Cristina
— O crime perfeito existe? — perguntei para Jeremy.
— Claro. Pílulas de cafeína sintetizada. Quinze gramas e ele terá um ataque cardíaco que parecerá ter sido causado por cocaína.
— Jeremy… Quero saber como sabe disso? —
Ele riu outra vez.
— Séries de investigação ensinam mais do que você pode imaginar.
— Eu devia assistir à alguma?
— Comece por CSI.
— Qual deles?
— Qualquer um. — Afastou-se novamente, quando outro homem se aproximou do balcão.
— Uma Red Beer — pediu ele, sentando-se no banco ao meu lado. — Boa noite — cumprimentou-me, curvando o canto da boca em um sorriso mal-intencionado.
Dei-o um pequeno sorriso e virei o corpo um pouco para a esquerda, tentando ignorá-lo. Sabia que em segundos ele começaria a puxar uma conversa a qual não estava nem um pouco interessada.
— Sou Logan.
Não o respondi. Somente o ignorei, tomando um gole da cerveja que já estava pela metade.
— Está sozinha aqui? — Puxou o seu banco para mais perto do meu.
— Não é da sua conta — disse firmemente, sem olhá-lo.
— Se acha boa demais para mim? — perguntou usando um tom áspero. Acho que ele se sentiu insultado.
Respirei fundo, contendo o desejo de mandá-lo para o inferno.
— Acho que a moça não está a fim de ser incomodada essa noite — falou Jeremy. — Talvez você fique mais à vontade em uma das mesas lá atrás. Que tal aquela perto da TV? Está passando o jogo de hoje — sugeriu, percebendo que ele estava sendo um grande inconveniente e que me perturbava.
— Valeu, mas estou melhor aqui.
Ele esticou a sua mão e tocou a minha coxa. Saltei para fora do banco, tomando um pouco de distância dele.
— Qual é o seu problema? Não me toca, porra! — falei alto, irada.
— Qual é o seu problema, vadia? — perguntou alto, colocando-se de pé e dando um passo para mais perto de mim.
— Já chega! A cerveja é por conta da casa. Fora daqui! — Exigiu Jeremy.
— Não, eu só saio daqui acompanhado. Vem comigo, docinho.
— Aí! — Alguém chamou a sua atenção, fazendo-o virar-se. E, então, pegando até mesmo eu de surpresa, um soco foi desferido contra o rosto dele, fazendo-o cair sentado no chão.
Rapidamente ele levantou-se pronto para uma briga, mas Jeremy já havia saído detrás do balcão, segurando um taco de beisebol na mão.
— Policiais frequentam esse bar. Ou vai embora por vontade própria, ou na companhia deles! — falou alto.
O homem sentiu-se intimidado, é claro. Pegou a sua jaqueta sobre o encosto do banco e cuspiu no chão, próximo dos pés do Jeremy, antes de sair xingando o bar e a todos nós.
— Você está bem? — Jeremy perguntou.
— Por que Nova Iorque é tão cheia de gente maluca?
Ele riu.
— É assim desde sempre. Acho que é a água desse lugar. — Voltou para junto das bebidas.
O homem solitário ainda estava parado perto de mim. O seu olhar agora estudava-me com astúcia e os ombros não estavam mais caídos.
— A sua mão está bem? — perguntei-lhe e ele assentiu. — Foi um belo soco. — Sorri.
— Ele merecia até mais de um.
— O que você está bebendo?
— Uísque.
— Posso te pagar uma dose em agradecimento?
— Eu já estava de saída.
Ele retirou a carteira do bolso traseiro da calça e colocou uma nota de vinte dólares sobre o balcão.
— Fique com o troco — disse para Jeremy.
— Obrigada. Muitas das vezes as pessoas só ficam olhando — eu disse.
— Muita das vezes sou o cara que soca. — Sorriu. Um sorriso lindo que transmitia certa inocência e divertimento, fazendo-me sorrir de volta.
— Tem certeza de que precisa ir?
Ele influo os ombros e inalou fundo o ar, prendendo-o no peito. Encarou a saída e depois o relógio na parede atrás do balcão. Já passava das dez. Então ele olhou para mim outra vez e soltou o ar devagar.
— Mais uma dose, Jeremy — disse ele, sentando-se onde antes estava o cara babaca.
Sentei-me de volta no banco, com as pernas viradas para ele. Jeremy colocou a dose à frente e piscou para mim, afastando-se.
— Sou Cristina. — Estendi a minha mão.
— Cillian.
Ele apertou a minha palma, permitindo-me sentir o seu calor e a maciez da sua pele. Demoramos alguns segundos a mais para soltar as mãos.
— Você está aqui há muito tempo? Geralmente, as pessoas que conheço nunca são daqui.
— Não. Estive fora nos últimos dez anos. Desembarquei na cidade há três dias.
— E onde você estava?
— Londres.
— Nunca estive lá. Está na minha lista de roteiros.
— Lista de roteiros? — perguntou um tanto curioso.
— Tenho uma viagem programa. Ainda não tem data, porque não tenho grana — ri —, mas o roteiro já está prontinho na minha cabeça e eu listei as cidades por prioridade.
— Por quê?
— Quero que a viagem dure três meses. É muito tempo, eu sei, e muita coisa pode acontecer. Por isso listei as cidades por ordem de prioridade. Caso algo aconteça e eu precise voltar mais cedo para casa, ao menos terei visitado os melhores lugares.
Ele riu.
— Uau! Isso é inteligente. Falta muito para conseguir realizar a viagem?
— Não. Só preciso conseguir um emprego melhor e quitar o meu crédito estudantil.
Cillian riu mais alto. A sua risada era um tanto grave e parecia tão macia quanto a sua pele. Os seus lábios eram bem desenhados, carnudos e rosados. A sua pele clara contrastava bem com os cabelos castanhos escuros e os olhos amendoados. A face não tinha a mandíbula tão marcada, o que tornava a sua aparência sedutora como as esculturas de Michelangelo.
— Adoro pessoas otimistas — disse ele.
— Você é muito bonito. — As palavras ecoaram da minha mente, saindo sorrateiramente pela minha boca, fazendo-o perder o sorriso e encarar-me sério.
O seu olhar desviou-se do meu e os ombros ficaram tensos outra vez. Claramente causei-o desconforto.
— Me desculpe. Eu só… Desculpe. — Senti-me sem graça.
— Mais uma cerveja, Cris?
— Não, Jeremy. Valeu.
Ele assentiu e retirou a minha caneca vazia.
— Vou ao banheiro. Com licença. — Levantei-me de pressa, sumindo pelo corredor. Parei em frente a porta do sanitária feminino e escorei na parede. — Eu não devia ter dito aquilo. — Sentia-me mal por tê-lo feito perder o sorriso. Sentia que havia acabado de estragar qualquer possibilidade de conseguir o telefone dele. Talvez ele não goste de garotas atiradas, ou de mulheres. — Fui atirada? — perguntei-me, entrando no banheiro.
CristinaParei diante do espelho e ajeitei a blusa. Passei as mãos delicadamente pelos cabelos presos em um coque alinhadinho e respirei fundo. Eu iria voltar lá, pedir desculpas, agradecer novamente pelo soco bem dado, pagar a conta e ir para casa. Ao sair do banheiro, Cillian estava ali, parado de frente a porta. Até me assustei um pouco ao vê-lo. — Me desculpe se fui atirada ou… — Não pude terminar a frase. Ele beijou-me, fazendo-me prender o ar nos pulmões com a surpresa. A sua mão esquerda laçou a minha cintura, enquanto a outra segurou a minha nuca com firmeza. A sua língua era quente e os lábios faziam um trabalho suave sobre os meus. Abracei-o tentando impedir que os segundos se acabassem. Parecia que tudo havia se encaixado tão bem. Nossos corpos… as línguas… Até a maneira sincronizada que respirávamos. Ele girou-me no espaço do corredor e prensou-me contra a parede. O beijo ficou mais feroz e um gemido escapou da minha boca. Cillian mordeu o meu lábio inferior e apertou
CristinaOs meus olhos abriram-se preguiçosos ao ser acordada pelo barulho alto que fazia a prensa do caminhão do lixo, parado em frente ao nosso prédio. Piscando lentamente algumas vezes, encarei o teto percebendo como o dia já estava claro. Gradualmente, fui tomando consciência do ambiente ao meu redor. O caminhou apitou lá fora e eu olhei para janela, confusa. Já era sábado? Sábado era o único dia que eu ouvia a coleta do lixo passar. Olhei para o relógio sobre a mesa de cabeceira e forcei as vistas sonolentas para enxergar o dia escrito logo abaixo das horas. — Quinta? Quinta-feira? — perguntei em um grito, saltando da cama, assustada e muito atrasada. Abri a porta do quarto e corri até a lavanderia. Na secadora, peguei uma calça jeans qualquer. Não tinha nem certeza se era mesmo minha. — Anna! Já são sete e meia, acorda! — gritei ao passar pelo corredor. — Merda! Merda! Merda! Eu estava completamente apavorada. Tinha exatamente meia hora para chegar à faculdade ou perderi
CristinaA aula parecia interminável. Foram quarenta e cinco minutos encarando o professor enquanto ele se esforçava ao máximo para não me olhar. Mas, às vezes, os nossos olhares se encontravam. E durante todo esse tempo, por algumas vezes, o meu complexo de inferioridade manifestou-se, fazendo me questionar se a culpa da sua fuga era minha. Fechando os olhos, respirei fundo. Não era mais uma garota me submetendo a machos escrotos, migalhas e relações tóxicas. Não podia permitir nem por um segundo esses pensamentos gerados pelas mágoas e traumas do passado. Eu era mais do que qualquer homem jamais poderia ver. Precisava lembrar-me disso. Quando a aula acabou, ele se despediu de todos de forma geral enquanto reunia as suas coisas rapidamente, colocando-as dentro de uma bolsa. Connor, o aluno auxiliar do senhor Roy, foi até a sua mesa. Eles apertaram as mãos e conversaram brevemente. — Vou para a biblioteca. Você vem? — perguntou Anna. — Vai na frente. Eu já vou indo. Ela olhou pa
CristinaEra nove e meia quando cheguei em casa. Havia um bilhete da Anna na porta da geladeira. A sua vez de ir às compras. Dormirei na casa do Ed. Até segunda. 09:33 PM Anna Abri a geladeira e não havia muito ali além de leite, maças e um pedaço de queijo que eu duvidava muito que fosse queijo azul. — Está bem, Anna. Estou indo ao mercado — conversei comigo mesma. No quarto, troquei a roupa do dia por uma calça de ginástica e camiseta da NYU. Calcei tênis de corrida, prendi os cabelos com o elástico e vesti um moletom antes do casaco de inverno. Com a bolsa pendurada no ombro, segui para o mercado a meia hora de casa. Ao chegar, entrei empurrando um grande carrinho de compras. Anna tinha uma lista específica de coisas que ela sempre me pedia para comprar. Ela já ficava salva no bloco de notas do celular. O carrinho já estava bem cheio e eu me questionava se conseguiria levar tudo isso a pé para casa. Entrei na sessão alcoólica, pensando em comprar um vinho que não tive
CristinaNa manhã seguinte, segui sozinha para a faculdade. Cheguei às sete e meia e sentei-me na biblioteca. O senhor Roy começava a fazer falta. Ele sempre aparecia por aqui essas horas e ajudava-me um pouco mais com a tese. Espalhei sobre a mesa as notações, abri o laptop, alguns livros e comecei a estudar. Um bloco com algumas folhas foi jogado à minha frente, fazendo um barulho alto e assustando-me. Olhei para elas e depois para o corpo que se escorava à mesa, ao meu lado. — O que é isso? — perguntei para Cillian. — Li a última versão da sua tese enviada ao Roy e fiz algumas observações. Transtorno de estresse pós-traumático é um bom tema. Mas existe muito argumento pessoal sendo exposto de maneira muito hostil. É bem claro que esse tema mexe com as suas emoções. Talvez você devesse considerar mudar. Ainda dá tempo. — Mas eu não quero! — O meu tom saiu um tanto rude. Ele encarou-me em silêncio por alguns segundos, observando-me com olhos estreitos. — Okay. Leia as anotaçõ
CristinaEstava em frente ao espelho aplicando o batom, quando o interfone tocou. Olhei as horas no celular e eram exatamente nove e meia. — Pontual — disse para mim mesma. Eu havia saído do trabalho às oito e quinze e mandado a mensagem para Bea. Ela disse que às nove e meia chegaria para me buscar. Apertei o botão no interfone para destravar a porta lá embaixo e depois o outro que me permitia falar e ser ouvido por quem quer que estivesse na entrada. — Pode subir — disse e voltei em seguida para o banheiro, finalizando o batom. A campainha tocou e caminhei até a porta, ajeitando os cabelos soltos. Ao abri-la, outra surpresa naquele dia. Não era a Bea. — Cillian? Ele ergueu a cabeça e os lábios se abriram com espanto. Os ombros ficaram tensos e o peito se encheu de ar. Os seus olhos piscaram lentamente, ao mesmo tempo que engoliu em seco. Ele parecia estar sem palavras e quase sem fôlego. — Nossa… — Foi a única coisa que saiu da sua boca em um sussurro. — O que faz aqui?
CristinaAcordei com o barulho irritante da prensa do caminhão de lixo. Tentei me levantar, mas a minha cabeça latejou. Eu nem sequer sabia que horas eram quando chegamos em casa. A última coisa que me lembro, foi de tirar os sapatos e subir sobre uma mesa com uma mulher que conheci naquela noite, para cantar Dancing Queen. Vagarosamente, levantei-me da cama e saí do quarto, arrastando-me pelas paredes do corredor. Bea estava na sala, sentada no chão, em frente a janela, meditando sob a luz do sol. Não a atrapalhei, apenas segui caminho até a cozinha e peguei um remédio para a dor de cabeça e um copo d’agua. — Aproveitou bem a noite — disse ela, enquanto começava se alongar. — Eu não me lembro de muita coisa após cantar sobre a mesa. — Dancing Queen? Sério? — Ela riu. — É a minha música favorita. Não consigo resistir. Aspirina? — ofereci. — Eu já tomei. — Vou fazer ovos com bacon. Quer? — Eca! Eu não como carne. — Desde quando? — Desde Bali. — Entendi. Então farei ovos e t
CristinaDeixei a sala às pressas com o celular na mão. Eu havia me esquecido completamente do feriado. Os meus pais me matariam se eu não estivesse em casa. De certa forma, devia isso a eles. Nem sequer pude visitá-los durante todo o verão devido ao trabalho. Liguei para a rodoviária rezando para que ainda tivesse passagem. Faltava uma semana. — Interestadual. Como posso ajudar? — Preciso de uma passagem para Bridgeport. — Certo. O próximo ônibus disponível saí às quatro, no dia vinte e quatro de novembro. — O quê? Não. Isso é depois do feriado. Preciso de uma passagem para antes da Ação de Graças! — Fui um tanto impaciente. — Eu lamento, mas não há mais assentos disponíveis. Todos os ônibus estão lotados. — Senhorita Reis… — Cillian chamou por mim, mas eu não olhei para ele. Apenas ergui o dedo indicador para que me desse um minuto. — Querida, você não entendeu. É um caso de vida ou morte. Preciso estar em casa para o feriado! — Você e o resto da população americana. Tenha