A vista dos prédios altos em Manhattan do outro lado do rio East chamava minha atenção. Tentava focar na reunião que acontecia dentro da sala, mas meus pensamentos estavam longe.
– Jessie?Ouvi meu nome sendo chamado e olhei para o rosto curioso de Ted.
– Sim. – respondi pigarreando e ele sorriu.– Parecia estar longe querida.– Só divagando um pouco.– Certo, nós discutíamos sobre o tema para a edição de terça, você tem alguma ideia?O celular de Savannah, uma das repórteres, vibrou em cima da mesa e eu tive uma inspiração naquele momento.
– E se nós fizermos uma matéria sobre o impacto dos aplicativos de celular na vida da mulher moderna?Vi o olhar de Ted brilhar, mas como sempre, ele gostava de rodear a vítima como se fosse um predador à espreita.
– Interessante, conte-me mais senhorita Marshall.– Nossa vida hoje em dia, gira praticamente o tempo todo em torno disso aqui. – falei balançando meu celular. – Nós acordamos com ele, comemos olhando pra ele, usamos pra relaxar, e além da principal função que é falar com alguém que está longe no momento, usamos também para monitorar a quantidade que bebemos de água durante o dia e o intervalo apropriado para fazer isso, usamos para contar nossos passos diários, controlar nosso ciclo menstrual. Nós somos dependentes dessa pequena caixinha metálica.Vi os sorrisos de aprovação naqueles rostos ao redor da mesa.
– Essa é a minha garota. – Ted disse empolgado. – Quero você fazendo essa reportagem, vai ser a capa da edição, acho que podemos também entrevistar mulheres sobre isso, perguntar se elas usam esses aplicativos, quais usam, qual o impacto na sua vida depois que passaram a usar.– Eu estava pensando justamente nisso. – comentei e ele sorriu mais ainda.– Isso se chama sincronia garota, Nora você faz as entrevistas e ajuda a Jessie no que ela precisar.– Certo chefe. – a garota sorriu confiante, feliz por estar tendo uma excelente oportunidade.– Ok pessoal, a reunião acabou, dispensados, ótimo fim de semana e vejo todos aqui na segunda feira.Ted saiu da sala acompanhado pelo seu séquito de bajuladores e eu dei graças aos céus por estar finalmente livre. Juntei meu material e peguei meu celular vendo que tinham algumas mensagens.
– Jessie?– Sim.Virei-me vendo uma Nora tímida e completamente acanhada, ela era nova na editora e não conversava com quase ninguém.
– Eu... Eu só queria dizer que estou a sua disposição, para o que precisar.– Que ótimo, façamos o seguinte. – ela me observava concentrada. – Elabore algumas perguntas para entrevistar as mulheres e depois me mande por mensagem, eu vou avaliar se estão boas.– Claro! Faço sim.– Ótimo, anota meu telefone.Depois de conversar com Nora, fui para a minha sala pegar as minhas coisas, neste momento eu só queria chegar em casa e tomar um relaxante banho quente.
Alguém bateu na porta e eu ergui o olhar vendo Grey parado me olhando. Tentei não gemer de frustração e forcei um sorriso.
– Oi.– E aí, vai fazer alguma coisa hoje?Ele sempre vinha com as mesmas cantadas sem graça e a conversinha furada.
– Vou direto pra casa. – respondi enquanto jogava o necessário dentro da bolsa e pegava meu notebook.– Ah é, eu nem te perguntei, como vai à casa nova?Olhei pra cara dele com vontade de mandá-lo sumir da minha frente. Faz uma semana que eu me mudei e hoje que ele veio perguntar, sem dúvida deve ter levado um fora da secretária e veio jogar charme pra mim.
– Vai bem obrigada.Saí da sala torcendo pra ele não vir atrás de mim, mas não tive muita sorte.
– Eu ouvi alguém comentar que fica no Queens, verdade? – Sim.Parei em frente ao elevador e apertei várias vezes como se isso de algum modo pudesse fazer ele chegar mais rápido e me livrar daquele chato. Mais pessoas pararam esperando e Grey continuava tagarelando no meu ouvido, que o Queens isso, o Queens aquilo, e eu contando até dez pra não perder o restinho de paciência.
Suspirei aliviada quando as portas de metal se abriram e entrei primeiro indo para o fundo. Dei um tchauzinho para ele que fez um gesto pedindo para eu ligar, vai sonhando amigo.
O elevador parou em todos os andares até chegar ao subsolo e eu saí revirando minha bolsa procurando a chave do carro, maldita mania de já não sair com ela na mão.
Destravei o alarme e fui para a minha vaga, abri a porta jogando tudo dentro e entrei tirando aquele salto que tava me matando, meus dedinhos agradecem.
Saí para o trânsito movimentado da Franklin Street, estava no horário de pico e como hoje é sexta feira, atenção e paciência redobradas. Fui em direção a Avenida Greenpoint e liguei o rádio pra ouvir música.
Meu celular começou a tocar e atendi colocando no modo viva-voz. Era a Gabby, uma das minhas melhores amigas.
– Oie amore.– Hola mi amor!Ela tinha nascido em Cuba e se mudado para os Estados Unidos ainda criança. Adorava falar na sua língua nativa e era um furacão latino. Os longos cabelos negros, a pele morena e os olhos amendoados faziam dela uma mulher exuberante.
– Oi sua doida.Sua risada escandalosa fez eco dentro do carro.
– Onde você tá?– Indo pra casa.– Já saiu do Brooklyn?– Quase, ainda tô em Greenpoint, por quê?– De a volta no carro e venha pra minha casa, Becca já está aqui. Podemos ir para alguma balada e beber muita tequila.Tentador, mas não. Ainda tem muita bagunça na minha casa pra arrumar, isso sem falar que o Chase tá lá sozinho.
– Valeu amiga, mas fica pra próxima, tô exausta e ainda tem caixas e malas pra arrumar da mudança, e ainda tem o Chase que tá sozinho e sem ração, vou passar no mercado pra comprar.– Ok, dessa vez eu vou perdoar porque você mudou recentemente e eu sei bem como é toda essa confusão.Segurei o riso. Ela não passava mais do que seis meses em uma casa, por causa do seu temperamento, arrumava confusão com os vizinhos, com os proprietários e era sempre expulsa, era assim também com os empregos. A família morava na Pensilvânia e ela se recusava a pedir ajuda pra eles. Mas lá no fundo ela era uma pessoa maravilhosa e de bom coração, e eu a amava por isso.
– Obrigada meninas, venham me visitar, vocês só foram lá uma vez.– Sempre trabalhando né amiga, quase não sobra tempo, vou ver aqui com a Becca. Adios mi amor. Besos.Ouvi a voz de Becca ao fundo também me mandando beijos.
– Beijos meninas e divirtam-se.Rebecca Allison, minha outra melhor amiga. Nascida e criada no Brooklyn, mora sozinha em um apartamento dado pelos pais que são cheios da grana, a Gabby passa um tempo lá com ela quando não tem pra onde ir. Loira, olhos verdes, formada em medicina e exercendo a profissão com louvor. Reservada, tranquila e centrada, completamente o oposto da Gabby, e eu costumo dizer que eu sou o meio termo entre as duas.
Conhecemo-nos em uma noite de bebedeira muito louca quando eu tinha descoberto que o meu ex-namorado não valia nada e nos tornamos inseparáveis, indispensáveis uma para a outra. Quando falei que me mudaria para o Queens, elas me apoiaram prontamente, diferente da minha família, em especial minha mãe que surtou.
Abaixei o volume do rádio e fiz o retorno na pista, precisava passar no mercado. Estacionei e coloquei meus saltos novamente, peguei a bolsa e saí.
Peguei um carrinho grande na entrada e fui olhando a listinha no celular do que tinha que comprar, se eu não fizesse, esquecia tudo. Ta aí mais um assunto pra matéria.
O supermercado não estava cheio e fiz minhas compras o mais rápido possível, meu bebê estava em casa sozinho e quase com fome, eu sou uma péssima mãe.
Bayside não é tão movimentado quanto o Brooklyn e eu cheguei em casa em tempo recorde.
Chase já estava na porta e quando eu abri, ele pulou em cima de mim quase me derrubando.
– Oi meu amor.Entre latidos e lambidas e toda aquela festa, consegui arrastar o enorme saco de ração até a cozinha e enchi a vasilha dele que já estava vazia.
Deixei-o comendo na cozinha e fui tomar banho, eu necessitava disso.
Casa nova, vida nova. Não é o que sempre dizem? Espero que comigo seja realmente assim. Até agora, o pouco que eu vi de Bayside me agradou e muito. Belas casas, muita área verde e longe do centro caótico do Brooklyn onde eu morava, e isso já contava muitos pontos a favor. Chase também parecia estar adorando, todo dia de manhã antes de sair para trabalhar, eu o soltava e deixava correr livremente pelo gramado para exercitar. Ele passava o dia todo trancado em casa enquanto eu trabalhava, merecia esse esforço da minha parte. Fiz uma sopa rápida para jantar e me joguei no sofá procurando algo para assistir na TV. Chase deitou aos meus pés. Meu celular começou a tocar em cima da mesinha de centro e atendi vendo que era minha irmã Betthany. – Hei Betthy! – Oie maninha. Ta em casa? – Sim, descanso merecido e você?– Estudando o máximo que posso, quero arrasar nas provas finais e conseguir uma ótima nota pra faculdade.
Terminei de ler a carta com os olhos marejados. E imaginando o quanto essa moça chamada Claire era sortuda por ter um amor como esse. Ao todo eram cinco cartas, enviadas entre os meses de janeiro a novembro de quarenta e quatro. Naquela época o serviço de entrega de cartas era bastante limitado, o fato de que os regimentos viviam mudando de lugar também não ajudava, até separar por local, batalhão, eram meses de espera. Ávida por mais daquela história, coloquei todas em ordem cronológica e enchi de novo a taça com o vinho... França, 25 de janeiro de 1944 Inesquecível Claire... ... Não faz nem um mês que nos casamos e já sinto tua falta como se houvessem se passado vários anos. A saudade é um martírio e as doces lembranças que guardo comigo são um alento para esse coração sofrido. Não passa um só dia sem que eu não pense em você, não me lembre do som da sua doce voz, não me recorde do s
Acordei no susto com alguém praticamente esmurrando a porta da minha casa. Apoiei-me nos cotovelos meio desorientada, eu tinha dormido no sofá da sala, com a TV ligada e as cartas no meu colo. Lembrei-me que fiquei relendo elas até adormecer exausta. Bateram mais uma vez e levantei meio grogue ainda de sono.– Já vai! – gritei bocejando e tentando prender meu cabelo enquanto ia até lá. Chase veio junto comigo e quase caí pra trás de susto ao ver Gabby e Becca na minha frente.– Surpresa! – as duas gritaram e gritei também em um reflexo.– Amiga, você foi atropelada por um elefante?– Bom dia pra você também Gabby. Cumprimentamo-nos com beijos e abraços.– Sua cara ta horrível.– Ta tão feia assim? – perguntei olhando pra Becca que sorriu. – Você sabe que a Gabby é exagerada amiga, não há nada que
– Então? O que achou? – perguntei tentando segurar a empolgação enquanto Ted lia as cartas. Esse assunto me consumiu o fim de semana inteiro, não conseguia parar de pensar no que poderia ter acontecido com Claire, Ronald e seu filho. Já coloquei em minha cabeça que vou procurá-la e achá-la, e nada vai me fazer mudar de ideia.– São muito boas Jessie. – Ted disse por fim e soltei o ar, me sentindo aliviada.– Eu sabia que você ia gostar! – puxei a cadeira e me sentei de frente pra ele. – Eu já tenho muitas ideias, podemos fazer uma matéria sensacional! Publicá-las, e...– Jessie...– Pode ser a matéria de capa!– Jessie...– Imagine o quanto essa história vai inspirar as pessoas!– Jessie, nós não podemos publicar essas cartas.– Por que não? – perguntei sentindo parte de minha euforia evaporar. – Porque precisamos de uma autorização por escrita d
Quinta feira à tarde, um trânsito infernal. Um percurso que faço normalmente em quarenta minutos, levei mais de uma hora pra chegar a Bayside. Estacionei o carro na garagem e já ouvi os latidos de Chase dentro de casa. Entrei e foi aquela festa.– Oi meu amor. Deixei as compras em cima da mesa e ele pulou no meu colo.– Eu também tava com saudades de você. Coloquei comida e água pra ele e fui tomar banho. Respondi as mensagens que tinham no meu celular e deixe carregando. Até agora não tive nenhuma resposta de Dory Green sobre o antigo morador da casa. Ted já até me cobrou algum resultado, mas não tenho nada. Depois do banho, vesti meu pijama confortável de algodão e fui preparar algo pra comer. Optei por uma salada leve e um chá gelado pra acompanhar. Fiz meu prato e fui comer assistindo TV. Chase deitou no tapete me fazendo companhia. Estava assistindo ao noticiário quando bateram na porta e levei um susto. Estranhei o horário, pois já
– Eu vim pegar as cartas de minha avó, Claire Wright-Jones. Eu fiquei olhando pra cara dele, ainda sem acreditar direito.– Você... Você é neto dela! Da Claire! Eu li e reli aquelas cartas tantas vezes que me sentia próxima a eles, Claire e Ronald. Era como se eu participasse da história deles, um personagem que estava ali, um coadjuvante apenas observando. – Sim, Christian Wright-Jones. – disse sério estendendo a mão e eu aceitei.– Muito prazer. Seu aperto era firme e sua mão estava um pouco gelada. Era uma mão forte, de quem estava acostumado a trabalhar duro.– Ah, por favor, entre, fique a vontade. Dei passagem e ele entrou, Chase pulou em cima do homem e eu corri pra ti
O domingo tava tão lindo que liguei para as garotas e fomos ao Queens Botanical Garden, um jardim botânico no bairro de Flushing, há alguns minutos de distância daqui. – Até agora eu não acredito que ele foi tão grosso assim. – Becca comentou revoltada. Eu contava para elas sobre a visita não tão agradável de Christian Wright-Jones enquanto observávamos sentadas na grama Betty e Chase correndo e se divertindo.– Pois é, eu não sei como conseguir me controlar e não jogar algum objeto pesado nele.– Deveria ter jogado chica. – Gabby comentou aproveitando os raios de sol e acabamos rindo.– Aí eu seria processada amiga, ele já estava doido para fazer isso. Me ameaçou que faria caso visse alguma publicação sobre a sua família. – Eu avisei, não avisei? Que era melhor deixar isso quieto do que correr atrás.– Gabby!– Deixa Becca, ela tem razão. Eu deveria ter queimado aquelas cartas depois de ler. Mesmo não querendo admitir,
Essa semana foi infernal. Não tive tempo para nada, mal chegava em casa e tomava um banho e me jogava na cama, adormecendo imediatamente. Gabby e Becca tanto insistiram que conseguiram me convencer a ficar no Brooklyn e ir para uma balada com elas na sexta à noite. Já trouxe Chase quando vim trabalhar e deixei na casa dos meus pais, não podia deixá-lo sozinho em casa, não sei que horas chegaria no sábado. Minha mãe não gostou muito, mas ela era voto vencido. No final do expediente, Ted chamou a todos nós para brindar ao excelente trabalho da semana, os resultados foram satisfatórios. Nora teve uma ideia sensacional para a edição de sexta, o que nos salvou, e é claro que ela teve o reconhecimento merecido. Depois do brinde, fui embora e quando entrei no carro, meu celular tocou, era a Becca. Atendi e manobrei pra sair do estacionamento.– Oi doutora.– Já saiu da editora?– Saindo agora. – Ótimo, meu plantão acaba daqui a pouco também