Meu Governador
Meu Governador
Por: Mari Maria
1. Status de falência

Alyssa

A primeira coisa que Mila e eu vemos entrando no lar da Garden Hall é um poster velho de um artista francês pendurado. Uma figura estranha ostentando bigode e pêlos no peito.

— Aposto dez dólares que podemos adivinhar quem colocou isso — murmuro para Mila. Atravessamos o lounge bege que cheira a incenso e bolo de carne. Mais uma vez, questiono por que este lugar nos custa um fígado e um rim todos os meses.

Nenhuma quantidade de loção lavanda pode mascarar a realidade deprimente – este lar para idoso é algo que mal podemos pagar, graças ao péssimo planejamento de aposentadoria da minha mãe e meu status de falência – é um milagre eu tê-la mantido aqui por tanto tempo, tirando dinheiro de onde não tenho. Trabalhando mais que meu corpo consegue.

Ouço sua voz estrondosa antes de avistá-la. Ela parece bem hoje, considerando seus vários problemas de saúde. Diabetes é um deles, que nos custa caro todos os meses. Nunca imaginei que algo que a mantém viva pudesse custar tão caro quanto insulina. Ela está bem no meio de um grupo de senhoras empunhando pincéis, como se ela fosse a abelha rainha aqui. Ela é pele e osso, como um passarinho magricela.

Minhas entranhas se reviram de culpa toda vez que visito este lugar. Culpa por ela estar presa neste lugar aos sessenta e seis anos, em vez de estar em casa conosco. Culpa por não poder ganhar o suficiente para cuidar dela sozinha e não poder contratar um cuidador em tempo integral. Culpa por eu guardar ressentimento por ela ter planejado despejar isso em mim. Por ela não ter cuidado do seu futuro e ter gastado tudo em uma vida inteira de ostentação.

— Eu vivia de acordo com aquela época — ela gosta de me dizer, como se isso de alguma forma a isentasse de qualquer responsabilidade. Agora o estrago está feito, nós estamos falidas e não temos dinheiro para comprar o básico.

Mamãe deveria estar bebendo mimosas na praia, flertando com algum senhor bonitão. Não pintando bigodes com Lya, que sempre esquece seu maldito nome.

Eu esboço um sorriso, bancando a filha obediente, e empurro meus pensamentos feios para o fundo.

— Minhas garotas fabulosas estão aqui! — Mamãe fala no volume máximo, chamando a atenção de todos. Ela se vira para sua amiga pintora. — Leve isso, Liza, querida, abra espaço para minhas meninas!

Ela está mandando, não pedindo, enquanto empurra a cadeira de rodas de Liza para o lado com um barulho que faz meus dentes rangerem.

Eu me encolho quando uma das cuidadoras olha para o outro lado da sala. Agarrando a mão de Mila, vamos direto para mamãe antes que ela cause uma cena ainda maior.

— Sério, precisa agredir as pessoas? — Eu forço leveza em meu tom. Ela acena alegremente.

— Oh, por favor, ela não se importa! Certo, Liza?

Dou um tapinha consolador em Liza, mas ela apenas sorri.

— Sou mais durona do que pareço, garota.

Mamãe sorri, triunfante por seu direito de matar moradores de casas de repouso sem consequências. Engulo minhas emoções e colo um sorriso no rosto enquanto trocamos beijos.

Meu olhar pousa nas pinturas amadoras – fileira após fileira de homens seminus.

— Desde quando a aula de arte é uma exposição de homens nus? — Eu sorrio. Conhecendo as regras anti-diversão do lar de idosas, estou chocado que eles tenham deixado isso acontecer, ainda mais porque mamãe não tem pudor em desenhar homens nus.

— Eu disse a eles que não vou mais desenhar lírios ou rosas, ou vou me revoltar! Quantas malditas flores uma mulher pode pintar? Ela aponta um dedo acusador para as flores. — Eu dei um ultimato: apenas mande James para ser modelo.

O pobre James, o enfermeiro.

Um dia, vou encontrar mamãe gritando em protesto e liderando uma campanha de Idosos exigindo orgias.

— Conte-me tudo — ela murmura quando tudo passa. — Mila, como foi sua apresentação?

Mila mergulha na história de sua apresentação na faculdade. Tento ficar atenta, mas é difícil. Metade da minha atenção está voltada para uma das cuidadoras à espreita como um abutre esperando para atacar. Afundo na cadeira, com a garganta apertada. Enquanto isso, Mila dá uma barra de chocolate para mamãe debaixo da mesa, que decido ignorar.

Mas não posso deixar de lançar um aviso quando Mila termina.

— É melhor você comer refeições de verdade também. Não apenas lanches.

Ela dá de ombros.

— Aqui eles só servem algo bom como macarrão com queijo uma vez na semana.

— É melhor que seja maravilhoso pelo que pagamos a este lugar — murmuro, mais para mim mesmo.

Seu sorriso vacila e eu me dou um tapa mentalmente. Bom trabalho.

— Eu já disse, há um lugar muito mais barato em Utah — diz ela. — Eu adoraria morar em Utah.

Peço paciência enquanto as discussões familiares circulam.

— Aquele lugar parecia terrível. Não vamos mudar você para Utah — digo categoricamente.

— Não está certo você gastar todo o seu dinheiro neste lugar. — Sua carranca muda para um sorriso deslumbrante enquanto a enfermeiro sexy James se aproxima para tirar os materiais de arte. Ela cutuca Liza. — Nossa Aly deveria gastar seu dinheiro namorando homens bonitos. Certo, James?

Meu rosto esquenta quando James olha, quase derrubando a lixeira.

— Mãe! — Eu sibilo com os dentes cerrados. Ele sorri incerto antes de se afastar. Quero me enfiar no chão. É como lidar com uma mãe adolescente.

No segundo em que ele está fora do alcance da voz, eu a encaro com raiva.

— Você tem que olhar descaradamente para a equipe?

Mamãe dá de ombros.

— Ah, relaxe! Um pouco de flerte inofensivo nunca fez mal a ninguém.

— Você poderia pelo menos salivar para caras da sua faixa etária?

Ela solta uma risada que se transforma em um chiado.

— Você viu as relíquias aqui? Você não quer homens velhos e flácidos só porque é mais velha. Na minha idade você já teve aventuras suficientes para saber o que é bom. Confie em mim, eu sei.

Reviro os olhos.

— Poupe-me dos detalhes. — Ela solta um suspiro grande e dramático. — Eu deveria pelo menos dar a James o seu número. Ele tem trinta anos, parece um modelo de revista e é enfermeiro. O que mais você quer?

— Absolutamente não. Nada de encontros, por favor.

— Alguém tem que assumir o comando, já que você não o fará — ela retruca.

— Eu namoro — respondo fracamente.

Mila bufa.

— Me poupe.

Eu solto um suspiro.

— Tudo bem, não ultimamente. Mas entre o caos no trabalho não tenho tempo para conhecer ninguém.

Não é como se eu tivesse desistido de transar. Eu simplesmente não tenho tempo a menos que seja algo sério.

Mila e mamãe agem como se minha vida amorosa inexistente fosse uma falha pessoal. Sério, o que elas esperam: que eu saia com caras aleatórios do Tinder e minha pontuação de crédito se corrija magicamente? As contas serão pagas magicamente pela fada dos encontros?

Aquela vozinha irritante na minha cabeça me lembra do meu antigo namorado. Sempre reclamando por estar muito ocupada, trabalhar até tarde ou sair com a mamãe. Dizia que não tinha tempo suficiente para ele. De qualquer forma, estávamos caminhando para um desastre, mas uma vozinha dentro de mim quer gritar: — Talvez eu tivesse mais espaço para o amor se não estivesse enterrada nas contas da casa de repouso.

Neste momento, a minha vida consiste em conseguir estabilidade. Até que as ervas daninhas sufocantes da dívida se soltem, estou basicamente em um relacionamento disfuncional com minha própria ansiedade.

Não posso me dar ao luxo de reclamar ou desmaiar sob o peso de tudo isso. Porque quem mais vai resolver isso para mim?

O rosto da mamãe desmorona quando ela aperta minha mão.

— Eu só quero que você viva sua melhor vida, querida! Quero dizer, olhe para este lugar. Estou cercada por pessoas quase mortas aqui.

Eu contenho comentários ásperos. Seu humor negro é apenas sua maneira de lidar com seus problemas de saúde. Da mesma forma que ela lidou com a situação quando os negócios do papai despencaram. E ainda mais depois que ele faleceu, alguns anos depois.

Vejo a gerente fazendo rondas. Ela aponta um dedo para mim e meu estômago embrulha.

— Volto em um segundo — digo à mamãe, tentando parecer casual.

Ela solta minha mão, tentando parecer durona.

Vou até a gerente, meus tênis rangendo no chão como um filme de terror ruim. Ela está apenas fazendo seu trabalho, claro, mas ela tem um jeito de me irritar: o constante pigarro, aquelas sobrancelhas críticas, que parecem estar sentindo um gosto amargo.

Ela mergulha direto, sem preparação.

— Sem rodeios. Você sabe por que eu liguei para você.

Eu engulo em seco. Sim, estou dolorosamente consciente. Pagamos antecipadamente a cada seis meses, mas com o aumento insano de preços e minha renda estagnada, desta vez não conseguir pagar.

— Só preciso de alguns dias — digo uniformemente, reprimindo o desespero. — Você receberá o valor total até sexta-feira. Juro.

— Amanhã. Meio-dia em ponto. — Ela cospe cada palavra agressivamente. — Sem exceções, senhorita Ford.

Tenho certeza que minha alma murchou, mas luto para manter minha expressão neutra.

— Entendi. Amanhã.

Adeus, alimentação; Gostei do nosso tempo juntos.

— E não se esqueça dos juros por atraso — ela acrescenta, quase alegremente.

Meu olho se contrai. Imagino aquela mulher trabalhando como agiota. Não me chocaria se ela tivesse um taco de beisebol escondido debaixo da mesa.

— Alguma chance de você dispensar os juros só desta vez? Estou sempre dentro do prazo com os pagamentos.

A resposta dela é mais fria que o Ártico.

— Pagamento integral mais juros, até amanhã, ou sua mãe precisará encontrar outro estabelecimento até o final do mês.

Dou um passo para trás e me forço a respirar. De jeito nenhum eu conseguirei todo esse dinheiro em vinte e quatro horas. Mas forço confiança em meu tom.

— Eu vou pagar. Não há necessidade de ameaçar despejo.

Seus olhos se estreitam.

— Amanhã.

— Sim, eu ouvi você da primeira vez — eu respondo.

Voltando para mamãe e Mila, abro o sorriso mais feliz que consigo, sufocando o pânico. Preciso corrigir isso de alguma forma. Mas por enquanto, vou canalizar minha atriz interior e fingir que tudo está bem.

Mamãe me dá aquele olhar, aquele que vê através de mim.

— Tudo bem, querida?

Parte de mim quer rir histericamente. Quando foi a última vez que algo esteve simplesmente bem?

Dou um tapinha em seu braço de forma tranquilizadora.

— Apenas uma porcaria de administração chata.

— Estávamos conversando sobre planos para a Páscoa — diz Mila, e eu a abençoo silenciosamente pela mudança de assunto. — Talvez pudéssemos levar mamãe para passar o dia? Alugar um carro e ir ao parque se o tempo permitir?

— Parece perfeito! — Eu interrompo, com um nó no estômago. Isso presumindo que nossos ovos de Páscoa não venham com a surpresa oculta de um aviso de despejo.

Olho meu relógio: não tenho muito tempo para consertar esta catástrofe iminente.

— Tenho algumas coisas para resolver, mas passaremos por aqui na quarta-feira, certo?

Terminamos com abraços e Mila e eu escapamos. Chegando às ruas, respiro fundo, esperando por uma solução milagrosa.

Vai ficar tudo bem, digo a mim mesmo.

Tem que ficar.

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