DAVINAA praça estava deserta. Nem mesmo o som de uma brisa ousava romper o silêncio. As luzes amareladas dos postes projetavam sombras longas e inquietas, distorcendo o contorno dos bancos e das árvores esparsas. Meu coração batia como uma tempestade abafada. Olhei para ele com ódio. Fantasma. Esse apelido me vinha à mente com tanta naturalidade quanto o desprezo que eu sentia. Se Gutemberg tinha sumido com minha irmã, então agora eu sumiria com a paz dele.Me agachei, apertando o caco de vidro que tinha achado no chão mais cedo. Só um golpe no espelho retrovisor... só isso, eu repetia na cabeça. A ideia de destruir alguma coisa dele acendia uma fúria sombria que eu tentava controlar.Mas antes que pudesse agir, ouvi o som familiar da porta de um carro se abrindo. Ele desceu devagar, como quem já esperava por algo. Sua silhueta se destacou contra a luz do poste, alta e tranquila. Ele parecia sempre estar em controle, sempre um passo à frente, como se eu fosse a garota rebelde que ele
DAVINAO ambiente estava escuro e meus olhos demoraram para identificar onde eu estava, apenas com uma leve penumbra vinda da janela aberta, por onde a luz dos relâmpagos iluminava ocasionalmente o espaço, é que identifiquei o quarto de Timmy. A decoração simples, sem muita identidade, tendo apenas um banner na parede de algum filme de terror estranho, é diferente do seu quarto infantil, que era decorado por paredes com corações e desenhos infantis, já que ele dividia o espaço com sua irmã caçula. Olhei para o relógio na mesinha ao lado da cama, percebendo que dormi apenas por quarenta minutos.A camisa que ele me deu estava enrolada na minha cintura, eu também estava usando uma de suas cuecas,uma aquisição que eu mesma me ofereci de uma de suas gavetas. Puxei o tecido macio de sua camisa até o nariz e o cheiro dele me invadiu. Era uma sensação reconfortante, mas também perigosa. Eu me olhei no espelho do quarto por um momento, os cabelos ainda úmidos caindo nos ombros, e suspirei. O b
DAVINA— O que você está assistindo? —perguntei, sentando ao seu lado. Ele me deu um olhar de lado e empurrou a vasilha com pipoca para o meu colo, agarrei um punhado e enfiei tudo na boca.— Quieta, esta é melhor parte.Revirei os olhos,identificando o filme grotesco pela cena.O filme mal tinha começado e eu já sentia a tensão no ar. Halloween, um clássico que Timmy adorava, estava rodando na TV à minha frente. Eu fingia estar completamente tranquila, mas a verdade é que filmes de terror sempre me deixavam nervosa, especialmente esses que ele amava. Os sons agudos, a trilha sonora tensa... meu estômago embrulhava.Sentada ao seu lado no sofá, puxei o cobertor para mim, tentando esconder meu desconforto. Ele estava tão concentrado que mal piscava.— Você realmente ama essa coisa, né?— murmurei, dando um sorriso para aliviar o ambiente.Ele deu um sorriso torto sem desviar os olhos da tela.— Não tem nada como um clássico. Jason é imbatível.— Jason é de Sexta-Feira 13.— retruquei, ri
DAVINAO céu começava a clarear quando decidi sair. Não queria estar lá quando Timmy voltasse. Encarar aquele sorriso meio debochado, meio tímido, enquanto tentávamos ignorar o que aconteceu… não, eu não estava pronta para isso. Na verdade, eu estava tentando não pensar nisso, mas era inútil.Cada passo que eu dava parecia ecoar com lembranças do beijo. O gosto dele ainda estava na minha boca, e a sensação do toque… aquilo simplesmente não saía da minha cabeça. Era uma mistura de calor e caos que eu não sabia lidar. O jeito como ele segurou meu rosto, como seus dedos pareciam querer dizer o que as palavras não podiam.Respirei fundo, tentando me concentrar no som dos meus passos na calçada molhada. A chuva havia parado, e as ruas tinham aquele cheiro fresco de terra úmida. Mas tudo me trazia de volta para ele. O conforto que senti nos braços de Timmy era algo que nunca esperei. Não fazia sentido. Ele era meu melhor amigo – ou ao menos era isso que costumava ser.Agora, tudo parecia di
DAVINAA sala de aula parecia mais sufocante do que nunca. Cada segundo parecia arrastar-se, mas minha mente estava em outro lugar. Eu tentava me concentrar no som abafado da chuva do lado de fora, mas tudo o que conseguia era voltar para os problemas de casa. Meu pai, as dívidas, Timmy.. Era um peso que parecia me puxar para o fundo. A nossa família já estava devendo dinheiro para Gutemberg, meu pai realmente precisava cavar mais fundo e arrumar novos problemas?— Davina! — A voz firme de Tom cortou meus pensamentos.Levantei os olhos e o encarei, sem esconder o incômodo. Ele me olhava como se eu fosse um desafio pessoal que ele estava decidido a vencer.— Está aqui, ou prefere continuar vagando pela sua própria cabeça?Senti a sala inteira me observar. O calor subiu pelo meu rosto, mas a irritação foi mais forte.— Talvez se
DAVINADentro do carro de Aaron, com o rádio tocando alguma música pop que eu não reconhecia, tentei ignorar a pulsação na minha têmpora. Afinal, dias ruins acontecem, mas o meu parecia especialmente empenhado em não acabar.— Valeu por me tirar das garras daquele idiota. Foi estupidez ficar depois da aula para falar come — Eu disse, soltando o ar devagar, ainda lembrando do sorriso pretensioso de Tom.Aaron bufou, batendo os dedos no volante.— Você devia situar o cara. Ele é professor, uma denúncia e ele some do seu pé rapidinho.Virei a cabeça, arqueando uma sobrancelha.— Não vou estragar a vida de ninguém, Aaron. Além disso, uma aluna tendo um caso com um professor rico? Você sabe quem vai sair como vilã nessa história.— E daí? Eu posso dar um jeito nele. — O tom despreocupado me fez rir, mas sem vontade.— Ele já está assustado o suficiente, não acha? Não vou precisar de reforços.Aa
GUTEMBERGMeu apartamento estava quieto demais. A única coisa que quebrava o silêncio era o som das luzes da cidade entrando pelas janelas, iluminando o mármore branco e as linhas perfeitas da cozinha. Era o tipo de lugar que deveria fazer alguém se sentir no topo do mundo. Para mim, ultimamente, só parecia vazio. Minha irmã não estava. De novo. O quarto dela estava escuro quando passei por lá, e algo me dizia que ela tinha ido para a casa dos nossos pais. Isso me incomodava mais do que eu queria admitir. Não que eu pudesse culpá-la, eles podem ser persuasivos quando querem.— Vai me dizer o que diabos foi aquilo ontem à noite, ou eu vou precisar arrancar a verdade de você? — A voz de Vincent quebrou meus pensamentos.Ele estava encostado na bancada, com aquele ar casual que ele sempre carregava, mas os olhos... Os olhos azuis dele estavam
DAVINA— Davina, venha cá agora! Você não vai acreditar nisso! — A voz aguda da minha mãe ecoou pela casa assim que fechei a porta atrás de mim.Suspirei, largando minha mochila no canto. Minhas pernas ainda doíam da correria do dia, mas, pelo tom, sabia que não adiantava ignorá-la. Caminhei até a sala, onde minha mãe estava sentada no sofá, olhos brilhando enquanto mexia freneticamente no celular.— O que foi agora? — perguntei, cruzando os braços.Ela ergueu o celular, mostrando uma foto. Ou melhor, várias fotos. Pryia estava lá, vestindo um vestido justo que não parecia ser um dos que ela costumava ter. Ao lado dela, um homem mais velho, provavelmente uns quarenta, cabelo preto bem-arrumado e olhos verdes que reluziam mesmo na tela.— Olha isso, Davina! — disse minha mãe, com um sorri