3 A chegada

O vento soprou frio e Rosely fechou o casaco, sentindo como se seus membros pudessem congelar a qualquer momento. O barco finalmente havia aportado no cais e ela se via seguindo a multidão que descia ao som dos sapatos batendo no piso de madeira.

De onde estava, quase conseguia ver toda a vila, de tão pequena que era.

Respirou fundo, de olhos fechados, e quando os abriu, disse a si mesma que não era possível voltar atrás. Afinal, não era mais bem vinda na casa dos pais e aquele era o castigo por sua desobediência.   

Continuou seu caminho, carregando sua única mala pesada, e parou somente quando ouviu seu nome sendo chamado. Olhou para trás, e notou que era Millan, o homem com quem vinha se correspondendo dias antes.

– Fico feliz que tenha chegado bem – ele disse com um sorriso gentil enquanto pegava sua mala.

– Obrigada – ela respondeu, mas não conseguiu devolver o sorriso.

– Minha esposa limpou o casarão – Millan disse puxando assunto, já que a mulher pouco falava. – A senhorita tem certeza de que deseja dormir na fazenda?

– Tenho sim. – Rosely confirmou, sua voz soando baixa por causa do nó que se formava em sua garganta. – Na verdade, eu gostaria de vê-lo.

Millan concordou e, em silêncio, a guiou por um longo caminho de pedras que parecia ter sido feito cuidadosamente à mão, e que terminava em um muro de mesma aparência. Ele abriu o portão de grades metálicas detalhadas e caminharam juntos por entre as lápides. 

Foi quando uma bela borboleta chamou sua atenção. Era negra, com padrões amarelos nas asas. Pairava sob o ambiente, tranquilamente se deixando carregar pelo vento.

Rosely franziu as sobrancelhas, achando estranho.

“ O que faz uma borboleta aqui?”, pensou consigo mesma, pois não havia flores em volta.

Quando, enfim, pararam, Rosely percebeu que estavam diante de um túmulo em mármore – que se distinguia dos outros por serem mais simples –, deslizou os dedos pelas inscrições e suspirou ao ler o nome, data de nascimento e morte dele.

– Você sabe como ele morreu? – perguntou, sem saber ao certo o que sentir.

Millan negou com a cabeça.

– Estava em outra cidade comprando gado – contou o homem, sua voz também soando baixa, em respeito aos que ali descansavam. – A verdade é que ninguém fala sobre isso.

E para completar a sombriedade de suas palavras, corvos começaram a grasnar no alto das árvores, fazendo ambos calarem-se. 

Rosely suspirou, colocando as flores que trazia consigo sobre o túmulo e então, seus olhos se voltaram a uma menina que caminhava a alguns metros de distância, tão tranquila que surpreendeu a recém-chegada. Estreitou os olhos ao vê-la se agachando em frente a uma das lápides, mas não pôde ver o que ela fazia pois Millan pigarreou fazendo-a retornar à realidade.

Precisavam sair dali. 

Refizeram o caminho para fora dos muros do cemitério, e quando já estavam em frente à carroça dele, mais questões lhe vieram à mente:

– Meu irmão tinha inimigos? – perguntou quando seus olhos se encontraram.

– Não pergunte. Não quero mentir para você! – Millan respondeu com um semblante sério, mesmo que seus olhos evitassem os dela.

Rosely não conseguiu esconder sua surpresa ao ouvir aquilo, arregalando os olhos, mas disse a si mesma que poderia deixar aquilo como estava por hora.

E então, seguiram para a fazenda.

Enquanto sentia o corpo balançando por causa da estrada sinuosa, ela apertou a bolsa de colo – onde mantinha as cartas do irmão – e pela primeira vez, se arrependeu de não tê-las lido antes.

A verdade era que, desde que o irmão abandonou a esposa para fugir com a amante, nunca mais conseguiu vê-lo com os mesmos olhos. 

– Onde está a mulher do meu irmão? – perguntou, voltando seus olhos ao homem.

Ao ouvir sua pergunta, Millan virou-se para encará-la, um tanto surpreso, mas logo, balançou a cabeça negativamente, voltando seus olhos à estrada.

– Eles viveram juntos por alguns meses, mas ele não conseguia se manter com uma mulher só, então ela foi embora. – explicou com uma expressão de poucos amigos, demonstrando não gostar das atitudes do patrão.

Foi nesse momento que, enfim, eles chegaram à casa de fazenda. Ele a ajudou a descer da carroça e apontou para uma pequena casa ao longe.

– Aquela é a minha casa, moro nas terras do seu irmão e cuido da fazenda – explicou, e então, seus olhos se voltaram à uma mulher que saia do casarão, descendo a curta escadaria na direção deles. – Está é minha esposa, Eleonore.

A mulher cumprimentou a recém-chegada e pegou-se observando-a, sem conseguir tirar os olhos da cicatriz em seus pescoço, quase coberta pela gola alta do vestido. 

– Preparei um banho e jantar para a senhora – disse rapidamente, tentando disfarçar seu olhar curioso.

– Obrigada – Rosely respondeu educadamente, tentando ignorar aqueles olhares. – Por favor, descansem.

Ambos acenaram com a cabeça, positivamente e então, Rosely girou nos calcanhares, pronta para entrar no casarão. Porém, parou no lugar ao sentir o braço de Millan segurando-a.

– Senhorita, por favor, em hipótese alguma, não saia de casa à noite! – ele dizia, quase num tom de súplica, seus olhos demonstrando toda sua preocupação.

Ela respondeu apenas com um aceno positivo e então, entrou no casarão, trancando a porta às suas costas. Deixou seu corpo relaxar na água morna, aliviando o estresse da viagem, e aproveitou da comida que cheirava bem.

Quando a escuridão tomou o céu, seguiu para seu quarto com um candeeiro em mãos, passou pelos corredores sombrios e sentiu seu corpo se arrepiando ao ouvir o som uivante do vento. Deitou-se na cama e fechou os olhos, esperando que o cansaço a fizesse dormir rapidamente.

Contudo, mal adormeceu e foi acordada com o som de coisas caindo, arregalou os olhos assustada, mas tentou voltar a dormir, agarrando firmemente o travesseiro.

Mas no fim, acabou se levantando.

Caminhou novamente pelos corredores e encontrou a porta da cozinha aberta, batendo com a ventania. Recolheu as coisas do chão, tendo a estranha impressão de que haviam sido jogadas às pressas por alguém que fugia e seus pelos se arrepiaram, ainda mais quando notou as dezenas de olhos brilhando no escuro.

Sabia que eram as ovelhas, mas mesmo assim era assustador.

Relâmpagos iluminaram o campo e teve a impressão de ver uma criança entre a plantação, ficou preocupada e antes que se recordasse das palavras de Millan, já estava correndo naquela direção tentando ajudá-la.

Passou por entre as ovelhas que se remexiam inquietas, um galho arranhou sua perna, rasgando seu vestido, o que a fez se abaixar para se soltar, perdendo a criança de vista, não encontrando-a quando ergueu a cabeça.

Um raio caiu ao longe, iluminando o campo. Foi quando seus olhos se focaram numa criatura de corpo voluptuoso e olhos amarelos brilhantes, e para piorar, ele também havia a visto.

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