6 Charlotte

Longe dali, uma jovem empregada, esforçava-se em carregar pesados baldes de água do poço. Era pequena, praticamente uma adolescente ainda, mas mesmo assim, não reclamava de seu destino, afinal, era melhor do que morrer de fome. Ergueu os olhos para o céu e viu que os raios de sol ainda nem haviam surgido no horizonte.

Era assustador trabalhar naquele horário, como se a qualquer momento, alguma criatura da noite pudesse aproveitar aqueles resquícios de escuridão para pegá-la.

Tentou conter seu medo, e continuou seu caminho em direção ao poço. Na verdade, aquele era o trabalho que mais desejava não fazer, por medo,  estar naquela  parte da fazenda a aterrorizava.

E todos sabiam disso, mas a tarefa continuava sendo sua.

“Rápido. Termine isso, Charlotte”, pensou consigo mesma. Amarrou a corda na alça do balde, e desceu até a água, quase no fundo do poço.

Para a sua felicidade, inicialmente nada aconteceu. Carregando os baldes na cabeça, encheu os dois primeiros potes da carroça, suspirou, sentindo dor no pescoço, e então, voltou-se ao poço, para encher o último.

Ainda com a cabeça baixa, amarrando a corda no balde, começou a ouvir o som das moedas caindo na água. Todos seus pelos se arrepiaram e suas pernas endureceram, como se pesassem toneladas. Quando finalmente sentiu que conseguia respirar, ergueu a cabeça com lentidão e então, a viu: a mulher do poço.

O corpo estava quase inteiramente submerso, mas conseguia ver suas mãos pálidas segurando a borda de pedra do poço, contando as moedas que caiam na água.

“ Uma, duas, três…”, ela dizia, baixinho.

Charlotte ao deparar-se com tal cena, não esperou para ver o que aconteceria, correu de volta para a caroça e gritou com o burro, que logo começou a correr de volta à fazenda, tão assustado quanto ela.

Quando finalmente chegou ao hall, seu coração batia tão acelerado  que parecia prestes a sair pela boca. Contudo, nem teve tempo de se recuperar do susto, pois, já estava recebendo os olhares de reprovação das outras empregadas por fazer barulho. Isso porque, felizmente, não haviam visto que a moça havia deixado um dos potes vazios.

– O banho da senhora está quase pronto.  – disse uma das empregadas, um pouco mais velha. 

Ao ouvir isso, Charlotte balançou a cabeça concordando assustada e rapidamente, correu para o primeiro andar, prendendo os cabelos, pois sabia que a senhora detestava vê-lo soltos. Subiu as escadas, sentindo seus joelhos tremerem, e respirou fundo antes de entrar no  banheiro do casal, checou a água e esperou a senhora vir, para limpar suas unhas.

Tentou manter a cabeça baixa. Afinal, não era apenas os cabelos que ela odiava, seus olhos cor de esmeralda também. Respirou fundo, colocando cuidadosamente os pés da mulher na toalha sobre suas pernas e começou a cortar e limpar suas unhas.

E tudo teria saído bem se, de repente, o lenço não tivesse se soltado, caindo sobre seus olhos, apressou-se em tentar arrumá-lo, porém viu que acidentalmente havia machucado um dos dedos da patroa. Um corte minúsculo, mas que foi o suficiente para que a mulher ficasse furiosa.

Encarou a pobre serva – olhos cheios de ódio – e sem piedade, a chutou no rosto, tão forte que o sangue escorreu de seu nariz e boca. 

– Suma daqui, sua imprestável – gritou, jogando objetos na moça.

As outras empregadas ouviram a comoção e rapidamente a tiraram dali, deixando outra moça para terminar o trabalho. E assim, abruptamente, Charlotte se viu sendo jogada na rua apenas com sua pequena bolsa e lágrimas nos olhos.

Sem ter para onde voltar, e com quase dinheiro nenhum em sua posse, caminhou tristemente pela estrada de terra, sua mente divagando enquanto se imaginando morrendo de fome.

“Que morte horrível”, pensou consigo mesma, mesmo que ao seu ver, ainda era melhor que cair na prostituição.

Contudo, depois de horas caminhando em meio à poeira, de repente, viu uma carroça parada na estrada. Aproximou-se tímida e curiosa, observou as moças sentadas no feno, que pareciam esperar os cavalos serem abastecidos com a água para continuar a viagem.

– Para onde estão indo? – perguntou depois de tomar coragem.

– Para a fazenda O'Neel  – explicou uma delas. – A irmã do dono vai reabrir e precisa de empregadas novas.

– Será que não tem uma vaga para mim? – Charlotte gaguejou a pergunta, seus olhos enchendo-se de esperança.

– Você foi demitida porque? – outra delas perguntou.

Era baixinha, tinha seus cabelos pretos trançados e havia algo em seus olhos que deixava a recém-chegada incomodada. 

– Pode subir – disse uma voz masculina, interrompendo a conversa.

Charlotte, ao ouvir essas palavras, quase chorou sem acreditar no que estava acontecendo e seus olhos chegaram a marejar, ainda mais quando ele lhe ofereceu água e um lenço para limpar o sangue em seu rosto. Chegaram à fazenda e notou que ainda havia certo sentimento de luto no ar. Mas todos trabalhavam conversando normalmente, sem medo em seus olhos.

O que a fez perceber que talvez aquele fosse seu dia de sorte.

Uma mulher jovem as guiou até um quarto adjacente à cozinha, usado como alojamento para as empregadas. Era amplo e não cheirava a mofo como estava acostumada, mas o que realmente a impressionou, eram as pequenas camas com colchões de enchimento – não de palha.

– Troquem-se e voltem para a sala  – disse a mulher, apontando os uniformes que estavam sobre as camas.

A recém-chegada balançou a cabeça, concordando e correu para fazer o que era mandado. Quando chegou à sala foram apresentados à patroa. Uma mulher que à primeira vista parecia ser severa mas que, para a sua surpresa não as maltratou, ao invés disso, explicou calmamente sobre o salário, dia de folga e alguns outros direitos que teriam. Incluídos enviar cartas para seus parentes e dormir fora da fazenda. 

Ela nem sabia que isso era possível.

– Temos muito trabalho a fazer  – a patroa disse por fim, e então, deu-lhes as costas, pronta para deixar a sala.

Foi quando Charlotte notou o que tanto lhe chamava a atenção: ela estava usando calças largas, não um vestido como era de costume na época.  

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Digitalize o código para ler no App