O vento soprou frio e Rosely fechou o casaco, sentindo como se seus membros pudessem congelar a qualquer momento. O barco finalmente havia aportado no cais e ela se via seguindo a multidão que descia ao som dos sapatos batendo no piso de madeira.
De onde estava, quase conseguia ver toda a vila, de tão pequena que era.
Respirou fundo, de olhos fechados, e quando os abriu, disse a si mesma que não era possível voltar atrás. Afinal, não era mais bem vinda na casa dos pais e aquele era o castigo por sua desobediência.
Continuou seu caminho, carregando sua única mala pesada, e parou somente quando ouviu seu nome sendo chamado. Olhou para trás, e notou que era Millan, o homem com quem vinha se correspondendo dias antes.
– Fico feliz que tenha chegado bem – ele disse com um sorriso gentil enquanto pegava sua mala.
– Obrigada – ela respondeu, mas não conseguiu devolver o sorriso.
– Minha esposa limpou o casarão – Millan disse puxando assunto, já que a mulher pouco falava. – A senhorita tem certeza de que deseja dormir na fazenda?
– Tenho sim. – Rosely confirmou, sua voz soando baixa por causa do nó que se formava em sua garganta. – Na verdade, eu gostaria de vê-lo.
Millan concordou e, em silêncio, a guiou por um longo caminho de pedras que parecia ter sido feito cuidadosamente à mão, e que terminava em um muro de mesma aparência. Ele abriu o portão de grades metálicas detalhadas e caminharam juntos por entre as lápides.
Foi quando uma bela borboleta chamou sua atenção. Era negra, com padrões amarelos nas asas. Pairava sob o ambiente, tranquilamente se deixando carregar pelo vento.
Rosely franziu as sobrancelhas, achando estranho.
“ O que faz uma borboleta aqui?”, pensou consigo mesma, pois não havia flores em volta.
Quando, enfim, pararam, Rosely percebeu que estavam diante de um túmulo em mármore – que se distinguia dos outros por serem mais simples –, deslizou os dedos pelas inscrições e suspirou ao ler o nome, data de nascimento e morte dele.
– Você sabe como ele morreu? – perguntou, sem saber ao certo o que sentir.
Millan negou com a cabeça.
– Estava em outra cidade comprando gado – contou o homem, sua voz também soando baixa, em respeito aos que ali descansavam. – A verdade é que ninguém fala sobre isso.E para completar a sombriedade de suas palavras, corvos começaram a grasnar no alto das árvores, fazendo ambos calarem-se.
Rosely suspirou, colocando as flores que trazia consigo sobre o túmulo e então, seus olhos se voltaram a uma menina que caminhava a alguns metros de distância, tão tranquila que surpreendeu a recém-chegada. Estreitou os olhos ao vê-la se agachando em frente a uma das lápides, mas não pôde ver o que ela fazia pois Millan pigarreou fazendo-a retornar à realidade.
Precisavam sair dali.
Refizeram o caminho para fora dos muros do cemitério, e quando já estavam em frente à carroça dele, mais questões lhe vieram à mente:
– Meu irmão tinha inimigos? – perguntou quando seus olhos se encontraram.
– Não pergunte. Não quero mentir para você! – Millan respondeu com um semblante sério, mesmo que seus olhos evitassem os dela.
Rosely não conseguiu esconder sua surpresa ao ouvir aquilo, arregalando os olhos, mas disse a si mesma que poderia deixar aquilo como estava por hora.
E então, seguiram para a fazenda.
Enquanto sentia o corpo balançando por causa da estrada sinuosa, ela apertou a bolsa de colo – onde mantinha as cartas do irmão – e pela primeira vez, se arrependeu de não tê-las lido antes.
A verdade era que, desde que o irmão abandonou a esposa para fugir com a amante, nunca mais conseguiu vê-lo com os mesmos olhos.
– Onde está a mulher do meu irmão? – perguntou, voltando seus olhos ao homem.
Ao ouvir sua pergunta, Millan virou-se para encará-la, um tanto surpreso, mas logo, balançou a cabeça negativamente, voltando seus olhos à estrada.
– Eles viveram juntos por alguns meses, mas ele não conseguia se manter com uma mulher só, então ela foi embora. – explicou com uma expressão de poucos amigos, demonstrando não gostar das atitudes do patrão.
Foi nesse momento que, enfim, eles chegaram à casa de fazenda. Ele a ajudou a descer da carroça e apontou para uma pequena casa ao longe.
– Aquela é a minha casa, moro nas terras do seu irmão e cuido da fazenda – explicou, e então, seus olhos se voltaram à uma mulher que saia do casarão, descendo a curta escadaria na direção deles. – Está é minha esposa, Eleonore.
A mulher cumprimentou a recém-chegada e pegou-se observando-a, sem conseguir tirar os olhos da cicatriz em seus pescoço, quase coberta pela gola alta do vestido.
– Preparei um banho e jantar para a senhora – disse rapidamente, tentando disfarçar seu olhar curioso.
– Obrigada – Rosely respondeu educadamente, tentando ignorar aqueles olhares. – Por favor, descansem.
Ambos acenaram com a cabeça, positivamente e então, Rosely girou nos calcanhares, pronta para entrar no casarão. Porém, parou no lugar ao sentir o braço de Millan segurando-a.
– Senhorita, por favor, em hipótese alguma, não saia de casa à noite! – ele dizia, quase num tom de súplica, seus olhos demonstrando toda sua preocupação.
Ela respondeu apenas com um aceno positivo e então, entrou no casarão, trancando a porta às suas costas. Deixou seu corpo relaxar na água morna, aliviando o estresse da viagem, e aproveitou da comida que cheirava bem.
Quando a escuridão tomou o céu, seguiu para seu quarto com um candeeiro em mãos, passou pelos corredores sombrios e sentiu seu corpo se arrepiando ao ouvir o som uivante do vento. Deitou-se na cama e fechou os olhos, esperando que o cansaço a fizesse dormir rapidamente.
Contudo, mal adormeceu e foi acordada com o som de coisas caindo, arregalou os olhos assustada, mas tentou voltar a dormir, agarrando firmemente o travesseiro.
Mas no fim, acabou se levantando.
Caminhou novamente pelos corredores e encontrou a porta da cozinha aberta, batendo com a ventania. Recolheu as coisas do chão, tendo a estranha impressão de que haviam sido jogadas às pressas por alguém que fugia e seus pelos se arrepiaram, ainda mais quando notou as dezenas de olhos brilhando no escuro.
Sabia que eram as ovelhas, mas mesmo assim era assustador.
Relâmpagos iluminaram o campo e teve a impressão de ver uma criança entre a plantação, ficou preocupada e antes que se recordasse das palavras de Millan, já estava correndo naquela direção tentando ajudá-la.
Passou por entre as ovelhas que se remexiam inquietas, um galho arranhou sua perna, rasgando seu vestido, o que a fez se abaixar para se soltar, perdendo a criança de vista, não encontrando-a quando ergueu a cabeça.
Um raio caiu ao longe, iluminando o campo. Foi quando seus olhos se focaram numa criatura de corpo voluptuoso e olhos amarelos brilhantes, e para piorar, ele também havia a visto.
Vendo o perigo que corria, Rosely girou nos calcanhares e correu de volta para a casa, ignorando a dor causada pelos galhos que arranhavam suas pernas, e ainda podendo ouvir o rosnado selvagem daquela coisa. Quando vislumbrou a porta da casa, seu coração acelerou em antecipação e então, pulou o pequeno lance de escadas num salto único.Fechou a porta às suas costas, segurando-a com o peso de seu corpo enquanto olhava ao redor, procurando por algo que pudesse usar para se manter segura. O cano de metal de uma espingarda pareceu brilhar em meio à escuridão, correu para pegá-la e a segurou com firmeza enquanto encarava a porta que sacolejava, respirou fundo – tentando se manter calma – e rezou para que a espingarda estivesse carregada. Calculou suas possibilidades e para piorar tudo, percebeu que não poderia errar o tiro, pois precisaria recarregar. A porta chacoalhou três vezes e na quarta, o ferrolho se rompeu. Inicialmente, nada aconteceu, até que a criatura colocou o focinho para d
Contudo, aquela estranha conversa foi interrompida quando um homem surgiu carregando dois cavalos pelas rédeas, parando ao lado da mulher, a encarou por longos minutos, mas nada disse, nem mesmo a cumprimentou.Ele era enorme. Chegava a ser maior do que Eslen.Seu corpo era coberto de músculos, porém, o que mais chamava a atenção era a estranha coloração acastanhada que estendia dos seus cabelos curtos até sua pele, como se tivesse sido esculpido do barro. Isso, sem contar os profundos olhos negros.Rosely só conseguiu tirar os olhos dele quando Eslen montou num dos cavalos, chamando sua atenção enquanto lhe estendia um cartão.– Se precisar dos meus serviços – disse, lhe lançando uma piscadela antes de ir embora.Piscou algumas vezes, ainda um tanto confusa com toda aquela estranheza, e então, encarou o cartão em sua mão, se perguntando se deveria contratar aquele homem para se livrar do lobo – ou o que tentava se convencer de que fosse um –, porém, foi tirada de seus devaneios ao ve
Longe dali, uma jovem empregada, esforçava-se em carregar pesados baldes de água do poço. Era pequena, praticamente uma adolescente ainda, mas mesmo assim, não reclamava de seu destino, afinal, era melhor do que morrer de fome. Ergueu os olhos para o céu e viu que os raios de sol ainda nem haviam surgido no horizonte.Era assustador trabalhar naquele horário, como se a qualquer momento, alguma criatura da noite pudesse aproveitar aqueles resquícios de escuridão para pegá-la.Tentou conter seu medo, e continuou seu caminho em direção ao poço. Na verdade, aquele era o trabalho que mais desejava não fazer, por medo, estar naquela parte da fazenda a aterrorizava.E todos sabiam disso, mas a tarefa continuava sendo sua.“Rápido. Termine isso, Charlotte”, pensou consigo mesma. Amarrou a corda na alça do balde, e desceu até a água, quase no fundo do poço.Para a sua felicidade, inicialmente nada aconteceu. Carregando os baldes na cabeça, encheu os dois primeiros potes da carroça, suspirou,
Os últimos raios de sol sumiam no horizonte quando o caçador finalmente chegou, estava acompanhado de seu fiel escudeiro, ambos carregando malas e equipamentos pesados para a confecção das armadilhas. Eslen parou diante da casa da fazenda e observou o ambiente ao redor, estudando onde poderia fazer seu trabalho.Foi quando se deu conta dos fazendeiros que o encaravam.– Podem ir para suas casas, resolvemos daqui – ele praticamente mandou, não deixando espaço para questionamentos.E então, prontamente, começou a preparar o alicerce do que parecia ser um andaime de metal, revestido com madeira resistente. De dentro da casa, Rosely conseguia ver o quão grande a estrutura se tornava ao passo que escurecia, se assemelhando a uma fortaleza. Havia um espaço deixado no meio, onde a ovelha machucada foi presa enquanto os dois homens trabalhavam sem trocar uma única palavra. No fim, ambos sentaram-se na parte de cima, montando uma tocaia, porém, estranhamente, Eslen era o único arm*do.Ao pass
Eslen não lhe deu uma resposta mais satisfatória, permanecendo com seu sorriso de canto enigmático e no fim, todos recolheram-se para dormir depois de dar um fim adequado àquela coisa. Porém, por mais cansada que estivesse, Rosely não conseguiu adormecer, encarando o teto com seus olhos arregalados por causa de um estranho pássaro que insistia em destelhar o telhado de seu quarto. Quando conseguiu enfim dormir, já era dia. Levantou-se por volta do meio-dia e encontrou as empregadas apressadas enquanto preparavam a refeição para a patroa e os convidados. Parou na sala, com o ombro apoiado no umbral da porta e encarou Charlotte, a jovem empregada da noite anterior, gentilmente preparando a mesa. – Bom dia, senhora – ela murmurou tímida.Seguiu com os olhos a mulher que sentava-se à mesa e se apressou para lhe servir uma xícara de chá. – Bom dia! – Rosely respondeu enquanto encarava seu reflexo no líquido. – Onde estão os convidados?– Sairam cedo, mas acredito que voltarão – explic
Depois disso, uma espécie de calmaria se instalou no vilarejo. Os caçadores seguiram seu caminho, com os bolsos cheios de moedas de ouro, e os moradores tentaram retomar suas vidas também, afinal, havia muito trabalho a ser feito para reparar a destruição deixada por aquela criatura.E no fim, tirando o pássaro que insistia em destruir o telhado do casarão, Rosely conseguiu enfim, ter uma boa noite de sono.Naquela manhã, enquanto descia a escadaria de pedra, observou os trabalhadores ocupados na produção dos queijos e retirada da lã. Não era segredo para ninguém que precisava fazer uma boa venda para recuperar todo o dinheiro gasto para contratar os caçadores. Contudo, foi tirada de seus devaneios quando viu Millan se aproximando.– Estive em Dublin e aproveitei para checar o correio – ele explicou, entregando um bolo de cartas à mulher.Ela as aceitou e começou a ler o conteúdo enquanto caminhavam pela fazenda, parando a poucos metros do penhasco que dava para o oceano, sentindo o
Depois daquela conversa, alguns dias se passaram e a tão temida visita dos pais de Rosely realmente aconteceu. Na verdade, sua mãe foi a única a aparecer, acompanhada de suas damas de companhia, e a cada passo dado, desde que passou pela porta, seus olhos fitavam tudo, cheia de julgamento.Ela nunca havia gostado de interiores, logo sua reprovação era evidente.Sentou-se diante da filha, esboçando em seu rosto uma expressão irritada ao vê-la usando calças, mas tentou manter sua postura enquanto provava o chá servido pela empregada.– Pensei que a essa altura você já teria desistido da ideia estúpida de deixar seu noivo – ela disse depois de um tempo, erguendo seus olhos em direção à filha. E ao ouvir isso, o espanto no rosto de Rosely foi claro. – Eu jamais voltarei para ele! – ela exclamou firme, o rancor claro em seus olhos.– Mas, Rosely… – a mãe tentou argumentar, mas foi interrompida pela filha.– Já chega. Não vamos mais falar sobre isso – Rosely pediu num tom mais ameno, mes
Enquanto via o arroz cozinhando, com a poção que agora parecia temperos, Eleonore pensava no dia em que havia se confessado para o marido. Naquela época, havia feito uma simpatia boba para ficar com ele, submergindo um papel com seu nome no leite adocicado. E agora, estava fazendo isso novamente. Voltou sua atenção à carne de frango que estava quase pronta e lembrando das palavras da xamã, pegou algumas vagens, retirou-as da casca e levou cada uma delas à boca, deixando sua saliva antes de colocá-las dentro da panela, desligando o fogo depois de um tempo.Com o jantar pronto, se banhou e colocou o vestido que havia ganhado, soltou seus cabelos, que escorreram por seus ombros em forma de cascatas ruivas e sorriu satisfeita com o reflexo que via de si mesma.Ouviu um barulho na porta e sentiu seu coração acelerar ao olhar naquela direção e se deparar com o marido irrompendo por ela, estava um tanto inquieto e parecia ter bebido bastante. Ao vê-la, esboçou uma expressão apaixonada, ra