Lili
Um mês e meio depois ...— Como está se sentindo? — pergunto baixinho quando me aproximo da cama estreita da enfermaria do internato. Essa é a terceira vez que Alice passa mal e eu não sei exatamente o porquê. Só sei que me dói vê-la nesse estado. Seu corpo amolecido, sua respiração alterada, os olhos fundos e a pele pálida. Suspiro frustrada quando vejo um soro no seu braço direito.— Está passando. — Ela diz quase sem forças. À noite passada ela não conseguiu comer direito e durante a madrugada pôs a vomitar por pelo menos umas três vezes seguidas. O resultado é exatamente esse bem aqui na minha frente. Fiquei muito aflita pôs não me permitiram acompanhá-la de perto e só agora, quase cinco horas depois me deixaram vê-la. Seguro a sua mão na minha. Ela está tão gelada e isso me preocupa ainda mais.— O que o médico disse? — Procuro saber assim que a enfermeira se afasta para o outro lado da sala.— Fizeram alguns exames, mas ainda não me falaram sobre os resultados. — Ela faz silêncio por um curto espaço de tempo. — Lili, acho que sei o que está acontecendo comigo. — Minha amiga sussurra, lançando-me um par de olhos preocupados. Claro, depois do que aconteceu a trinta dias atrás os sintomas são bem claros. Menstruação atrasada, enjoos e falta de apetite, além dessa fraqueza no corpo. — Preciso que faça uma coisa por mim. — Ela pede olhando a enfermeira ocupada com uma bandeja no outro balcão.— O que você quer?— Preciso falar com o Dante antes que descubram a verdade e falem tudo para o meu avô. — Faço não com a cabeça. Isso é loucura certo?— Alice, não! — rebato obstinada.— Por favor, Lili! — Ela irrompe. — Ele precisa saber dessa gravidez. O Dante é rico e ele me ama. Ele vai cuidar de nós duas.— Nós duas?— Sim. — Ela sorri docemente. — Eu sinto que é uma menina — sibila com convicção. Chego a estremecer por dentro só de ouvi-la falar nessa possibilidade. Respiro fundo— Tudo bem! — Concordo mesmo contra a minha vontade, mas estou certa de que é o melhor a se fazer agora.— A visita acabou, Lilian. — A enfermeira avisa e Alice logo enche os olhos d'água. Em anos de convivência essa é a primeira vez que ficamos longe uma da outra por tanto tempo. Angustiada, eu me levanto do banco, passando a mão pelo tecido da saia azul marinho do meu uniforme, tentando dissipar qualquer receio em deixá-la sozinha aqui.— Você vai ficar bem, não é? — inquiro sem esconder a minha preocupação. Ela faz um sim com a cabeça e puxa a respiração. — Tá! — sussurro e logo sinto as mãos de Quênia nos meus ombros.— Amanhã ela estará de volta ao dormitório, querida. Ela só precisa ficar em observação por mais algumas horas e quando os resultados dos exames saírem, saberemos o que fazer. — Esse é o problema. Quis rebater, mas engoli cada palavra. Quênia é russa, por isso tem os cabelos e a pele tão claros, além de uma feição rígida. Ela veio morar aqui nos Estados Unidos há três anos e tem a fala um pouco esquisita por conta do seu sotaque.Antes de sair da sala fito a enfermaria. Um lugar onde o branco predomina nas paredes, nos lençóis e nos móveis também. Na parede maior tem três macas e duas delas estão ocupadas. No centro da sala tem um balcão branco contendo algumas bandejas metálicas com alguns utensílios cirúrgicos dentro delas. Também tem muitos aparelhos que nem sei para que servem e no canto de outra parede bem perto da janela, tem uma pequena mesa com uma cadeira de ferro pintadas de branco. Pela brecha da porta que vai se fechando aceno um tchau com os dedos para Alice e depois disso fico totalmente sem direção. Passo alguns minutos andando pelo longo corredor até encontrar as escadarias. Desço cada degrau com os meus pensamentos fixos na conversa que acabei de ter com a minha amiga.Grávida. E agora, o que vamos fazer?— Como a Alice está? — desperto dos meus pensamentos mais dolorosos quando escuto a indagação de Ágatha assim que adentro o pátio. É horário de descanso e a maioria das meninas estão espalhadas pelo jardim como sempre fazem. Eu encaro a garota de olhos de gato.— Por que quer saber? — questiono de uma forma um tanto rude. Você sabe, a Ágatha vive para nos prejudicar e eu realmente não entendo o seu interesse em Alice agora.— Ué, eu não sou a megera que você pinta, Lilian. Apesar de você e aquela garota estranha viverem isoladas de todas nós, nos preocupamos com vocês. — Eu aceno um sim para ela.— Ela está bem e isso é tudo o que você precisa saber — ralho, dando o assunto por encerrado. Do lado de fora me deito na grama do jardim e encaro o prédio antigo. Mais precisamente as janelas da enfermaria. Preciso pensar em uma maneira de levá-la até o Dante antes que todos descubram o que ela realmente tem. Mas como? Não será nada fácil sair daqui quando todos os funcionários estão trabalhando a todo vapor. Puxo a respiração.— Lilian? — A diretora do internato me chama e imediatamente sinto o meu sangue ferver. Merda, será que eles já descobriram sobre a gravidez? Engulo em seco e me levanto da grama em suspense. Ajeito a minha saia e vou ao seu encontro.— Sim, madre Brigitte!— Seus avós estão ao telefone, eles querem falar com você. — Abro um imenso sorriso, o primeiro em dias. Faz meses que não falo com os meus avós pois aqui não permitem que os internos façam ligações para casa, a final viemos parar nesse lugar porque os "nossos pais" não têm tempo para nós, não é? Com o coração pulando de felicidade eu corro em direção da diretoria. — Lilian, não corra pelos corredores! — A diretora adverte e eu dou uma freada brusca. — Você está aqui para ser uma dama e damas não correm feito uma desvairada! — Ela resmunga mal-humorada.— Sim, madre Brigitte! Me desculpe, madre Brigitte! — Começo a ponderar os meus passos, mas a verdade é que estou ansiosa demais para ouvir a voz deles outra vez.LiliNo dia seguinte ao abrir os meus olhos, abro também um sorriso feliz e satisfeito ao encontrar Alice dormindo tranquila em sua cama. Não sei exatamente quando ela veio parar no dormitório, mas fico feliz que não esteja mais na enfermaria. Eu sei que deveria deixá-la dormir mais e descansar, a final, ela precisa reunir forças para o por vir, mas eu preciso saber o que fazer e não conseguirei voltar a dormir se não fizer isso agora. Portanto, com uma respiração baixa me levanto com cuidado para não fazer barulho e olho ao nosso redor para ter certeza de que todas ainda estão dormindo. Solto o ar opresso pela boca devagarinho e me aproximo dela, ajoelhando-me ao lado da sua cama e toco levemente no seu braço, chamando-a com um sussurro extremamente baixo.— Alice? Alice, acorda!— Hã? —Ela abre uma brecha de olhos e me encara fazendo o meu sorriso simplesmente se alarga. — Como você está? — Procuro saber. — Um pouco sonolenta, deve ser por causa dos medicamentos. Mas estou bem melho
Dante. Escuto a risada alta do Max reverberar por todo ambiente, fazendo a minha cabeça latejar violentamente e consequentemente solto um gemido de dor, me forçando a sentar no sofá retrátil da sala. Os meus olhos pesam de sono e é difícil abri-los. Não sei exatamente quando adormeci, tão pouco o que rolou depois das três da manhã. Só sei de uma coisa, foi a festa mais fodástica que eu já fiz na vida. Pudera, né? Estou me despedindo da minha vida fácil para encarar uma vida séria no futuro. E que venha a faculdade de administração de empresas e depois dela serei o dono da porra toda, o rei do pedaço! É isso aí, serei o mais jovem presidente da TL Travel Lawyers e serei o melhor que aquela empresa já teve um dia. Sim, sou ambicioso e muito, pois desejo alcançar o meu lugar ao sol e não quero qualquer lugarzinho não, eu quero O LUGAR. — Que festa hein, cara, que festa! Hu, essa entrou para a história! — Max comenta exacerbado me arrancando dos meus pensamentos. Forço-me a levantar do s
Dante.— Vê lá hein, Max, não vai aprontar com os meus pais por perto! — ralho com um tom de advertência, caminhando até o aparador de cristal que fica no hall da casa e pego a minha carteira.— Qual é, Dante, parece que não me conhece! — Ele resmunga, inclinando-se um pouco para o meu lado. — Eu sei ser discreto e eu não vou perder de azarar as patricinhas do baile, né? — Me pego sorrindo.— Eu também não, mas não quero problemas com o meu velho — resmungo de volta quando saímos de casa e de cara encontramos o luxuoso Ranger Rover negro blindado estacionado bem em frente a porta de saída. Do lado de fora, David o segurança particular do meu pai já nos aguarda. Max entra pela porta traseira e eu faço o mesmo logo em seguida. A nossa frente uma tela negra separa o motorista e o segurança de nós dois, assim podemos conversar mais à vontade. O carro logo ganha movimento e o Max começa a preparar uma bebida para nós dois. Contudo, assim que o carro passa pelos portões de ferro, noto-o para
Lili.Algumas horas depois...— Senhorita Flores, a diretora deseja vê-la. — Uma das freiras do internato informa. Depois da conversa nada proveitosa com o tal Dante, viemos direto para o internato. Alice se manteve no mais completo silêncio desde então e eu confesso que não estou gostando nada disso. Achei que voltaríamos com uma Alice mais radiante e ao invés disso ela está completamente arrasada, e isso está acabando comigo. Minha amiga tira a sua cabeça do meu colo e seca algumas lágrimas em seguida. Ela ajeita a saia do uniforme e puxa a respiração fazendo um sim com a cabeça, e quando começa a andar ao lado da moça eu me ponho de pé e me prontifico ao seu lado.— Irei com você — digo segurando a sua mão.— Você não pode, Ricci, a diretoria deixou bem claro, apenas a Senhorita Flores irá para a sua sala.— Então me impeça! — rebato baixo e entre dentes praticamente rebocando Alice direto para a direção do internato. Ao abrir a porta, Alice aperta a minha mão, pois além da senhora
Lili — Só uma coisa, vô. — Alice finalmente diz algo. — Por que não irei para casa? — Ele franze a testa, mas com uma feição bem rígida.— Porque eu sou um homem muito visado, Alice, aclamado na alta sociedade. Eu jamais permitiria que descobrissem que você trará ao mundo um bastardo. Agora saia daqui! — ordena com um tom áspero e frio. Meu coração se quebra quando vejo Alice encher mais uma vez os olhos de lágrimas e em seguida ela sai correndo da sala. Contudo, corro atrás dela, mas só a alcanço dentro do dormitório e permito que chore no meu ombro por longos minutos.*** Os dias aqui na fazenda têm sido como um mar de rosas para nós duas. Após a saída do senhor Flores da fazenda e depois de ouvir o choro da Alice por horas, eu finalmente consegui acalmá-la e decidi que iríamos aproveitar cada minuto prazeroso nesse lugar. Hoje é o nosso terceiro dia aqui e são exatamente seis e meia da manhã. Alice ainda está dormindo, ela tem sentido bastante sono esses dias. Mary, a cozinheira d
LiliDe verdade, não temos do que reclamar. Trocar o colégio interno por uma fazendo no meio do nada foi realmente a nossa melhor escolha, pois temos tido momentos únicos e felizes aqui. Contudo, tempo correu rápido demais em alguns sentidos, ele parece ter pressa em chegar a algum lugar, porém, em outros parece ter parado completamente. Se não fosse a barriga protuberante da minha amiga eu diria que o ponteiro do relógio sequer saiu do lugar. Vocês me conhecem e sabem que não sou de aromatizar as coisas, mas nesse caso, parece que estamos presas dentro de um conto de fadas. Sério, aqui os pássaros cantam felizes o tempo todo, as borboletas voam soltas sempre que querem, tem muita paz, muita calmaria e principalmente, Alice teve uma gravidez tranquila apesar dos poucos recursos que temos. Sim, uma médica paga pelo seu avô vem uma vez no mês para consultá-la. Ela mede, pesa, aplica as vacinas, passa algumas receitas e aconselha. Fora isso não tenho preocupações a não ser no que vestir n
Lili Algumas horas depois...Abro os meus olhos encontrando a familiar janela do quarto onde eu e Alice dormimos. Lá fora já está escuro e atordoada me sento na cama, esfregando os meus olhos.— Que bom que você acordou! — Escuto a voz de Mary, a cozinheira da casa. Contudo, procuro por Alice em sua cama, mas ela está vazia. Então me lembro dos últimos acontecimentos e firo para a senhora em pé na minha frente.— O que aconteceu?— Você ficou muito agitada e gritava enlouquecida, então tivemos que conte-la com um calmante. — Respiro fundo.— Que horas são?— Quase sete da noite. — Levo as mãos ao meu rosto, o esfrego e puxo a respiração.— Onde está Alice? — pergunto com pesar.— Na capela. — Levanto-me imediatamente da cama estreita e sigo para a porta sem dizer nada.— Aonde você vai, menina? — Mary pergunta vindo atrás de mim.— Onde está o senhor Flores? — inquiro ignorando o seu questionamento.— Está na capela com a neta. — Ela diz me fazendo parar bruscamente. Eu a olho e sigo
Lili— De quem é esse bebê, Lilian? — Ela pergunta.— Nick, leve essas malas para o quarto da minha neta. — Escuto o meu avô dizer. — Meu Deus, querida, estávamos preocupados com você! — Ele diz vindo até mim e me abraça, beijando o meu rosto.— Ligamos para o internato messes últimas meses, mas eles não nos deixavam falar com você, querida. Vovó explica.— Chegamos a pensar que Julie deu ordens para não nos passar as ligações. — Vovô completa.— Na verdade, fui eu que não quis atender ninguém — digo me acomodando no sofá e eles fazem o mesmo.— Porque fez isso, querida? — Dou de ombros.— Por causa dela. — Seus olhos voltam a fitá-la. Eles parecem bem perdidos agora.— De quem é esse bebê, minha filha? — Vovó interpele e eu suspiro baixinho.— Ela é minha filha, vovó. — Ambos franzem as testas.— Mas como?— É uma longa história e eu pretendo contar pra vocês, mas agora ela precisa ser trocada e precisa comer algo. Eu estou cansada, a viagem foi muito longa. Mas, pra começo eu só prec