto me afogo, para que ninguém me escute. — Suspirei.

— Você é meio sádica, né? — Ela perguntou.

— Ah não, não. Talvez um pouquinho só. — Eu ri. — Te vejo amanhã, Ju.

— Te vejo amanhã. — Ela sorriu e saiu indo em direção ao set.

Eu tomei um banho rápido e me apressei para conseguir pegar o metrô das 22h20min. Durante todo o trajeto eu observei os lugares e as pessoas ao meu redor, perdidas em seus mundos. Sempre tive o costume de criar uma vida para cada uma delas, uma vida imaginária de acordo com as suas expressões... Foi exatamente este desejo de imaginar vidas alheias que fez nascer em meu coração o sonho de ser atriz, eu poderia viver quantas vidas eu quisesse!

“E quem é você, hoje? — Minha mãe me perguntou enquanto eu descia com seu salto e vestido folgado vermelho de tecido lurex. Eu me sentia uma diva naquele vestido.

— Hoje eu sou uma cantora, mamãe. — Falei.

— Olha que cantora mais linda. — Ela riu me encarando descer as escadas de forma teatral.”

Aquela lembrança causou uma dor repentina em algum lugar do meu coração. Eu estava chegando aonde tanto sonhamos e saber que ela não estava aqui para me aplaudir acabava me dilacerando um pouco, mas eu sei que em qualquer lugar que ela esteja, está torcendo por mim e vibrando comigo agora. Esse papel tinha que ser meu nem que eu tivesse que fingir suportá-lo. Desci do metrô seguindo para o banheiro publico, aonde pus meu sobretudo preto de costume, meus saltos e minha peruca e saí a tempo de pegar outro metrô para a For You. Eu tinha uma apresentação vip às 23h00min. Dessa vez era apenas uma apresentação comum para algum desconhecido, não havia nenhuma comemoração.

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