Capítulo 1

Amaranto

"O Amaranto é a flor que simboliza a imortalidade ou a vida eterna. É a flor do cemitério, pois nunca morre."

            Na verdade tudo começou com uma morte. Lolla DeWitt partiu em um sono tranquilo, sem dores nem sofrimento, exatamente como merecia. Sua doença, o câncer, nunca a impedira de nada, seus últimos anos de vida foram bem vividos, e ela soubera aproveitá-los. Tanto que seu velório estava cheio de pessoas que a amavam, admiravam, e outras até que mal a conheciam, mas que já tinham ouvido falar de sua habilidade pouco comum.

            Desde menina sonhava com coisas e elas aconteciam. Por esse motivo, salvou vidas e destinos, deu bons conselhos e ajudou muita gente, não importando se algum dia receberia algo em troca.

            Durante o velório, Cailey e Tatianna confortaram-se mutuamente, perdidas em um pranto incontrolável. A avó era o pilar que sustentava aquela família, que as guiava para a direção certa. Ambas não conseguiam compreender por que ela fizera tanto bem para tantos desconhecidos, aconselhara várias pessoas sobre suas vidas, mas deixara as três sem rumo, cada uma com seu problema. Não era típico de Lolla esquecer alguém, muito menos suas netas adoradas.

            Enquanto lamentavam a perda da querida avó, observavam Faith, sempre solitária e pensativa. Antes da tragédia que se abatera sobre sua vida, elas eram tão unidas, tão próximas, com uma ligação quase sobrenatural; porém, a mais velha das três se fechara em seu mundinho particular e não compartilhava sua dor nem suas angústias com ninguém. Nem mesmo com a morte de Lolla ela conseguia derramar suas lágrimas na frente de outras pessoas. Bela e sóbria, Faith era sempre muito equilibrada e elegante, com sua face triste, seus modos impecáveis e o temperamento sereno. Entretanto, apenas Cailey e Tatianna sabiam que aquilo tudo era uma fachada, arquitetada para esconder sua alma despedaçada. Apenas elas sabiam que seria em sua casa, sozinha, que ela iria chorar e sofrer pela saudade que sentiria da avó.

            As duas apenas se olharam e concordaram silenciosamente que deveriam se aproximar da terceira DeWitt. A princípio, Faith praguejou, pois queria ficar sozinha. Depois de tantas tristezas, já não sabia mais como lidar com a compaixão das pessoas; lembrava dos olhares dos outros e quase podia ler seus pensamentos sobre ela ser jovem e bonita e não merecer tantos castigos da vida. Contudo, apesar da frieza que sua expressão demonstrava, amava sua irmã e sua prima e não podia ser tão egoísta ao ponto de pensar que ela era a única que sentia dificuldade em aceitar a morte de Lolla. As outras também precisavam dela.

            — Olá, Faith! Você está bem? — Tatianna indagou quando finalmente se aproximaram. A mais velha era a única que morava sozinha, por isso, não faziam ideia de como a notícia fora recebida.

            — Estou — tentou parecer o mais calma possível, mas não pôde evitar um comentário mais pessoal. – Ela vai fazer muita falta.

            — Para todas nós... — Cailey, sempre mais carente do que as outras, colocou-se no meio delas e passou os braços ao redor de suas cinturas. Tatianna correspondeu imediatamente ao carinho da prima, mas Faith se manteve relutante. Aquele tipo de demonstração de amor era capaz de derrubar suas barreiras, e ela ainda não se sentia preparada para isso.

            Enquanto o sacerdote falava, Faith queria apenas ir embora. Se para as outras era difícil, para ela era como se lhe arrancassem, ou tentassem arrancar, um coração que não possuía mais. Lidar com a morte já não era novidade, era como se fizesse parte da sua vida, especialmente nos últimos tempos. Era uma inimiga poderosa, impossível de combater.

            Tudo pareceu acontecer mais devagar do que o normal, e quando o caixão de Lolla foi finalmente fechado, colocado em sua cova e coberto por terra, as três puderam ir para suas casas. Cailey e Tatianna ainda moravam na casa que pertencera à sua avó, que traduzia perfeitamente sua personalidade doce, organizada, sensível e um tanto quanto esotérica. Cristais, anjos e outros artigos do mesmo gênero ficavam espalhados por todos os cantos e davam um ar de tranquilidade e beleza ao local. Faith, por sua vez, morava sozinha. Tinha sua residência, seu negócio e sua solidão.

            E foi exatamente para sua floricultura que ela foi, em busca de suas flores, suas melhores amigas e companheiras. Enquanto caminhava em direção à sua estufa, soltava o belo cabelo castanho, impecavelmente preso em um coque. Depois sentou-se em um banquinho, num canto escondido de seu refúgio. Tentou se segurar o máximo que pôde, até que, olhando para o céu, desabou a chorar compulsivamente. Apoiou os cotovelos nos joelhos e escondeu os olhos com as mãos. Pensava que não havia restado mais nenhuma lágrima, pensava que não haveria mais sofrimento do que já tinha presenciado, que poderia apenas existir, quase vegetar, até que também chegasse sua hora, mas estava enganada.

            Há sete meses, Faith sofrera um acidente. Ela e o marido voltavam de uma festa onde ele ficara completamente embriagado, e ela decidiu que seria melhor que assumisse o volante por não ter ingerido nada alcoólico. Sem saber como, dormira dirigindo e, quando despertara, vira-se em um hospital onde lhe disseram que o carro tinha caído de uma ribanceira direto para o mar. Ela conseguiu ser resgatada, mas seu marido foi dado como morto, e seu corpo considerado perdido. Desde que tudo aconteceu, ela insistiu em procurar por ele. Tinha esperança de que tivesse conseguido sobreviver, mas a polícia o deixou para trás, e sua família improvisou um funeral, alegando que Henry precisava descansar. Sem ajuda nem incentivo, ela também acabou rareando as buscas, fechando seu coração. Culpava-se pela morte dele e o mesmo faziam todos, menos Lolla, Cailey e Tatianna. Ela não achava justo que seu marido tivesse morrido e que, além disso, tivesse perdido o bebê que estava esperando, pois ser mãe era seu maior sonho. Perdera Henry e também a criança que gerava, seu primeiro filho, talvez o único, uma vez que ela não pretendia se apaixonar novamente nem se envolver com homem algum. Seu plano era cuidar de sua família e de sua floricultura.

            Faith não era uma floricultora qualquer. Ela conhecia cada flor, o significado de cada espécie, e não apenas isso, era conhecida onde morava por escolher as flores certas e presentear amigos e clientes no momento em que eles mais precisavam. Lolla dizia que era um dom, que ela adivinhava o problema das pessoas e as ajudava de uma forma como não conseguia ajudar a si mesma.

            Apesar de ter presenciado vários sonhos da avó se tornarem reais, ela não acreditava na história de que todas as mulheres da família DeWitt possuíam uma habilidade especial. Sua mãe afirmava que conseguia ler mentes, mas nunca ninguém conseguira ter certeza, pois era uma mulher muito brincalhona. Sua irmã gêmea, mãe de Tatianna, dizia ser capaz de fazer mágicas enquanto cozinhava, mas também nunca foi comprovado, apesar de ela ser uma excelente gourmet.

            Certa vez, após acordar de um de seus sonhos premonitórios, Lolla afirmou para Faith que suas flores a levariam ao grande amor de sua vida, mas ela estava errada, é claro! Henry fora o homem de sua vida, porém, ela o conhecera na faculdade, onde cursara Biologia, e ele, Medicina. Tudo bem que, pelo menos, sua avó acertara em cheio sobre ela tirar seu sustento daquilo que mais amava.

            De fato, Faith odiava aquela história de dons. As pessoas acreditavam que sua intimidade com as flores provinha de alguma força sobrenatural, então, quando tinham algum problema esperavam algo dela. Esperavam que ela lhes presenteasse com uma Tulipa amarela para que se reconciliassem com namorados depois do término de alguma relação, ou quando uma mulher desejava muito engravidar, praticamente implorava que Faith lhe enviasse uma Helicônia, a flor da fertilidade. Várias vezes já deixara amigos magoados por não conseguir atender algum desejo. Porém, o que as pessoas não sabiam era que os presentes tinham que ser espontâneos para que a suposta “magia” desse certo. Ela apenas pensava na pessoa, na flor e tinha a ideia. Costumava ficar feliz quando alguém conseguia o que queria através de seu jardim. Contudo, quando Henry morreu, aquelas “premonições” desapareceram quase por completo.

            Com a morte de Henry, Faith se afastara da avó. Silenciosamente, achava que se houvesse mesmo um poder de prever o futuro, Lolla deveria ter visto o acidente e salvado a vida de seu marido e de seu bebê. Era esse o principal motivo de ela não acreditar em magia, em habilidade especial, apesar de saber que o que compartilhava com as flores de seu jardim não era nem de longe algo natural. Era como se elas possuíssem vozes, como se pensassem, lhe transmitissem ideias, sentimentos. E não havia nada como aquilo. Lolla costumava brincar que se essa ligação não era magia, o que mais poderia ser?

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