CristinaDeixei a sala às pressas com o celular na mão. Eu havia me esquecido completamente do feriado. Os meus pais me matariam se eu não estivesse em casa. De certa forma, devia isso a eles. Nem sequer pude visitá-los durante todo o verão devido ao trabalho. Liguei para a rodoviária rezando para que ainda tivesse passagem. Faltava uma semana. — Interestadual. Como posso ajudar? — Preciso de uma passagem para Bridgeport. — Certo. O próximo ônibus disponível saí às quatro, no dia vinte e quatro de novembro. — O quê? Não. Isso é depois do feriado. Preciso de uma passagem para antes da Ação de Graças! — Fui um tanto impaciente. — Eu lamento, mas não há mais assentos disponíveis. Todos os ônibus estão lotados. — Senhorita Reis… — Cillian chamou por mim, mas eu não olhei para ele. Apenas ergui o dedo indicador para que me desse um minuto. — Querida, você não entendeu. É um caso de vida ou morte. Preciso estar em casa para o feriado! — Você e o resto da população americana. Tenha
Separei a roupa que usaria no dia seguinte e guardei todas as outras. Depois de um banho quente e do jantar, deitei-me para dormir, mas estava ansiosa demais para isso. Apanhei o celular e nele havia uma mensagem de texto da Marisol. Ansiosa por amanhã. Estou com saudade 10:02 p.m. Marisol Também estou. Logo mais estarei aí. Como está o humor do papai? 10:04 p.m. Cris Por quê? Vai trazer alguém? Um namoradinho? 10:06 p.m. Marisol Um amigo! 10:06 p.m. Cris Ele ainda tem a faca de caça. Mas relaxe. Ele será bem-vindo. 10:07 p.m. Marisol Ri alto. Nosso pai sempre amolava a faca de caça na mesa de centro da sala, quando levávamos algum amigo em casa, ainda que não fosse sequer uma paquera. Boa noite, Sol. 10:08 p.m. Cris ***Quando o despertador tocou, eu já estava de pé, vestida, conferindo a roupa em frente ao espelho na porta do guarda-roupa. O meu coração batia acelerado. Eu estava nervosa, sentindo borboletas no estômago. Não porque iria ver os meus pais
CristinaEnquanto caminhávamos pelo passeio que levava até a casa, olhei para janela e vi dois rostinhos ali, com sorrisos travessos. Quando me viram aproximar, desapareceram rapidamente. Subimos os degraus da varanda e quando chegamos na porta, segurei a maçaneta e parei por alguns segundos. — Por que paramos? — Estou dando tempo para as minhas irmãs se esconderem. Elas fazem isso toda vez que venho para casa. Gostam de me dar susto. Ele riu. Abri a porta e entramos. — Cheguei! — anunciei, retirando o sobretudo. Pendurei-o no cabideiro da entrada e em seguida fiz o mesmo com casaco do Cillian. — Hija! — disse a minha mãe, vindo de braços abertos até mim. — Finalmente estás en casa. Abracei-a apertado e beijei o seu rosto. — Te extrañé mucho mamá. — Soltei-a. — Mama… Esse é o Cillian. Um amigo da faculdade. — Seja bem-vindo! Sou Rosalia — disse ela, sorridente, estendendo-lhe a mão. — Gracias por recibirme en tu casa — respondeu ele. Olhei-o um pouco surpresa por vê-lo fa
CristinaCillian parecia estar se divertindo. Às vezes, ele ria. E sempre conversava em espanhol com a minha mãe, que parecia estar gostando muito dele. Mas ela não era a única, ele ganhou até mesmo desenhos das gêmeas. Aprovou o churrasco e disse que aquele era o melhor que já comeu. De repente, começou a falar de basquete com o meu pai e John, o vizinho. Eles se entrosaram em uma conversa um tanto animada. — Estou começando a gostar dele — disse o meu pai para mim, em um tom divertido. — Posso falar com você? — Marisol sussurrou no meu ouvido Assenti com a cabeça e nós nos levantamos indo para dentro de casa. As gêmeas vieram logo atrás. — Está tudo bem? — perguntei quando chegamos na sala. — Preciso de camisinha. — O quê? — Arregalei os olhos com espanto. — Você transou? — perguntei alto. — Shhh. A mamãe não pode escutar. E não. Eu não transei. Ainda. — Você não falou com a mamãe? — Não. Ela já fez o discurso de me guardar até o casamento. Teria um infarte se dissesse e
CristinaAtravessei a sala e subi as escadas, indo direto para o último quarto no corredor. Cillian estava sentado sobre uma pequena poltrona rosa, enquanto as meninas apresentavam um teatrinho qualquer com os seus fantoches feitos à mão, atrás de um palco de papelão. — Meus parabéns. Você foi o premiado da vez para esse belíssimo show — disse para ele ao me aproximar. — Meninas, hora de descer. Tem chocolate quente. — Chocolate! — disse uma delas, saindo de trás do pequeno palco. As duas desceram correndo, fazendo muito barulho. — Vem. Cillian se levantou e parou diante de mim. Os seus olhos pararam nos meus e um passo para mais perto foi dado, deixando os nossos corpos a centímetros de distância. — Obrigado pelo convite. Está sendo um dia e tanto. — Jura que já não está com a cabeça doendo? Ele sorriu. — Gosto da agitação. A minha casa sempre foi quieta demais. O rosto dele começou a se aproximar do meu, lentamente. O meu coração acelerou e as minhas palmas suaram frias.
CristinaApós um ou dois minutos, soltei-o, enxugando o rosto. Ele acariciou as minhas bochechas com os polegares e olhou-me com firmeza. — Como o seu mentor, preciso dizer que, embora esteja fazendo um bom trabalho, a sua tese pode não ser bem quista e ter chances quase nulas de ser publicada. Mas como o seu… amigo, eu digo para você continuar com o que está fazendo. — Sorriu docemente. — Obrigada. Ter o apoio dele significava muito para mim. — Está pronta para descer? — perguntou. — Estou. De mãos dadas, fomos para a sala, mas logo que chegamos lá, soltei a sua mão. Sentei-me na poltrona e Cillian acomodou-se no canto do sofá, perto de mim. A minha mãe serviu bebidas quentes e biscoitos amanteigados. Ele amou, disse a ela que era os melhores que já havia comido. Rosalia ficou muito satisfeita com o elogio, é claro. Às seis, os vizinhos foram embora. Eu e a mamãe fomos para a cozinha preparar o jantar. Cillian ficou na sala, brincando de adivinhação com as meninas e o nosso p
CristinaNa cama, encarei o teto escuro esperando pelo sono que não vinha. Apanhei o celular sobre a mesinha entre as camas de solteiro e olhei as horas. Passava das dez e meia. Era difícil dormir sentindo o desejo queimar dentro de mim e saber que o motivo estava tão perto. Vagarosamente, levantei-me saindo do quarto. Pé por pé, desci os degraus. Aproximei do sofá e olhei para baixo. Cillian estava deitado e de olhos fechados. A sua respiração era lenta. Ela já havia dormido. Ainda na ponta dos pés, caminhei para a cozinha. Na geladeira, apanhei uma garrafa com água e servi um copo. Um pequeno susto me fez dar um pulinho quando uma mão tocou as minhas costas. — Você quase me matou de susto — disse para o Cillian. — Não consegue dormir? Neguei com a cabeça. — E você? Também negou em resposta. Ele se aproximou e repousou as mãos na minha cintura. Coloquei o copo sobre o balcão e deslizei as palmas por seus braços torneados, indo até o ombro. — O jeito que você me atrai é um
Cristina Na manhã seguinte, às sete horas, já estávamos na estrada. Eu ainda estava com sono, demorei muito para dormir. O meu corpo parecia não querer desligar. O caminho estava sendo feito em um silêncio confortável. Às vezes, nos entreolhávamos e sorriamos de um jeito… sei lá. Apaixonado? Cedo demais? — Por que você não dirige? Vi a licença na sua carteira aquela vez. Olhei para ele. — Na tarde após o enterro do Thomaz, os meus pais me pediram para levar as meninas para casa enquanto eles recebiam alguns cumprimentos no cemitério. Próximo de casa, eu parei no sinal vermelho e me distraí por alguns segundos. O carro de trás buzinou enfurecidamente, me assustando. Achei que era porque o sinal estivesse livre e acelerei o carro. Mas não estava. Um ônibus atravessou o cruzamento e pegou o meu carro em cheio. Capotamos três vezes. Por sorte, estávamos todas usando cinto de segurança. No hospital, eu fiquei na sala de espera com a Sol quanto as gêmeas eram atendidas. Os meus pais c