Eram cinco da manhã de um sábado quando bati a porta da frente e me joguei no sofá. Estava bêbado demais para tentar encontrar meu quarto. Senti a luz ser acesa e sabia que provavelmente minha mãe estava checando, preocupada, se fora eu mesmo quem entrara na casa naquele horário.
Quem mais seria?
— Outra vez, Augusto? — Sua voz parecia distante, quase inaudível. Uma nuvem de sermões que se dissipava gradativamente, em uma velocidade que fugia do meu controle, mas que agradeci. — Isso é hora de se chegar em casa? Por acaso você se esqueceu de que tem mãe?
Ela não estava realmente esperando que eu respondesse, estava?
Resmunguei algo sem sentido, já de olhos fechados. O gosto do cigarro já não dominava meu paladar, e o álcool amenizava o sabor constante do tabaco. Ouvi minha mãe bufar, irritada, e seus calçados baterem no chão em uma sinfonia que fez minha cabeça girar.
Em espirais alcoólicos, peguei no sono logo em seguida.
Dormi até às sete da noite e embora estivesse com dor de cabeça — também conhecida como ressaca —, não cancelei meu compromisso daquele sábado e de todos os outros: bebidas e garotas.
Tomei um banho demorado; precisava me renovar para outra noite que só terminaria pela manhã.
— Vai sair de novo, filho? — Cristina parecia apreensiva, muito diferente daquela Cristina furiosa que me recepcionou pela manhã.
—Vou, mãe. Você sabe que vou. Não sei por que se dá ao trabalho de perguntar — revirei os olhos, entediado.
Bati a porta da sala e entrei no carro. Aliás, tinha uma mania absurda de bater portas. Flávia já me esperava com uma lata de cerveja quando cheguei na festa. Esse mês Flávia, no mês passado Daniela. Tinha todas as garotas aos meus pés e achava isso o máximo. Quase todas, na verdade. Uma, em especial, nunca falara comigo. E quem, por sinal, não estava na festa. Lizza não saía de casa. Ela não pertencia ao meu mundo. Como a conheci? Uma longa história.
— Você demorou, Augusto — Flávia me beijou de leve enquanto me passava a lata que já esquentara e tragava um cigarro já pela metade.
— Vê se não me enche — dei uma golada, seguida de uma careta. —E isso está quente.
— Eu disse que demorou — ela vestiu uma cara de deboche.
— Da próxima vez, que tal deixar ela no freezer ao invés de ficar segurando? Use um pouco a cabeça, Flávia — peguei o cigarro de seus dedos compridos, e traguei lentamente.
— Você é grosso demais — retrucou, me abraçando. Não tivera esforço nenhum para sair com Flávia. Ou qualquer outra garota. Era só dizer oi e elas se jogavam em cima de mim. E eu amava isso. Vez ou outra até tinha vontade de conquistar alguém; me esforçar para conseguir alguma coisa. Mas eu sabia que não faria isso por qualquer garota. Muito menos por uma garota que eu não tinha planos para mais de um mês — Você poderia demonstrar um pouco mais de afeto, sei lá — Flávia murmurou, enquanto se afastava e dava um gole na minha cerveja.
— Sabe que não sou assim — quis acrescentar que não sentia nada por ela, mas tinha certeza de que era algo que não precisava ser lembrado.
Cheguei um pouco mais cedo em casa. Eram três da manhã quando guardei o carro na garagem e joguei o sutiã de Flávia dentro do porta-malas. Era o quarto, talvez quinto sutiã que esqueciam naquele carro.
Se eu os devolvia? Depende.
Se eu tivesse planos de sair de novo com aquela garota, usava como pretexto para vê-la novamente. Do contrário, eles ficavam jogados dentro do carro até meu pai encontrar e me dar um sermão gigantesco que eu já tinha decorado eu repetia na minha mente todas as vezes que ele começava a falar.
Normalmente era a segunda opção. Poucas garotas me prendiam o suficiente para que eu quisesse vê-las mais uma vez. Quase todas eram iguais; faziam e falavam a mesma coisa. Não tinha muita novidade para ver.
Deitei no sofá, mas não por estar alcoolizado. Nem havia bebido tanto naquela noite, para minha surpresa. O maço acabara, e não me preocupei em comprar outro; era um vício mais controlado, se comparado à bebida. Fumava mais por esporte, do que de fato, por estar viciado na nicotina. Parecia lógico, na minha mente. Mas ao me ouvir dizendo, soa mais como um dependente tentando encontrar uma desculpa para alimentar seu vício.
Fitei o teto. Era maio, quase meio do ano. E desde janeiro, Lizza se mudara para a casa ao lado. Como ela não saía com frequência, era difícil vê-la. Pensei em puxar assunto algumas vezes; todos os dias desde que ela pisara naquele bairro. Mas me faltava coragem.
Lizza era bastante tímida. E tinha um jeito cativante demais que prendeu meus olhos assim que ela entrou em meu campo de visão. Aparentava ser meiga e carinhosa, comportada... Era bem delicada e era pequena. Bastante pequena. O que a tornava a coisinha mais amável e linda do mundo todo. Lizza era diferente de mim; provavelmente nunca saíra em um dia e voltara bêbada depois de uma semana. Ela passava uma imagem de pureza que me apavorava.
E aquela fora a primeira vez que uma garota me intimidou. Porque eu sabia que não era bom o suficiente para ela.
Quer dizer... não que eu tenha me importado em ser bom para as outras garotas. Mas Lizza merecia alguém melhor do que eu para ter ao lado.
Estava começando a ficar cheio daquele circo que eu montara: mentir para garotas para sair com outras; apostas sujas; beber e nem me preocupar em parar; estalar os dedos e ter alguém para dormir comigo. Cada vez que eu pensava em Lizza – e eu o fazia com uma frequência absurda até para mim – sentia uma vontade enorme de impressiona-la e ser uma pessoa melhor. Queria ter o vislumbre de como era poder retirar as camadas de quem ela era e descobrir sua essência por completo, seu aroma interior. Ela me intrigava a desvenda-la.
Quando pensava em Lizza, sentia vontade de ter alguém para abraçar durante a noite. Ela fazia brotar pensamentos e sensações em mim que nenhuma garota fazia, o que era esquisito, e me assustava. Não sabia administrar o que ela me fazia sentir.
Não a conheci no começo daquele ano. Por ironia do destino, Lizza se tornara minha vizinha.
4 anos atrás...
— Quem é aquela garota? — Perguntei a Marcela, curioso. Lizza estava sentada sozinha, com a cabeça baixa, enquanto suas amigas dançavam de modo frenético na pista de dança.
— É Lizza.
— É sua amiga? — Estava saindo com Marcela há algum tempo. Uma de suas amigas completava 15 anos naquela noite e ela me arrastou àquela festa quando eu queria estar em qualquer lugar que não fosse ali.
Até agora.
— A gente conversa — ela deu de ombros.
— Ela é sempre tão quieta assim? — Ali, de longe, Lizza chamou minha atenção. Tão meiga e comportada. Tão encantadora. Tão... diferente.
— É, ela é tímida. Quase não sai de casa. Por que tantas perguntas? Está interessado? — Marcela retrucou antes que eu tivesse chances de abrir a boca. — Tanto faz... Ninguém se interessaria por ela mesmo. Ninguém acha ela bonita.
Olhei-a, incrédulo. Lizza era linda. E embora minha vontade fosse levantar e sentar ao seu lado, e talvez até passar a noite ouvindo qualquer coisa que ela tivesse para me dizer, me contive. Ela não se interessaria por mim; eu estava saindo com sua amiga. Era só olhar para ela para perceber que ela não se encaixava no tipo que sai com um cara quase comprometido.
Acordei às dez da manhã com minha mãe falando ao telefone com alguém que eu não sabia quem era, e nem gostaria de saber. O sofá estava desconfortável àquela altura, mas no trajeto da sala para o quarto, decidi ficar acordado.Era bem provável que eu dormisse mais no sofá do que em minha própria cama.Lavei o rosto, e saí na varanda de casa. Lizza estava sentada na sombra da árvore posicionada em frente sua casa, encostada no tronco, de olhos fechados. Ainda com a roupa da noite anterior, abri o portão e me aproximei. Não sei te dizer de onde veio a coragem. Mas quando percebi, já havia falado.— Oi —
— Desculpa por não ter perguntado, Lizza. Eu deveria ter me informado antes de trazer coisas para você — disse, envergonhado. — O que você gosta de beber?— Não precisa se preocupar com isso — ela parecia irritada.— Mas eu quero saber — inclinei-me em sua direção. Queria poder pegar suas mãozinhas e aninha-las nas minhas. Mas me contive em apenas obser
Lizza gargalhou.— Claro que eu diria, bobão.— O que é tão engraçado?— Você pensar que eu faria isso com você — sorria por cima de algo que a feria, em uma tentativa desesperadora de não me alertar sobre seu possível, e visível, tormento.— Sei que você não é assim. Desculpa. É que... sei lá. Eu nem perguntei nada — corei, envergonhado. — Mas imagino que seja difícil encontrar alguém a sua a
Eu sabia que tinha trabalho no outro dia, e o toque de recolher já havia sido ultrapassado há muito. Mas não conseguia me separar de Lizza. Ainda mais naquele momento, quando as coisas estavam indo bem e ela parecia ter se desprendido do passado.Ou, pelo menos, começado.— Sabia que é a primeira vez que fico assim com uma garota? — Apertei sua mão na minha.— Assim como?— Sentado, só conversando. Sem tentar um beijo, nem nada. Não que eu não queira te beijar... porque eu quero muito. Desculpa
— Claro, Augusto. Claro que pode — e sorriu, me encorajando.— Você tem alguma noção das coisas que eu fazia, antes de você? Alguma ideia de como não sabe nada sobre mim?— Eu acho que posso imaginar. Por que está me perguntando isso?— Não acha que você merece alguém melhor? — Beijei sua bochecha de novo.— Não comece,
Beijei sua testa, aliviado. Era bom saber que Lizza confiava em mim.— Está se sentindo melhor? — Acariciei seus cabelos.— Um pouco. Obrigada — ela sorriu torto, e suspirou. — Tenho muito isso, desculpa. Tonturas e enjoos. O tempo todo.— Tudo bem, Lizza — sorri. — Depois de ajudar Cristina a guardar as compras, segui para encontrar Lizza.— Gosto da forma como trata sua mãe — Lizza se pronunciou, antes que eu dissesse oi.— Ah, é? — Ri pelo nariz. — Por quê?— Presto muita atenção em como os garotos tratam suas mães. É um espelho de como vão tratar suas namoradas. Sua mãe é a primeira mulher da sua vida, e a forma que a tratar sCapítulo 8
Lizza me ajudou a estender a toalha. Deixei o cobertor de canto, pois a temperatura ainda estava agradável; coloquei a cesta centralizada no pano quadriculado, e a mantive fechada. Ela ficou em silêncio o tempo todo, e estava me agoniando não saber o que se passava em sua mente.— Achei que você merecia uma vista privilegiada do pôr-do-sol — ajudei com que ela se sentasse, e ela me olhou com uma expressão que não consegui entender. Sorriu, fitando a mistura de cores que começava a contrastar com o azul do céu. — Trouxe algumas coisas que você gosta —