Capítulo 3

DAVINA

Perdi a noção do tempo que passei olhando para a porta, mas já fazia alguns minutos. Muitos minutos.

Enxuguei minhas lágrimas, peguei o bolo da Amber e fui até a casa do diabo.

O medo que normalmente sinto quando passo por homens armados que guardam o caminho até a casa de Blake não estava lá como sempre, meus sentidos estavam entorpecidos pelo que minha irmã acabara de fazer. Os doces que vovó fez já haviam sido entregues, junto com os cupcakes e salgados, então não precisei fazer mais de uma viagem. Porém, a pessoa que deveria me receber não estava lá e tive que pedir ajuda ao meu amigo de infância.

A última pessoa no mundo com quem eu queria conversar agora.

Você estava chorando.— Não era uma pergunta, mas neguei.

Tenho que ir. — disse assim que recebi o resto do dinheiro.

Eu conheço você, Davina— Timmy agarrou meu braço suavemente, mas com força suficiente para me fazer parar e olhar para ele.

Sua impressão.—Murmurei, já arrependido de ter pedido sua ajuda.

Duvido. Éramos amigos, lembra? Conheço cada parte de você.— Um dos rapazes que estava passando ouviu o último trecho da conversa, soltou risadas lascivas, assobios e brincadeiras. Fiquei com raiva e puxei meu braço, mandando tanto ele como o garoto que eu costumava gostar para o inferno.

Sem olhar para trás, deixei Timmy falando sozinho. Tenho merda suficiente na minha caminhonete para me preocupar com seus sentimentos hoje, quem sabe, nunca. Eu desço a ladeira correndo, quase tropeçando em meia dúzia de bolas de plástico espalhadas pelo chão, me equilibrando no último segundo.

Tem que ser a Davina.— rosna um dos meninos, acho que é o filho da senhora Sirilla, a caixa de supermercado onde  vovó compra a maioria de seus ingredientes. Lanço-lhe um olhar que deveria fazê-lo chorar e correr para casa, mas isso não acontece. Dane-se isso. Essas crianças estão todas cobertas de confiança e falta de pulso.

Ainda.— Digo um pouco antes de sapatear em cima das bolinhas e espalhá-las ainda mais.

Me agradeça depois.— Pisco para o segundo garoto e uma carranca se forma em seu rosto.

Eu estava ganhando!— ele protestou encolhendo os ombros.

Ops.

Eu fui.

Quando atravesso a porta da frente, mamãe se j**a em meus braços já com lágrimas nos olhos e quase perco o equilíbrio. Parte de mim quer fingir que não sei de nada, mas a outra parte, aquela que sempre vence, opta por enxugar as lágrimas da mulher que deu a vida e pedir desculpas.

Ela me dá um olhar confuso, no entanto. Ela passa as costas da mão pelas bochechas e balança a cabeça de um lado para o outro.

Do que você está falando, Davina? Por que esse pedido de desculpas?

Mamãe...

Olha o que eu achei!— o pai sai gritando lá de dentro, balança, braço levantado enquanto segura um envelope.— Sua filha estúpida teve coragem de deixar uma carta!— grita direto para a esposa.

Não fale assim sobre ela!— mamãe diz, ganhando um olhar de desaprovação do marido, que balança a cabeça com claro desagrado.

A filha é minha também, Christie.— Seu tom é tranquilo, mas tão amargo que deixa um gosto ruim na boca. Para um passo intervir, me posicionando entre eles sem que eles percebessem.— Embora eu não tenha conseguido criá-lo.— Papai fala, e sou o único que ouve a tristeza em suas palavras.

A última parte também foi dita com culpa.

Você sempre julgou minha garota.— ela declara com a voz embargada pelas lágrimas, o ressentimento transparecendo em cada palavra.

Afasto o sentimento ruim que quer dominar meu peito e solto um suspiro.

Pryia é adulta, Christie. Nosso erro dela foi dar tapinhas em sua cabeça quando ela precisava de correção.

Mamãe o ignora e pega o papel da mão dele antes que eu tenha chance de aliviar o clima descartando o envelope e desembrulhando a carta, ela sussurra as palavras com uma expressão que vai da esperança à dor muito rapidamente.

Mãe.— Tento me aproximar, tocando seu ombro com cautela. Seus últimos exames não mostraram nada de errado com sua saúde, mas após anos lutando contra o câncer, tudo que posso fazer é sentir medo de perdê-la.

Um reflexo da criança Davina

Querida.— ela toca meu rosto.— Sua irmã...— Eu não deixo isso acabar, passo meus braços em volta do pescoço dela e esfrego a palma da minha mão em suas costas.

Estou aqui.—Eu falo.

Pronunciando uma série de palavrões, papai entra e arranca o papel das mãos dela.

Um longo intervalo de tempo se passa enquanto ele lê as palavras de Pryia, na verdade, tenho a sensação de que ele está lendo, relendo e memorizando cada linha. Quando seus olhos encontram finalmente os meus, não há nada lá.

Sem raiva.

Sem dor de cabeça.

Qualquer coisa.

E isso só me preocupa mais.

Então papai libera uma risada malvada e rouca, descartando a carta sem dizer uma palavra.

Edmund!— minha mãe salta dos meus braços e se lança sobre ele antes que eu possa contê-la.

Não.— ele diz, os olhos fixos nos dela. — A partir de hoje só temos uma filha.

Sua declaração é como me afogar de novo, minha respiração sumiu e quase posso sentir meus pulmões se despedaçando.

Acontece que meus pés continuam no chão e ninguém virá em me socorro desta vez.

Aí o pior acontece, ele finalmente me vê.

Davina —Eu apenas fiz uma careta de volta.— Não me decepcione como sua irmã.

E assim, com apenas uma frase, meu pai derrotou todos os meus sonhos.

No entanto, ele sai antes que eu possa responder, deixando-me sozinho com mamãe e sua dor intensa.

Alguém começou a terceira guerra?— Vovó aparece ao meu lado, avaliando-a da cabeça aos pés.—Aposto que foram aqueles...

Mãã-eee! M-Minha filha foi embora.

Com o canto do olho, a vovó procura ajuda, mas no momento não consigo raciocinar para explicar a bagunça que sua neta mais velha fez e o quão profundamente ela arruinou minha vida.

Eu realmente sinto muito.— Eu sussurro antes de correr o mais rápido possível, melhor correr.

Corro até não conseguir ver a casa onde cresci.

Eu corro e fico de pé, toda dolorida.

Corro até cruzar o limite do bairro.

A Via Rose St sempre foi o limite por onde nós, pessoas sem tantos zeros em nossas contas bancárias, podíamos passar. Isso sempre foi um lembrete claro com todas as lojas de luxo e prédios sofisticados do outro lado, mas minha irmã e eu costumávamos quebrar as regras e nos misturar enquanto crescíamos, ríamos e fingíamos que pertencíamos a uma família rica.

Nunca funcionou.

Nossas roupas eram muito simples, sem marca e quase sempre amassadas.

Com o passar dos anos percebi que não poderia passar por um deles e parei de ir.

Minha irmã nunca fez isso, e eu cedi às suas ações mesquinhas, deixando-a continuar atuando e fingindo até perceber o quão distante ela estava de sua essência, de quem ela realmente era.

Agora ela se foi e eu mesmo terei que consertar todas as lacunas.

Como o casamento dos nossos pais.

Esfrego as mãos nas coxas, massageando os músculos enquanto aprecio o quão longe estou de casa e a ironia de correr direto para cá. Meus lábios estão secos devido ao esforço excessivo e não estou nem perto de aliviar a raiva que se acumula em meu peito.

Como ela pode?— grito, aproveitando o pouco movimento na praça bem equipada.

E o que ela fez?— Eu pulo para trás ao som da voz, esbarrando acidentalmente em seu dono.

Amado pai.—falo com a mão no peito.

O cara arqueia uma sobrancelha.

Você é religiosa?— questiona e bufa.

A religião é para os indecisos, eu tenho fé. Muita.— Eu falo, então percebo que acabei de me explicar para um estranho e paro. —Preciso ir.

Você não vai me responder?

Paro meus passos, olho por cima do ombro e espero.

O que ela fez?— ele repete, o tom interessado trazendo um estranho conforto.

Eu avalio o cara da cabeça aos pés, lenta e apreciativamente, até que ele pigarreia e cora. Seus olhos me lembram um dia chuvoso, cinzento e ameaçador, mas o resto é como o padrão ideal do príncipe do cinema. Que nojo.

Ela foi embora.— Declaro, e algo muda em sua expressão.

Quase como se estivesse satisfeito com a resposta.

Eu gostaria de ter essa escolha.— digamos, então se vira e vai embora.

Surpresa.

Surpresa.

Ele entra no prédio mais luxuoso.

Merda clichê.

Caminho até o banco de madeira mais próximo e sento de frente para o horizonte, quando o sol desaparece decido voltar para casa.

Má escolha. O tempo está tão ruim como sempre.

Mamãe ainda parece precisar de algo forte para se acalmar, e vovó parece dez anos mais velha. Porém, o único que me nota é papai, mas ele não parece melhor que elas, embora tente demonstrar o contrário e finja que não se importa.

No entanto, posso sentir sua alma quebrada na maneira como ele rapidamente evita meu olhar por muito tempo.

Ei.— toco o ombro dele com o meu. — Como ela está?

Viva.— é tudo o que ele diz antes de entregar o copo de água e o comprimido em minha mão e sair pela mesma porta por onde acabei de entrar. Não penso muito sobre a função da droga antes de direcioná-la para mamãe e observá-la beber.

— Minha cabeça dói.— ela reclama, encarando o vazio a sua frente e então vovó vai até a maleta que guardamos todos os remédios e tira uma caixa aberta.

Me dê isso.— vovó aponta para o copo meio cheio na mão de mamãe e eu entrego para ela.

Não é incrível?— mamãe pergunta quando vê dois comprimidos em sua mão. —Estes são fracos.— ela murmura, engolindo as duas pílulas redondas antes que eu possa protestar e fazer algo a respeito.

Quase dez minutos depois, mamãe ainda reclama de dor de cabeça e repete o nome de Pryia sem parar, enquanto vovó manda ela calar a boca.

Eu amava minha irmã, mas a odeio agora. Odeio o quão triste ela deixou mamãe.

No fundo, eu sabia que Pryia não era a única culpada pela infelicidade da nossa família. A culpa foi dele.

O fantasma.

O namorado que não queria assumi-la e a fez se sentir inferior. A raiva queimou em minhas veias com as batidas do meu coração, e eu sabia, de alguma forma, que ele era o culpado pela ruína da minha família.

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