Capítulo 4

GUTEMBERG (Fantasma)

Todo governo tem suas leis.

Todo crime tem um propósito.

Toda sociedade tem regras.

É pura lógica: estamos tão obcecados com a ideia de liberdade que não percebemos o óbvio. Ainda somos os mesmos. Acontece que é muito mais complexo. É fácil fingir que não há controle.

As leis do mundo do crime são simples, mas aqui há uma coroa espinhosa e ensanguentada, um cinto de munição debaixo da cabeça, e cada decisão é pensada para causar o menor impacto. Isso significa que as ordens do rei devem ser obedecidas.

Limpo a garganta, coçando a nuca, enquanto Timmy limpa sua pistola, como se a noite passada nunca tivesse existido.

— Você está bem? — ele pergunta, com um sorriso provocante nos lábios, feliz o suficiente para me fazer pensar quantas vezes ele já participou de torturas. Muitos, provavelmente. Para alguém como Timmy, nascido e criado na pobreza, os episódios de violência surgem naturalmente. Mas não para mim.

Tento não parecer que estou prestes a vomitar só de olhar para o sangue espalhado pelo sofá, porque isso me faria parecer fraco. Mas foda-se.

— Essa merda é nojenta. — digo, vendo um dos seguranças se sentar perto da poça de sangue e morder seu sanduíche, sem sequer fazer careta.

— Relaxa, cara. — Timmy diz, e eu semicerro os olhos na direção dele. Ele não tem nem dezoito anos, mas pelas tatuagens e músculos no corpo, poderia ser mais velho que eu.

— Estou bem. — respondo, traçando círculos com os dedos na minha calça jeans. Ele bufa, mas não diz mais nada. E eu agradeço mentalmente.

— O que você vai fazer com a Pryia? — pergunta o cara do sanduíche, ainda sentado perto da poça de sangue.

Eu faço uma careta.

— Não fale o nome dessa vadia. — rosno, cerrando os punhos, pronto para marcar o rosto do desgraçado.

Não me esqueci do trapaceiro desde que descobri a traição e estava indo resolver o problema quando Timmy me ligou, dizendo que o chefe precisava conversar.

Uma noite inteira de tortura! Eu não.

O idiota que decidiu vender a fórmula que criei para os mexicanos sem nossa autorização.

Claro, isso me leva a Pryia.

Todo mundo pensa que Blake comandava a colina, mas ele morreu há menos de dois anos e, desde então, o único na linha de frente é seu irmão mais novo, Huxley, ou como prefere ser chamado, Meia-Noite. O cara tinha dezessete anos quando viu seu irmão ser assassinado e depois teve que enterrá-lo sozinho. Não acredito que naquele momento ele teve a ousadia de ocupar o lugar do irmão, mas foi o que aconteceu.

— Ela foi embora. — Timmy diz, e minha atenção se volta para ele.

— O que você quer dizer? — pergunto, finalmente me sentindo capaz de me levantar sem vomitar.

— Qualquer coisa.

Estalo a língua e encolho os ombros.

— Não parecia nada disso há meio minuto.

Um som baixo e risonho sai da garganta dele.

— Essa boceta realmente mexeu com a sua cabeça, não foi?

A raiva explode nas minhas veias. Primeiro, porque ele está certo. Pryia sempre teve controle sobre mim, mas agora que descobri os chifres que ela preparou especialmente para minha cabeça, estou obcecado.

O cara do sanduíche, que já parece ter terminado sua refeição e quer muito me provocar, bufa e aponta para a porta.

— O quê!? — grito para ele.

— Todo mundo está te chamando de corno.

Abro e fecho a boca, estreitando os olhos na direção da porta.

— Merda!

Timmy começa a rir e caminha até meu lado, dando tapinhas amigáveis no meu ombro.

Vejo tudo vermelho.

— Quem está me chamando assim? — meus olhos não saem da porta por um segundo. A adrenalina de ter presenciado um assassinato pela primeira vez ainda percorre meu corpo.

— Cara... — Timmy começa, mas eu afasto o braço dele e olho para o cara do sanduíche.

— Quem diabos?! QUERO NOMES!

Ele me encara por alguns segundos, surpreso, antes de balançar a cabeça negativamente. Eu o agarro pela camisa e bato meu punho no estômago dele.

Alguém xinga ao fundo, mas estou tão concentrado que não ouço os protestos até que alguém me tira de cima do infeliz.

— Que porra é essa na porra da minha casa?! — piscando algumas vezes, foco no rosto jovem, mas marcado por cicatrizes, de Huxley, ou Meia-Noite. É difícil dissociar o rosto do nome quando você conhece a pessoa há tanto tempo.

— Ele me atacou, chefe! — diz o cara do sanduíche, e eu reviro os olhos. Ele não sabe que Meia-Noite é realmente o chefe, mas pensa que ele é apenas o segundo em comando.

— Fantasma está chateado porque a namorada dele saiu com um sugar daddy e o maluco, aqui. — Ele aponta para o cara do sanduíche.

— Gosta de brincar com fogo. — rosno. Porra! Ela me trocou por um velho? Sério?

— Eu acabei de dizer que todo mundo estava chamando ele de corno.

O cara do sanduíche parece irritado por Timmy não defendê-lo.

— Como eu disse, brincando com fogo. Ninguém chama traficante de corno, cara.

Levanto as sobrancelhas e inclino a cabeça na direção de Timmy.

— Eu já disse que não sou traficante. — falo.

Ele levanta as duas mãos, com uma expressão entediada.

— Só produz.

— Isso é completamente diferente. — eu pisco para ele.

— Cara, se você está tão chateado com os chifres, por que não se vinga? — é o cara do sanduíche falando de novo. Esse cara não para.

Passo a língua entre os lábios secos, percebendo que não sei há quanto tempo não bebo água, o que só me irrita mais. Tenho uma rotina rigorosa, inclusive com a quantidade de água que devo beber por dia.

— Eu adoraria arrastar aquela vadia por quilômetros, pelos cabelos, tirar toda a roupa e humilhá-la na frente da família, mas ela fugiu para outro país, então...

— E a irmã dela? — ele fala, e meus pés travam no caminho até a geladeira.

— Quem? — arqueio uma sobrancelha, mas antes que ele tenha chance de responder, Timmy enfia a arma na boca do infeliz e começa a cuspir ameaças.

— Não fale o nome dela, não olhe para ela, não pense nela, porra!

Justo quando penso que ele vai matar o desgraçado, Timmy relaxa e se vira lentamente para mim, com a arma ainda na mão.

— Davina não tem nada a ver com sua merda com Pryia, Fantasma. Deixe-a fora disso.

Davina.

O nome ecoa em minha mente. Primeiro, eu não sabia que Pryia tinha uma irmã adolescente, e segundo, o que eu faço com essa informação?

Ignorar a descoberta estava se tornando mais difícil, especialmente depois que Timmy praticamente declarou que possuía a garota como um homem das cavernas. Seu erro. Isso só aumentou minha curiosidade.

Esfrego o rosto com a palma da mão e abro a torneira, já se passaram mais de quarenta e oito horas desde que saí de casa, e tenho certeza de que meu celular foi bombardeado com mensagens e ligações da minha irmãzinha. Ela costuma não se importar quando estou fora, provavelmente o oposto disso, mas como recebi tantos sermões de Jimmy, decidi poupar meus ouvidos das reclamações de pai perfeito dele e mandar meu melhor amigo ser babá.

Não de graça.

Nunca de graça.

Mas como ele provou minhas receitas especiais, sou sua fonte particular de suprimento. Claro, nenhum de nós dois fala sobre minha função extracurricular, embora eu suspeite que ele tenha seus próprios segredos.

Tiro o celular do bolso e vou direto para o número de contato dele, acenando quando Meia-Noite passa por mim e acena.

— Você já vai? — ele pergunta, sem olhar para mim, pegando uma maçã da geladeira.

— Eu preciso verificar minha irmã. — justifico, encolhendo os ombros. Normalmente não fico mais de um dia no morro, embora tenha uma casa aqui também.

Ele franze a testa, fazendo uma careta.

— Irmã? — repete.

— Sim, você a conheceu naquela época. — faço uma careta. — Por alguns minutos.

Meia-Noite bufa, mordendo a maçã com raiva.

— Mas pra ela tentando me matar. — ele geme, soltando uma risada.

— Aquela era apenas uma garotinha se defendendo. — explico, embora ele não tenha pedido explicação e, francamente, ele não precisa. Morgana vive em uma bolha cor de diamante e pensou que sua casa havia sido invadida, então ela agiu impulsivamente e bateu a cabeça dele com uma panela? Problema. Fiquei orgulhoso. — Além disso, as pessoas tentam matá-lo todos os dias. — acrescento.

— Qualquer que seja. — diz ele, e o silêncio cai entre nós até que finalmente Vincent murmura do outro lado da linha.

— Que diabos! — pragueja, meio sonolento. — Que horas são? — olho para o relógio em meu pulso e assobio.

— Mais do que hora de acordar, Cinderela.

— Rapunzel. — olho para Meia-Noite.

— Como?

— A princesa certa é Rapunzel, não Cinderela. — falo, o tom quase condescendente.

Ele levanta o dedo médio e rosna meia dúzia de palavrões.

Meu sorriso se alarga.

— Onde você está, afinal? — Vincent retoma minha atenção. — É um dia e uma noite.

Suspiro.

Ele é meu melhor amigo, e odeio esconder essa parte da minha vida dele, mas a situação dele com a família é ainda mais complicada que a minha, e não preciso da atenção que sua presença exige.

— Houve um imprevisto. — Meia-Noite j**a a maçã meio comida no lixo e abre o armário, pegando uma jarra de leite e enchendo-a com água da torneira. Observo enquanto ele finge que não está prestando atenção na conversa. — Estou a caminho. — fecho a ligação, apoio o ombro na parede e espero ele começar a falar.

— Você ainda mantém essa parte da sua vida em segredo?

Vualá.

— Eu não deveria? — ele olha para mim por um segundo antes de decidir que não vale a pena e voltar a se concentrar na borra de café.

Reviro os olhos.

— O quê? — pergunto.

— Qualquer coisa.

— Cara, preciso encontrar meus pais e falar com minha irmã. Volto mais tarde.

— Eu preciso que você esteja aqui hoje. — diz ele, e eu olho para ele novamente.

— Por quê? — pergunto quando ele fica em silêncio novamente.

— Você saberá quando estiver aqui.

Passo a mão no rosto e aceno com a cabeça, porque sabia que não conseguiria manter os dois lados do meu mundo separados por muito mais tempo, mas achei que teria mais tempo.

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