Lili
— Lilian, acorda! — A voz de Alice me desperta baixinho na sala de aula. Sinto a cabeça pesar e os olhos queimam com a luz do dia que invade a ampla sala. Droga, estou super cansada! Observo a professora Lisy Gregory sair da sua cadeira acolchoada e pegar alguns envelopes pardos em seus braços. Ela caminha para o centro da sala, no entanto, ela me avalia com seu ar de superioridade.— Meninas, teremos uma prova surpresa hoje e quando acabarem encerraremos a nossa aula — avisa enquanto passa de cadeira em cadeira com passos lentos e decisivos, deixando em cada mesa um envelope lacrado. Incomodada, eu me ajeito em minha cadeira e levo as mãos aos meus olhos, esfregando-os para despertar melhor. Não posso me dar ao luxo de perder pontuação nessa prova, essa escola é muito rigorosa com os nossos boletins e se tiramos uma nota vermelha isso implica a presença do nosso tutor, no meu caso, Julie minha madrasta. Não a tenho visto desde que me jogou nesse lugar e não pretendo vê-la tão cedo. Os meus poucos períodos de férias ou aniversários tenho passado com os meus avós e não pensem que foi escolha minha, a mulher vive viajando pelo mundo. Quando chega a minha mesa, Lisy põe o envelope virado para baixo e me olha nos olhos. Engulo em seco. Ela parece querer desvendar os meus segredos mais obscuros.— Você não me parece bem hoje, Lilian, não dormiu bem durante a noite? — Me remexo na cadeira e sem tirar os meus olhos dos seus avaliativos, me forço a falar:— Ah, não muito, senhorita Gregory, tive um pouco de insônia na noite passada — minto. Ela arqueia as sobrancelhas.— Oh, espero que isso não a atrapalhe durante a avaliação — diz com o seu tom profissional. Contudo, forço um sorriso para ela.— Não se preocupe, não vai me atrapalhar em nada. — Ela assente bem devagar, passa uma olhada rápida na minha amiga ao lado e depois vai para a próxima mesa. Automaticamente solto a respiração que estava presa fazendo um som sutil. Olho para Alice sentada na cadeira ao meu lado, mas ela só dá de ombros.E falando na minha amiga travessa, ainda não tivemos a oportunidade de falar sobre o que aconteceu na noite passada e eu não sei o porquê, mas sinto que não vou gostar muito do que ela tem para me dizer. Os minutos passam e esses se tornam horas longas e exaustivas de provas, atividades, exercícios, trabalhos e mais exercícios, algo bem corriqueiro no nosso cotidiano, mas hoje eu daria a vida por uma cama macia e quentinha! Uma hora após o almoço mergulhamos em algumas atividades esportivas, aulas de teatro e de música também e no final da tarde o merecido descanso. Me sento em um dos bancos de madeira no meio do imenso jardim florido e encaro as lindas borboletas coloridas sobrevoando as delicadas flores, que se balançam com o seu peso. Abro uma pequena cesta de vinil quadrada que está ao meu lado e tiro de lá uma deliciosa fatia de bolo de baunilha. Eu já falei que amo bolo de baunilha? Esse lanche me lembra um pouco da minha infância ao lado do meu pai. Alice se senta ao meu lado e apesar do cansaço por não dormirmos bem durante a noite, a criatura ainda esbanja um sorriso largo e sonhador.— Aff, pensei que não ficaríamos sozinhas nunca! — Ela resmunga soltando um ar audível. Em silêncio pego mais uma fatia do bolo e lhe entrego.— Você me deixou preocupada ontem à noite — comento, mas ela apenas sorri. E acredite, não é qualquer sorriso, é aquele maldito sorriso sonhador de novo. Um sorriso como ela nunca deu antes. — O que deu em você para me deixar sozinha naquele lugar e sumir daquele jeito dentro da casa de um desconhecido? Alice aqueles jovens pareciam animais que nunca tiveram liberdade na vida e olha que eu sei o que é não ter liberdade.— Me desculpa, Lili! — Ela sibila docemente. — É que... eu me empolguei. Poxa, era uma festa e você sabe que sou louca por festas! — Puxo a respiração e volto a olhar para o balé das borboletas batendo as suas asas de forma lenta e elegante.— Onde você estava realmente? Porque eu andei aquela casa inteira a sua procura e não te vi em lugar nenhum — insisto na pergunta.— Eu vou te contar tudo, tudinho. — Ela se ajeita no banco dobrando as pernas para debaixo do seu corpo e fica de frente para mim. Uma narração inusitada começa a sair da sua boca e eu não consigo evitar de ficar perplexa com cada palavra. — Assim que pus os pés naquela casa e vi toda aquela gente gritando animada e dançando me misturei a elas. Eu dancei como nunca havia feito na vida. O ritmo era tão empolgante e tão envolvente. Então eu conheci a July Anderson uma garota maravilhosa. Nós conversamos em meio a dança e teve um momento que ela me ofereceu a sua bebida.— Me diga que não aceitou, Alice?— É claro que eu aceitei! — Ela sota um gritinho empolgado e eu rolo os olhos.— Ficou maluca, criatura?! — A repreendo.— Lili, era só diversão, relaxa! — pede tão descontraída que chega a me incomodar. — Agora deixa eu te contar todo o resto. — A encaro com o devido espanto.— Ainda tem mais?! — Ela faz um gesto de mão e continua.— Dançamos umas três músicas e depois que nos cansamos fomos para uma varanda no segundo andar da casa que digo de passagem, tinha uma bela vista do parque central. Havia um grupinho animado lá em cima e foi lá que conheci o Dante Travel. Ai amiga, o Dante é um pedaço de mal caminho literalmente falando! Um ruivo lindo de pele clara, com os cabelos cor de cobre escuro e cheios. Do tipo que dá vontade de pegar e acariciar, sabe? Eu sei, porque eu peguei e eles são tão cheirosos, e tão macios! Então, minutos depois ficamos de b**e papo um pouco, mas afastado dos outros e enquanto conversávamos eu tomei um tipo de coquetel vermelho com uma espuma macia e cremosa, que pairava na borda da taça. Uma delícia!— Está me dizendo que tomou mais de um copo e que ainda misturou as bebidas? É isso que está me dizendo? — Volto a repreendê-la e dessa vez ela revira os olhos para mim.Lili— Foram quatro copos ao todo — diz com uma naturalidade espantosa.— Alice, pelo amor de Deus! — esbravejo. Ela olha ao nosso redor e eu faço o mesmo. Algumas meninas passeiam pelo jardim conversando amenidades, outras estão aproveitando o tempo livre para ler um livro. Coisa que eu e Alice costumamos fazer se não fosse esse impasse. Ela me pede para falar baixo e eu bufo audivelmente. — Ok, acabou? — pergunto ainda irritada, mas para o meu desespero ela faz um não com a cabeça.— Então, eu e o Dante dançamos uma ou duas músicas lentas. Ain, bem coladinhos! Lili, ele me dizia coisas delicadas no ouvido e nós... nós nos beijamos... e foi o melhor beijo da minha vida! Um beijo doce e delicado, quente e envolvente tudo ao mesmo tempo, e foi tão lindo! Eu me senti igualzinha aquelas mocinhas de livro de romances, sabe? Deu para sentir aquele calor no corpo, o coração acelerado no peito, a conhecida falta de ar e aquela pegada forte das suas mãos na minha pele febril. E quando percebi
LiliUm mês e meio depois ...— Como está se sentindo? — pergunto baixinho quando me aproximo da cama estreita da enfermaria do internato. Essa é a terceira vez que Alice passa mal e eu não sei exatamente o porquê. Só sei que me dói vê-la nesse estado. Seu corpo amolecido, sua respiração alterada, os olhos fundos e a pele pálida. Suspiro frustrada quando vejo um soro no seu braço direito.— Está passando. — Ela diz quase sem forças. À noite passada ela não conseguiu comer direito e durante a madrugada pôs a vomitar por pelo menos umas três vezes seguidas. O resultado é exatamente esse bem aqui na minha frente. Fiquei muito aflita pôs não me permitiram acompanhá-la de perto e só agora, quase cinco horas depois me deixaram vê-la. Seguro a sua mão na minha. Ela está tão gelada e isso me preocupa ainda mais.— O que o médico disse? — Procuro saber assim que a enfermeira se afasta para o outro lado da sala.— Fizeram alguns exames, mas ainda não me falaram sobre os resultados. — Ela faz sil
LiliNo dia seguinte ao abrir os meus olhos, abro também um sorriso feliz e satisfeito ao encontrar Alice dormindo tranquila em sua cama. Não sei exatamente quando ela veio parar no dormitório, mas fico feliz que não esteja mais na enfermaria. Eu sei que deveria deixá-la dormir mais e descansar, a final, ela precisa reunir forças para o por vir, mas eu preciso saber o que fazer e não conseguirei voltar a dormir se não fizer isso agora. Portanto, com uma respiração baixa me levanto com cuidado para não fazer barulho e olho ao nosso redor para ter certeza de que todas ainda estão dormindo. Solto o ar opresso pela boca devagarinho e me aproximo dela, ajoelhando-me ao lado da sua cama e toco levemente no seu braço, chamando-a com um sussurro extremamente baixo.— Alice? Alice, acorda!— Hã? —Ela abre uma brecha de olhos e me encara fazendo o meu sorriso simplesmente se alarga. — Como você está? — Procuro saber. — Um pouco sonolenta, deve ser por causa dos medicamentos. Mas estou bem melho
Dante. Escuto a risada alta do Max reverberar por todo ambiente, fazendo a minha cabeça latejar violentamente e consequentemente solto um gemido de dor, me forçando a sentar no sofá retrátil da sala. Os meus olhos pesam de sono e é difícil abri-los. Não sei exatamente quando adormeci, tão pouco o que rolou depois das três da manhã. Só sei de uma coisa, foi a festa mais fodástica que eu já fiz na vida. Pudera, né? Estou me despedindo da minha vida fácil para encarar uma vida séria no futuro. E que venha a faculdade de administração de empresas e depois dela serei o dono da porra toda, o rei do pedaço! É isso aí, serei o mais jovem presidente da TL Travel Lawyers e serei o melhor que aquela empresa já teve um dia. Sim, sou ambicioso e muito, pois desejo alcançar o meu lugar ao sol e não quero qualquer lugarzinho não, eu quero O LUGAR. — Que festa hein, cara, que festa! Hu, essa entrou para a história! — Max comenta exacerbado me arrancando dos meus pensamentos. Forço-me a levantar do s
Dante.— Vê lá hein, Max, não vai aprontar com os meus pais por perto! — ralho com um tom de advertência, caminhando até o aparador de cristal que fica no hall da casa e pego a minha carteira.— Qual é, Dante, parece que não me conhece! — Ele resmunga, inclinando-se um pouco para o meu lado. — Eu sei ser discreto e eu não vou perder de azarar as patricinhas do baile, né? — Me pego sorrindo.— Eu também não, mas não quero problemas com o meu velho — resmungo de volta quando saímos de casa e de cara encontramos o luxuoso Ranger Rover negro blindado estacionado bem em frente a porta de saída. Do lado de fora, David o segurança particular do meu pai já nos aguarda. Max entra pela porta traseira e eu faço o mesmo logo em seguida. A nossa frente uma tela negra separa o motorista e o segurança de nós dois, assim podemos conversar mais à vontade. O carro logo ganha movimento e o Max começa a preparar uma bebida para nós dois. Contudo, assim que o carro passa pelos portões de ferro, noto-o para
Lili.Algumas horas depois...— Senhorita Flores, a diretora deseja vê-la. — Uma das freiras do internato informa. Depois da conversa nada proveitosa com o tal Dante, viemos direto para o internato. Alice se manteve no mais completo silêncio desde então e eu confesso que não estou gostando nada disso. Achei que voltaríamos com uma Alice mais radiante e ao invés disso ela está completamente arrasada, e isso está acabando comigo. Minha amiga tira a sua cabeça do meu colo e seca algumas lágrimas em seguida. Ela ajeita a saia do uniforme e puxa a respiração fazendo um sim com a cabeça, e quando começa a andar ao lado da moça eu me ponho de pé e me prontifico ao seu lado.— Irei com você — digo segurando a sua mão.— Você não pode, Ricci, a diretoria deixou bem claro, apenas a Senhorita Flores irá para a sua sala.— Então me impeça! — rebato baixo e entre dentes praticamente rebocando Alice direto para a direção do internato. Ao abrir a porta, Alice aperta a minha mão, pois além da senhora
Lili — Só uma coisa, vô. — Alice finalmente diz algo. — Por que não irei para casa? — Ele franze a testa, mas com uma feição bem rígida.— Porque eu sou um homem muito visado, Alice, aclamado na alta sociedade. Eu jamais permitiria que descobrissem que você trará ao mundo um bastardo. Agora saia daqui! — ordena com um tom áspero e frio. Meu coração se quebra quando vejo Alice encher mais uma vez os olhos de lágrimas e em seguida ela sai correndo da sala. Contudo, corro atrás dela, mas só a alcanço dentro do dormitório e permito que chore no meu ombro por longos minutos.*** Os dias aqui na fazenda têm sido como um mar de rosas para nós duas. Após a saída do senhor Flores da fazenda e depois de ouvir o choro da Alice por horas, eu finalmente consegui acalmá-la e decidi que iríamos aproveitar cada minuto prazeroso nesse lugar. Hoje é o nosso terceiro dia aqui e são exatamente seis e meia da manhã. Alice ainda está dormindo, ela tem sentido bastante sono esses dias. Mary, a cozinheira d
LiliDe verdade, não temos do que reclamar. Trocar o colégio interno por uma fazendo no meio do nada foi realmente a nossa melhor escolha, pois temos tido momentos únicos e felizes aqui. Contudo, tempo correu rápido demais em alguns sentidos, ele parece ter pressa em chegar a algum lugar, porém, em outros parece ter parado completamente. Se não fosse a barriga protuberante da minha amiga eu diria que o ponteiro do relógio sequer saiu do lugar. Vocês me conhecem e sabem que não sou de aromatizar as coisas, mas nesse caso, parece que estamos presas dentro de um conto de fadas. Sério, aqui os pássaros cantam felizes o tempo todo, as borboletas voam soltas sempre que querem, tem muita paz, muita calmaria e principalmente, Alice teve uma gravidez tranquila apesar dos poucos recursos que temos. Sim, uma médica paga pelo seu avô vem uma vez no mês para consultá-la. Ela mede, pesa, aplica as vacinas, passa algumas receitas e aconselha. Fora isso não tenho preocupações a não ser no que vestir n