Cristina
Parei diante do espelho e ajeitei a blusa. Passei as mãos delicadamente pelos cabelos presos em um coque alinhadinho e respirei fundo. Eu iria voltar lá, pedir desculpas, agradecer novamente pelo soco bem dado, pagar a conta e ir para casa.
Ao sair do banheiro, Cillian estava ali, parado de frente a porta. Até me assustei um pouco ao vê-lo.
— Me desculpe se fui atirada ou… — Não pude terminar a frase. Ele beijou-me, fazendo-me prender o ar nos pulmões com a surpresa.
A sua mão esquerda laçou a minha cintura, enquanto a outra segurou a minha nuca com firmeza. A sua língua era quente e os lábios faziam um trabalho suave sobre os meus. Abracei-o tentando impedir que os segundos se acabassem. Parecia que tudo havia se encaixado tão bem. Nossos corpos… as línguas… Até a maneira sincronizada que respirávamos.
Ele girou-me no espaço do corredor e prensou-me contra a parede. O beijo ficou mais feroz e um gemido escapou da minha boca. Cillian mordeu o meu lábio inferior e apertou a sua mão na minha cintura. Os seus beijos desceram pelo meu pescoço, deixando-me excitada.
— Quer ir para outro lugar? — perguntei.
Ele parou um instante, ofegante, e passeou com os olhos pela minha face antes de encarar os meus.
— Eu adoraria.
Sorri satisfeita.
— Vou pagar a conta e pegar as minhas coisas. Te encontro na saída.
Selei os seus lábios e ele soltou-me, me permitindo ir.
— Jeremy… Quanto deu a conta?
— Hoje foi por conta da casa.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Obrigada.
Vesti o casaco e apanhei a minha bolsa. Mas quando olhei para trás, Cillian não estava na saída. Caminhei até o corredor e ele não estava ali também.
— Cadê o defensor dos pobres? — perguntei para Jeremy.
— Ele saiu enquanto você vestia o casaco.
Olhei novamente para a porta de vidro e ele nem mesmo parecia estar me esperando lá fora. Ele foi embora? Estava sem acreditar que havia feito isso.
Despedi-me do Jeremy e deixei o bar. Na calçada, olhei para um lado e depois para o outro. Observei o movimento do outro lado da rua, mas ele não estava ali também. Por um segundo, questionei a minha sanidade se aquele beijo havia mesmo acontecido. Mas, sim. Era real. O cheiro dele ainda estava na minha roupa e a sensação do seu aperto ainda era presente na minha cintura. Eu havia apenas ganhado um bolo. O pior da vida.
Negando a situação com a cabeça, segui o caminho de casa pela calçada, ainda sem crer no que aconteceu.
***
Ao passar pela porta de casa, Anna ainda estava acordada, sentada à mesa da copa, estudando.
— Está tudo bem? — perguntou.
— Fui até o Jeremy tomar uma cerveja e... uma coisa estranha aconteceu.
— O quê?
— Tinha um cara lá. Ele estava sozinho. Depois apareceu outro e começou a encher o meu saco, sendo um escroto do caralho. Então o cara solitário se levantou e socou o machista de merda.
— Uau! Que aventura para uma quarta à noite.
— E não acaba aí. O cara que me defendeu, se sentou comigo, bebemos um pouco juntos, conversamos e então falei que ele é bonito. Porque de fato é gato, mas aí ele pareceu desconfortável com isso.
— Sério? Geralmente os caras gostam disso.
— É. Pois é. Então fui ao banheiro e quando saí, ele estava na porta esperando por mim. A gente se beijou. Não um beijo, apenas. Um beijo que me fez gemer e molhar a calcinha.
Anna olhou para mim com uma feição empolgada. Ela largou os livros e afastou-se do laptop, me dando a sua total atenção.
— Vocês transaram no banheiro? — perguntou com olhos vibrantes.
— Não. Eu o chamei para dar o fora dali e ele aceitou. Então pedi que me esperasse na saída, mas ele simplesmente deu no pé enquanto eu estava distraída pegando as minhas coisas e despedindo-me do Jeremy.
— O quê? Que frustrante!
— Sim. Muito!
Caminhei até a geladeira, apanhando o resto da comida chinesa da noite anterior.
— Sinto muito.
— Por um segundo até questionei a minha sanidade.
— Ele com certeza é real, amiga. Te fez molhar a calcinha.
— Vou tomar um banho e depois dormirei para não ficar pensando tanto nesse bolo terrível. Boa noite!
— Vê se não vai passar a noite em claro, temos avaliação amanhã — disse ela enquanto me dirigia para o meu quarto no fim do corredor.
CristinaOs meus olhos abriram-se preguiçosos ao ser acordada pelo barulho alto que fazia a prensa do caminhão do lixo, parado em frente ao nosso prédio. Piscando lentamente algumas vezes, encarei o teto percebendo como o dia já estava claro. Gradualmente, fui tomando consciência do ambiente ao meu redor. O caminhou apitou lá fora e eu olhei para janela, confusa. Já era sábado? Sábado era o único dia que eu ouvia a coleta do lixo passar. Olhei para o relógio sobre a mesa de cabeceira e forcei as vistas sonolentas para enxergar o dia escrito logo abaixo das horas. — Quinta? Quinta-feira? — perguntei em um grito, saltando da cama, assustada e muito atrasada. Abri a porta do quarto e corri até a lavanderia. Na secadora, peguei uma calça jeans qualquer. Não tinha nem certeza se era mesmo minha. — Anna! Já são sete e meia, acorda! — gritei ao passar pelo corredor. — Merda! Merda! Merda! Eu estava completamente apavorada. Tinha exatamente meia hora para chegar à faculdade ou perderi
CristinaA aula parecia interminável. Foram quarenta e cinco minutos encarando o professor enquanto ele se esforçava ao máximo para não me olhar. Mas, às vezes, os nossos olhares se encontravam. E durante todo esse tempo, por algumas vezes, o meu complexo de inferioridade manifestou-se, fazendo me questionar se a culpa da sua fuga era minha. Fechando os olhos, respirei fundo. Não era mais uma garota me submetendo a machos escrotos, migalhas e relações tóxicas. Não podia permitir nem por um segundo esses pensamentos gerados pelas mágoas e traumas do passado. Eu era mais do que qualquer homem jamais poderia ver. Precisava lembrar-me disso. Quando a aula acabou, ele se despediu de todos de forma geral enquanto reunia as suas coisas rapidamente, colocando-as dentro de uma bolsa. Connor, o aluno auxiliar do senhor Roy, foi até a sua mesa. Eles apertaram as mãos e conversaram brevemente. — Vou para a biblioteca. Você vem? — perguntou Anna. — Vai na frente. Eu já vou indo. Ela olhou pa
CristinaEra nove e meia quando cheguei em casa. Havia um bilhete da Anna na porta da geladeira. A sua vez de ir às compras. Dormirei na casa do Ed. Até segunda. 09:33 PM Anna Abri a geladeira e não havia muito ali além de leite, maças e um pedaço de queijo que eu duvidava muito que fosse queijo azul. — Está bem, Anna. Estou indo ao mercado — conversei comigo mesma. No quarto, troquei a roupa do dia por uma calça de ginástica e camiseta da NYU. Calcei tênis de corrida, prendi os cabelos com o elástico e vesti um moletom antes do casaco de inverno. Com a bolsa pendurada no ombro, segui para o mercado a meia hora de casa. Ao chegar, entrei empurrando um grande carrinho de compras. Anna tinha uma lista específica de coisas que ela sempre me pedia para comprar. Ela já ficava salva no bloco de notas do celular. O carrinho já estava bem cheio e eu me questionava se conseguiria levar tudo isso a pé para casa. Entrei na sessão alcoólica, pensando em comprar um vinho que não tive
CristinaNa manhã seguinte, segui sozinha para a faculdade. Cheguei às sete e meia e sentei-me na biblioteca. O senhor Roy começava a fazer falta. Ele sempre aparecia por aqui essas horas e ajudava-me um pouco mais com a tese. Espalhei sobre a mesa as notações, abri o laptop, alguns livros e comecei a estudar. Um bloco com algumas folhas foi jogado à minha frente, fazendo um barulho alto e assustando-me. Olhei para elas e depois para o corpo que se escorava à mesa, ao meu lado. — O que é isso? — perguntei para Cillian. — Li a última versão da sua tese enviada ao Roy e fiz algumas observações. Transtorno de estresse pós-traumático é um bom tema. Mas existe muito argumento pessoal sendo exposto de maneira muito hostil. É bem claro que esse tema mexe com as suas emoções. Talvez você devesse considerar mudar. Ainda dá tempo. — Mas eu não quero! — O meu tom saiu um tanto rude. Ele encarou-me em silêncio por alguns segundos, observando-me com olhos estreitos. — Okay. Leia as anotaçõ
CristinaEstava em frente ao espelho aplicando o batom, quando o interfone tocou. Olhei as horas no celular e eram exatamente nove e meia. — Pontual — disse para mim mesma. Eu havia saído do trabalho às oito e quinze e mandado a mensagem para Bea. Ela disse que às nove e meia chegaria para me buscar. Apertei o botão no interfone para destravar a porta lá embaixo e depois o outro que me permitia falar e ser ouvido por quem quer que estivesse na entrada. — Pode subir — disse e voltei em seguida para o banheiro, finalizando o batom. A campainha tocou e caminhei até a porta, ajeitando os cabelos soltos. Ao abri-la, outra surpresa naquele dia. Não era a Bea. — Cillian? Ele ergueu a cabeça e os lábios se abriram com espanto. Os ombros ficaram tensos e o peito se encheu de ar. Os seus olhos piscaram lentamente, ao mesmo tempo que engoliu em seco. Ele parecia estar sem palavras e quase sem fôlego. — Nossa… — Foi a única coisa que saiu da sua boca em um sussurro. — O que faz aqui?
CristinaAcordei com o barulho irritante da prensa do caminhão de lixo. Tentei me levantar, mas a minha cabeça latejou. Eu nem sequer sabia que horas eram quando chegamos em casa. A última coisa que me lembro, foi de tirar os sapatos e subir sobre uma mesa com uma mulher que conheci naquela noite, para cantar Dancing Queen. Vagarosamente, levantei-me da cama e saí do quarto, arrastando-me pelas paredes do corredor. Bea estava na sala, sentada no chão, em frente a janela, meditando sob a luz do sol. Não a atrapalhei, apenas segui caminho até a cozinha e peguei um remédio para a dor de cabeça e um copo d’agua. — Aproveitou bem a noite — disse ela, enquanto começava se alongar. — Eu não me lembro de muita coisa após cantar sobre a mesa. — Dancing Queen? Sério? — Ela riu. — É a minha música favorita. Não consigo resistir. Aspirina? — ofereci. — Eu já tomei. — Vou fazer ovos com bacon. Quer? — Eca! Eu não como carne. — Desde quando? — Desde Bali. — Entendi. Então farei ovos e t
CristinaDeixei a sala às pressas com o celular na mão. Eu havia me esquecido completamente do feriado. Os meus pais me matariam se eu não estivesse em casa. De certa forma, devia isso a eles. Nem sequer pude visitá-los durante todo o verão devido ao trabalho. Liguei para a rodoviária rezando para que ainda tivesse passagem. Faltava uma semana. — Interestadual. Como posso ajudar? — Preciso de uma passagem para Bridgeport. — Certo. O próximo ônibus disponível saí às quatro, no dia vinte e quatro de novembro. — O quê? Não. Isso é depois do feriado. Preciso de uma passagem para antes da Ação de Graças! — Fui um tanto impaciente. — Eu lamento, mas não há mais assentos disponíveis. Todos os ônibus estão lotados. — Senhorita Reis… — Cillian chamou por mim, mas eu não olhei para ele. Apenas ergui o dedo indicador para que me desse um minuto. — Querida, você não entendeu. É um caso de vida ou morte. Preciso estar em casa para o feriado! — Você e o resto da população americana. Tenha
Separei a roupa que usaria no dia seguinte e guardei todas as outras. Depois de um banho quente e do jantar, deitei-me para dormir, mas estava ansiosa demais para isso. Apanhei o celular e nele havia uma mensagem de texto da Marisol. Ansiosa por amanhã. Estou com saudade 10:02 p.m. Marisol Também estou. Logo mais estarei aí. Como está o humor do papai? 10:04 p.m. Cris Por quê? Vai trazer alguém? Um namoradinho? 10:06 p.m. Marisol Um amigo! 10:06 p.m. Cris Ele ainda tem a faca de caça. Mas relaxe. Ele será bem-vindo. 10:07 p.m. Marisol Ri alto. Nosso pai sempre amolava a faca de caça na mesa de centro da sala, quando levávamos algum amigo em casa, ainda que não fosse sequer uma paquera. Boa noite, Sol. 10:08 p.m. Cris ***Quando o despertador tocou, eu já estava de pé, vestida, conferindo a roupa em frente ao espelho na porta do guarda-roupa. O meu coração batia acelerado. Eu estava nervosa, sentindo borboletas no estômago. Não porque iria ver os meus pais