Ainda chorando sozinha em sua estufa, Faith ouviu a voz de alguém a chamá-la. Sem demora, ela limpou as lágrimas e tentou disfarçar sua dor. Quem chamava era Thomas, um rapazinho de dezesseis anos que vivia sozinho desde que fugira de um orfanato em outra cidade, e tanto Faith quanto Lolla davam-lhe dinheiro para que ele fizesse pequenos serviços.
— Thomas, hoje não vou abrir a loja. Pode ir descansar, se quiser!
— Sra. Connor, sinto muito pela morte da D. Lolla. Ela era boa demais para mim — o rapazinho começou a chorar, e Faith teve certeza de que não suportaria aquela cena. Assim como ela, Thomas também já tivera perdas suficientes em sua vida, e ao invés de aquilo tudo se tornar mais fácil de suportar, ficava cada vez mais difícil. Conseguia enxergar em seus olhos que ele também se sentia exatamente daquela maneira.
— Ela era sim — respondeu, tentando se conter diante da emoção.
— Antes de morrer ela pediu que eu te entregasse isso — Thomas estendeu a mão para Faith. Nela ele segurava um envelope.
— Para mim?
— Sim, tenho mais duas comigo. Uma para Cailey, outra para Tatianna. Mas não posso entregar todas agora — ele disse com um ar muito sério, como se fosse uma missão muito importante.
— E por que não?
— Porque D. Lolla queria que eu entregasse em datas certas. E eu vou fazer exatamente como ela pediu.
Aquela era uma novidade e tanto. O que poderia ter acontecido de tão importante que Lolla não queria deixar de dizer para as netas? Ela era realmente sempre uma surpresa, e depois de morta se mostrara meticulosa também. Estipulara datas exatas para que Thomas distribuísse as cartas.
Mas por que tinha sido escolhida como primeira? Aquela era uma resposta que só descobriria depois que abrisse aquele envelope. Contudo, teria que controlar sua curiosidade um pouco mais. O garoto aguardava à sua frente, e ela sabia o que ele queria. Dentro de sua pequena estufa, ela mantinha uma escrivaninha que funcionava como seu escritório, afinal, era ela quem fazia sua própria contabilidade, quem tratava com fornecedores, quem negociava com clientes e outras coisas. Contava apenas com Thomas para as entregas e ninguém mais. Portanto, retirou dois dólares de dentro de uma gaveta dessa escrivaninha, dando em seguida ao rapaz. Feliz pela gorjeta, ele saiu, deixando Faith novamente sozinha.
Observava o envelope que tinha nas mãos e não sabia o que fazer. Na verdade, mal tinha coragem de abri-lo, pois sabia que seria ainda mais motivo de sofrimento. Imaginava que aquela carta poderia ser como uma despedida e, talvez, não suportasse as palavras bonitas de Lolla dizendo-lhe adeus.
Naquele envelope ela lia apenas: “Para minha doce Faith, para ser entregue em 24 de junho de 2010.”. Thomas realmente fizera seu trabalho, pois a carta chegara a seu destino exatamente na data marcada.
A caligrafia perfeita da avó já lhe doía no peito, e ela decidiu que não poderia fazer aquilo sozinha. Fechou, então, a loja, pegou seu carro e partiu para a casa onde as outras duas viviam.
Foi recebida calorosamente por Cailey, que a chamou para entrar e sentar um pouco. A mais nova ficou feliz em ver a irmã, pois tanto ela quanto Tatianna estavam preocupadas. Sabiam que no fundo, por mais que não demonstrasse, Faith estava sofrendo, e não queriam que ela passasse por tudo sozinha, afinal, se as três sempre foram tão unidas, o certo era que permanecessem unidas nas horas mais difíceis. As duas outras lhe ofereceram um café, mas ela não aceitou. Achava que seu estômago não aguentaria nada, nem se tentasse.
— Eu queria falar com vocês duas. — Percebendo que deveria ser algo muito importante, Cailey e Tatianna sentaram-se próximas à Faith, prestando atenção nela. — Thomas acabou de me entregar esta carta. É da vovó.
— Ela escreveu uma carta para nós? — indagou Tatianna, começando a se emocionar, acreditando, assim como a prima, que se tratava de alguma despedida arrebatadora.
— Esta aqui é apenas para mim — explicou.
— Por que vovó deixaria uma carta para você e não faria o mesmo por nós? — Cailey alterou-se. Era sempre a mais ciumenta, especialmente por se achar a mais rebelde das três. Sempre dera problemas na infância e pensava que seus pais preferiam Faith por ser estudiosa, responsável e obediente.
— Não se precipite, Cailey! Thomas disse que ela escreveu três cartas, mas estipulou prazos para serem entregues para cada uma de nós.
— Para quê tanto mistério?
— Não faço ideia e, exatamente por esse motivo, decidi que quero lê-la com vocês. Não sei como vou receber as coisas que estão escritas aqui, portanto, aqui estou eu — ela abriu o coração como há muito tempo não fazia, ficando em silêncio em seguida.
— Então leia logo! — incentivou Cailey, e Faith abriu o envelope. Prontamente começou a ler a carta em voz alta.
“Minha doce Faith,
Se você está lendo essa carta é porque eu já não estou mais entre vocês (eu via essa frase em filmes e livros e sempre quis usá-la.). Antes de mais nada, quero que saiba que, apesar da distância que se formou entre nós nos últimos meses, eu jamais deixei de amá-la com a mesma intensidade de antes. Lembro-me do dia em que você nasceu... um bebezinho lindo e desconfiado. E mesmo depois de vinte e oito anos, continua igualmente linda e desconfiada.
Sei que não acredita na história de que todas as DeWitt têm um dom, que não confia em minhas premonições porque eu não fui capaz de salvar a vida de Henry e de seu bebê, mas logo quando você nasceu, eu vi que um acidente mudaria sua vida para sempre. Mudaria também sua maneira de ver as coisas, sua fé em Deus e em qualquer tipo de magia. Passei anos inteiros tentando achar uma forma de reverter essa tragédia, pensei que saberia quando e como tudo iria acontecer para pelo menos tentar evitar, mas não fui capaz.
Porém, previ minha morte. Sabia que tinha pouco tempo para consertar as coisas que ficaram pela metade com a minha família, e você, Faith, por mais que negue, é a que mais precisa de ajuda. Pelo menos a princípio. Talvez, por esse motivo, o sonho que veio para ilustrar seu destino tenha vindo para mim primeiro. E ele foi tão constante, que por mais que você não acredite nesse tipo de coisa, peço que não deixe meu pedido para trás. Faça de conta que estará realizando meu último desejo para você.
Querida, não pense que suas flores não são parte de alguma magia. Você tem realmente o dom de compreendê-las, de ver além de suas pétalas e suas belezas. Eu tinha o dom de ver através das barreiras do tempo, e o que vi para você, virá para compensar todo o seu sofrimento, que sem dúvida não foi em vão. Entretanto, isso é tudo que posso afirmar por enquanto. Se eu falar mais, você irá interferir no curso das coisas, e nada acontecerá como está previsto.
Meu pedido para você é que deposite um buquê de Amarantos em minha sepultura no dia vinte e cinco de junho deste ano (se Thomas fez exatamente o que eu pedi, esse dia será amanhã). Desabafe comigo tudo o que precisar e passe algum tempo ali. Quero que pense em suas flores, em seus significados, e que mentalize que tudo na vida é passageiro, que a dor, por mais insuportável que possa parecer, sempre tem um fim e se transforma em aprendizado, em uma espécie de anti-corpos para que fiquemos mais e mais fortes. Até mesmo essa nossa separação é passageira. Algum dia voltaremos a nos encontrar, e você vai ver que sua vida valeu a pena.
Com amor,
Lolla.”
Quando Faith terminou de ler, estava tão emocionada quanto confusa. Chorava copiosamente acompanhada pelas outras duas, que também não conseguiram se conter. Nada do que sua avó lhe escrevera fazia muito sentido. Então ela já sabia que iria morrer e não contou para ninguém? Era bem típico de Lolla não querer preocupar as pessoas que amava. Bem, mas essa parte, apesar de extraordinária, era compreensível. O que não conseguiu entender foi o pedido que recebeu. Como aquilo tudo que Lolla pedira poderia alterar seu destino? — O que você vai fazer, Faith? Vai atender ao pedido? — Tatianna queria saber. — É claro que ela vai atender! — Cailey in
Rowan Allers mantinha um ritual em sua vida; todas as sextas-feiras ele colocava flores no túmulo da irmã. Ursulla as adorava enquanto viva, e ele queria que o lugar onde ela repousaria por toda a eternidade ficasse sempre belo, com um aspecto de vida e não de morte. Aquele era um compromisso que não deixara de cumprir desde que ela se fora, sete meses atrás. Ainda sofria com a morte prematura da única irmã. Apesar de serem de sexos diferentes e terem gostos e formas de pensar distintos, eram amigos inseparáveis. Sentia falta de chegar tarde do trabalho e ver que ela o estava esperando na sala, para falar sobre seu dia ou sobre um novo namorado. Sempre foram assim desde crianças e ainda seriam se ela não tivesse morrido. Nunca encontrara ninguém ali e, por serem
Faith passou a noite inteira pesquisando coisas sobre Ursulla Allers na internet e acabou dormindo com a cabeça debruçada sobre a mesa, mal percebendo a hora passar enquanto lia sobre a jovem. Alguns jornais mencionavam coisas sobre sua vida e concordavam que era uma boa moça, de uma família bastante proeminente. Ao ler tudo aquilo, Faith agradecia por não ser uma pessoa interessante para a mídia. Exatamente como Rowan dissera, eles transformaram toda a história em um circo e conseguiram perturbar uma alma que precisava de descanso. Acordara, portanto, com o telefone tocando ao seu lado, fazendo um barulho mais estridente do que o normal. Estava exausta e teria amaldiçoado quem ligava se não fosse Tatianna do outro lado da linha. — Prima? — Tatianna chamou, perceb
Voltou para casa com o céu já escuro e se deu conta de que nem percebera o tempo passando tão rápido. Era bom desligar-se do mundo por um tempo, deixando de se preocupar com todas as coisas que a afligiam. Costumava ser assim antigamente, quando tinha uma vida mais simples, sem complicações, cheia de sorrisos e notícias boas, vivendo apenas cercada por suas flores e pelas pessoas que amava. Não se dera conta do quanto aquelas coisas faziam falta até se sentir tão bem na companhia de amigos tão queridos. Porém, não contava em sair da casa dos Ruther e perder todo aquele clima de felicidade que reconquistara depois de tanto tempo. Assustou-se, portanto, quando chegou em casa e viu a irmã com uma expressão muito estranha, sentada à sua porta. Correu para ela, rezando para que não fosse nada grave
Depois que Cailey foi embora bem cedo no domingo, Faith ficou muito ansiosa, esperando pelo contato de Steve. Pelo menos com a irmã ali, ela se sentira distraída e se esquecera um pouco do caso. Mas ao se ver sozinha, não conseguia parar de pensar no rosto bonito de Rowan, tão cheio de dor e sofrimento. Queria ajudar. Claro que ele não era o único motivo pelo qual desejava descobrir alguma coisa. Era principalmente por causa do resto da família da moça e pela estranha ligação que sentira com ela. Nunca tivera uma “visão” com alguém que não conhecia e, por esse motivo, não poderia ter sido em vão. Porém, acabou passando o dia inteiro sem resposta e foi somente na segunda-feira que recebeu qualquer notícia de Steve. Ele apareceu em sua estufa bem cedo, com duas pastas nas mãos. Com certeza tivera um imenso trabalho para juntar todas aquelas informa&
A semana passou depressa, e ainda era bem cedo quando Faith despertou. Ela estava começando a tomar seu café-da-manhã, quando sentiu aquele odor especial do Amaranto e, outra vez, viu a imagem da sepultura de Ursulla Allers. Era mais um sinal de que havia mesmo alguma ligação entre elas. E não apenas isso, era como se suas flores quisessem que ela se intrometesse na história, que ajudasse a família Allers em sua dificuldade. Era como se precisasse fazer tudo aquilo por ela mesma, por algum motivo... Tentou encontrar uma maneira de conciliar sua sexta-feira de trabalho com uma breve ida ao cemitério; para isso, chamou Thomas e ofereceu-lhe dinheiro para que ele cuidasse da floricultura por algumas horas. Ele era um pouco atrapalhado, mas nada que pudesse lhe prejudicar. Assim
Faith passou o dia inteiro ansiosa para que aquela noite chegasse. Trabalhou, olhando a todo o momento para o relógio, contando os minutos, jurando que sua ansiedade não tinha nada a ver com o fato de que veria Rowan. E ele chegou tão pontualmente que ela mal acreditou. Ficou observando-o enquanto ele saltava de seu belo carro preto, em seu terno elegante, o mesmo que usara naquela manhã. Com certeza nem tivera tempo de passar em casa, mas quando se aproximou, Faith reparou que ele ainda estava muito cheiroso, com um leve aroma de madeira de algum perfume caro. Assim que ele pisou na floricultura, teve a estranha sensação de estar entrando em um lugar mágico. Era como se todas aquelas flores conversassem entre si e lhe desejassem boas vindas. Faith se encaixava perfeitamente naquele lugar,
Uma das primeiras coisas que Faith fez no dia seguinte foi tirar cópias dos relatórios policiais dos casos de assassinato de Ursulla e Trudy e mandou-os para Rowan por intermédio de Thomas. A princípio sua ideia era levar as pastas até ele, mas desistiu e pediu para o rapazinho fazê-lo, não querendo que ele pensasse que estava se oferecendo. Em seu íntimo queria vê-lo, mas seria melhor se o evitasse o máximo possível, pois a tentação era grande demais. Focou então em seu trabalho, tentando esquecer a noite anterior. Pelo menos seu dia estava cheio; precisava preparar uma decoração para uma festa de debutante e uma entrega de um enorme buquê de Camélias para um de seus fregueses mais especiais. Todos os meses ele mandava flores para a esposa, e Faith recordava-se exatamente do primeiro dia