Capítulo 3

Quando Faith terminou de ler, estava tão emocionada quanto confusa. Chorava copiosamente acompanhada pelas outras duas, que também não conseguiram se conter.

            Nada do que sua avó lhe escrevera fazia muito sentido. Então ela já sabia que iria morrer e não contou para ninguém? Era bem típico de Lolla não querer preocupar as pessoas que amava. Bem, mas essa parte, apesar de extraordinária, era compreensível. O que não conseguiu entender foi o pedido que recebeu. Como aquilo tudo que Lolla pedira poderia alterar seu destino?

            — O que você vai fazer, Faith? Vai atender ao pedido? — Tatianna queria saber.

            — É claro que ela vai atender! — Cailey interferiu, morrendo de ansiedade para saber do que se tratava o futuro de Faith.

            — Sim, vou atender, mas ainda não acredito que colocando uma flor no túmulo da vovó eu consiga mudar meu destino.

            — E por que não? É o chamado efeito borboleta; uma ação aparentemente simples pode modificar o curso das coisas — afirmou Tatianna, bebericando seu café.

            — Faith não acredita nessas coisas, Tatianna.

            — Por mais que não acredite, acho que ela deveria tentar. Vovó nunca errou em nenhuma premonição – aquela era uma frase que se ouvia constantemente. As coisas que Lolla previa realmente tinham a fama de serem infalíveis.

            — Eu tenho controle sobre minha vida e gosto de pensar dessa maneira. Não posso me dar ao luxo de acreditar que minha vida ficará perfeita de uma hora para outra por obra de uma mágica —cética, como sempre andava ultimamente, Faith insistiu em sua teoria.

            — Se você não tiver fé, seus sonhos não se realizarão.

            — Não há fé nenhuma que traga pessoas mortas de volta à vida — séria e convicta de que ter Henry novamente era a única coisa que a faria feliz, ela deu as costas para as duas e foi embora, levando a carta de Lolla consigo.

            Decidiu que não abriria mais a floricultura naquele dia. Não tinha nenhuma entrega marcada, e seus clientes saberiam sobreviver apenas um dia sem flores. Jamais fechara as portas durante a semana em plena tarde, pois adorava seu trabalho e fora ele que a sustentara quando acreditou que a vida não tinha mais sentido. Várias vezes, mais deprimida ainda do que estava ultimamente, ela se refugiara entre suas Rosas, Margaridas e Camélias, e achava um sentido para continuar vivendo, por mais que não encontrasse vontade para tal. Henry a ajudara a criar aquele espaço, ensinara a trabalhar com planilhas e a lidar com fornecedores. Auxiliara a esposa na divulgação do empreendimento e escolhera o nome “Jardins e sentimentos”, inspirado no tal dom que todos insistiam que ela tinha. Em pouco tempo, a floricultura tornara-se distribuidora de flores para casas de pessoas importantes, e várias vezes fizera a decoração de festas; tanto de casamentos quanto de debutantes.

            O diferencial de seu trabalho era que a própria loja era sua estufa, onde ela conseguia fazer com que seus clientes testemunhassem o nascimento e o desenvolvimento de cada flor. Eles tinham acesso aos mais variados tipos de espécies e podiam escolher à vontade. A maioria procurava Faith por seu conhecimento de todos aqueles tipos de flores e plantas; conhecimento esse que ela fazia questão de demonstrar e que era um grande atrativo para quem utilizava seus serviços.

            Sozinha em sua casa, que ficava ao lado do seu negócio, ela releu a carta. Tentou encontrar algo nas entrelinhas, mas não havia nada que conseguisse compreender. Lolla normalmente não era tão discreta ao falar, e isso a estava deixando mais desconfiada. Uma parte de si queria acreditar que poderia haver algum sentido naquela história, queria realmente que o pedido de Lolla lhe trouxesse alguma coisa boa que servisse de absolvição para sua dor, mas não conseguia imaginar nada que tivesse tamanho poder.

            Passou o dia inteiro em casa pensando no que deveria fazer, mas não conseguia encontrar nenhuma outra saída. Por mais que não acreditasse no que ela afirmara na carta, jamais teria coragem de negar um pedido feito por sua avó, especialmente depois de terem ficado afastadas por tanto tempo por uma estupidez que ela mesma cometera. Portanto, na manhã seguinte, ela foi até a estufa, colheu alguns ramos de Amarantos e improvisou um buquê, conforme Lolla pedira em sua carta. Talvez estivesse ficando louca por cumprir exatamente todo o ritual, mas, para todos os efeitos, estava apenas realizando um desejo da avó falecida.

            Partiu em seu carro até o cemitério e caminhou até a lápide. Uma vez que já estava lá, depositou o ramalhete sobre a sepultura e ficou ali por um tempo. Tentou mentalizar as coisas que ela pedira, mas, por um momento, permitiu-se ficar emocionada com o epitáfio que dizia: “Lolla DeWitt, amada por todos que a conheceram. Um ser humano raro.”. E ela era mesmo. Por mais que as coisas muitas vezes fossem difíceis, ela sabia ser forte e jamais perdera a fé e a esperança. Sofrera com a morte da filha mais velha, mãe de Faith e Cailey, e depois com o desaparecimento de sua outra filha, mãe de Tatianna. Ainda assim, embriagada com tantas lembranças tristes, ela soube cuidar das três netas, não apenas com responsabilidade, mas com carinho e amor.

            Enquanto observava aquela tumba, arrependia-se de ter se afastado. Tinha apenas doze anos quando a mãe falecera, por causa de uma parada cardíaca, e o pai partiu logo depois. Não suportara a perda da esposa e cometera suicídio, sem nem pensar nas filhas. Por conta disso, Lolla acolheu as netas sem hesitar, e Faith sentia-se uma ingrata por não ter sabido retribuir aquele amor. Pelo contrário, ela culpara secretamente a avó, e, de acordo com sua carta, Lolla percebera tudo aquilo. E com certeza sofrera sem nem poder se defender.

            Depois de chorar arrependida, ela começou a tentar atender ao segundo pedido. Fechou os olhos e visualizou suas flores em sua mente. Enxergou sua estufa, seu maior motivo de orgulho, e, curiosamente, a primeira flor que viu foi o Amaranto. Tentou procurar alguma outra espécie, mas era como se, em seu inconsciente, a única flor que plantava fosse aquela. Logo depois, sua mente focou mais uma vez o cemitério. Conseguia imaginar-se caminhando desde a tumba de sua avó até outra lápide. Por mais que tentasse transportar seus pensamentos de volta à estufa, não conseguia. Até que, em sua visão, parou diante da sepultura de alguém chamado Ursulla Allers.

            Abriu os olhos, tentando se desvencilhar daquelas estranhas imagens e teve a mesma sensação que tinha sempre que achava que deveria presentear alguém com algum tipo de flor específico. Primeiro visualizava a planta, como se fosse a única em seu jardim, e depois imaginava o rosto da pessoa a quem deveria entregá-la. Há muito tempo a sensação não era tão forte, porém, ela não conhecia ninguém com aquele nome e, pelo que vira, a pessoa estava morta. O que nunca havia acontecido antes.

            Dividida entre a vontade de ir embora e a curiosidade em saber se existia aquela lápide, Faith decidiu seguir sua intuição e fez exatamente o que acontecera em sua visão, ou qualquer nome que aquilo tivesse. Pegou um dos ramos que colocara no túmulo da avó e levou para Ursulla Allers. Foi uma surpresa imensa quando constatou que aquela moça de fato existira e estava sepultada naquele cemitério, exatamente onde ela imaginara.

            Com o mesmo cuidado que tivera para a avó, ela colocou o Amaranto ali e fitou o que estava escrito como mensagem póstuma: “Amada Ursulla, querida filha e irmã.” Não conseguiu deixar de reparar que ela morrera uma semana depois de Henry. Era também uma perda recente e não foi difícil imaginar que as pessoas ainda deviam sofrer e sentir sua falta. Estava começando a achar que era louca por permanecer tanto tempo ali, diante da sepultura de alguém que nem conhecia, porém, não conseguiu evitar imaginar como ela seria. Era jovem, tinha apenas trinta anos, uma vida inteira pela frente. Com certeza tinha sonhos, esperanças e metas. Talvez fosse bonita, inteligente e sensível, uma daquelas almas boas que o mundo não deveria perder.

            Ainda estava pensando na desconhecida Ursulla, quando ouviu uma poderosa voz masculina chamar. Fosse quem fosse não sabia seu nome, mas parecia um pouco revoltado, e ela não sabia com o quê.

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