Acordei no susto com alguém praticamente esmurrando a porta da minha casa. Apoiei-me nos cotovelos meio desorientada, eu tinha dormido no sofá da sala, com a TV ligada e as cartas no meu colo. Lembrei-me que fiquei relendo elas até adormecer exausta.
Bateram mais uma vez e levantei meio grogue ainda de sono.
– Já vai! – gritei bocejando e tentando prender meu cabelo enquanto ia até lá. Chase veio junto comigo e quase caí pra trás de susto ao ver Gabby e Becca na minha frente.– Surpresa! – as duas gritaram e gritei também em um reflexo.– Amiga, você foi atropelada por um elefante?– Bom dia pra você também Gabby.Cumprimentamo-nos com beijos e abraços.
– Sua cara ta horrível.– Ta tão feia assim? – perguntei olhando pra Becca que sorriu. – Você sabe que a Gabby é exagerada amiga, não há nada que um bom banho não resolva, vai lá que a gente prepara tudo aqui.– Isso aí, e como nós somos ótimas amigas, trouxemos café da manhã, daquela padaria que você ama. – Gabby mostrou os sacos de papel e os copos com café expresso que fizeram meu estômago roncar.– Eu já disse que amo vocês?– Ta vendo como ela é cara de pau Becca? Tentando comprar a gente.– Tô vendo isso aí, anda, vai tomar banho.– Sim senhora, doutora Allison.Tomei um banho rápido pra despertar e voltei correndo para provar aquele café maravilhoso. Entrei na cozinha e dei risada vendo aquela farra. As duas brincavam com Chase que adorava aquela atenção toda.
– Já vi que tomaram conta da minha casa e da minha cozinha. – comentei entrando e as duas sorriram.– E quando é que não fazemos isso mi amor? – debochada como sempre.Balancei a cabeça ainda rindo e puxei uma cadeira pra sentar.
– Amiga, você dormiu com a porta da cozinha aberta? E se algum doido entrar? – Becca perguntou enquanto se sentava também.– A vizinhança é tranquila, e tem o Chase, qualquer coisa suspeita e ele late.– Doutora Becca cheia de neuras como sempre. – Gabby provocou mordendo um pedaço de pão recheado sentando do outro lado.– Não é neura, é só precaução.– Pior que eu nem deixei de propósito, me distraí lendo umas cartas e acabei dormindo no sofá.– Que cartas?– Becca você não tem ideia. Ontem eu fui levar uma caixa lá pro sótão e acabei esbarrando em umas coisas que tinham lá e...– Coisas do antigo morador? E porque a imobiliária não jogou fora?– Eu sei Gabby, mas o fato é que eu achei umas cartas antigas, escritas na época da Segunda Guerra, no ano de mil novecentos e quarenta e quatro, elas contam uma história de amor linda.– Sério? – Becca perguntou interessada.– Sim. – levantei correndo até a sala e voltando com as cartas, entreguei uma folha pra cada. – Cuidado pra não manchar com comida, leiam. – Ler não é muito o meu forte. – Gabby comentou passando os olhos e me devolvendo o papel. – Amiga você já instalou o wi-fi? Qual a senha?– Ta anotada na agenda ao lado do telefone, pega lá.– Gracias. – Jessie que linda, ele parece tão apaixonado. – Becca comentou completamente encantada.– Demais, eu não consegui parar de ler, devorei as cinco ontem à noite.– Me deixa ver as outras.– Eu não consigo deixar de imaginar o que pode ter acontecido com eles, se conseguiram realizar o seu sonho.– Pena que não tem as respostas dela.– Deviam ta com ele.– Amiga. – ela olhou séria pra mim. – Para e pensa, se ele tivesse voltado pra casa, essas cartas não estariam todas juntas?Becca me fez enxergar o que eu tentava evitar, não tinha existido um final feliz para Claire e Ronald.
– Você tem razão. – murmurei desanimada.– Hei não fica assim, devem ter existido tantas outras historias iguais a essa naquela época. Pense que o Ronald foi um sortudo por ter experimentado o amor antes de ir para a guerra, imagine quantos não tiveram essa mesma sorte. – Vocês são duas românticas incuráveis isso sim, dos tontos que creen en los cuentos de hadas.– Ah Gabby, você vive criticando a gente, mas não pode ver um homem bonito.As duas começaram a discutir e eu perdida em devaneios, imaginando qual teria sido a triste sina do casal de amantes daquelas cartas.
Eu era romântica sim e acreditava totalmente no amor, apesar de não ter tido muita sorte, mas nem por isso eu vou desistir de ter o meu final feliz.
– Ok, já chega as duas. – tentei acalmar os ânimos. – Vamos parar, lembrem-se que somos todas amigas.– Às vezes parece que a Gabby esquece esse fato. – Becca alfinetou e a outra riu.– Eu não tenho culpa de ser sincera doutora.– Sincera até demais.– Tá bom gente, já deu. Agora é sério. Vamos, me ajudem a arrumar essa bagunça.Terminamos de tomar café e elas me ajudaram a fazer uma faxina bem caprichada. Finalmente eu terminei de arrumar tudo e colocar cada coisa em seu lugar. Combinamos de ir ao shopping e elas foram para o quarto de hóspedes se arrumar. Felizmente, o meu quarto era uma suíte maravilhosa.
Depois do banho, optei por um visual leve e descontraído.
– Jessie, nós já estamos prontas. – Becca bateu na porta do quarto.– Já estou indo. – respondi pegando minhas coisas e dando uma última ajeitada no cabelo em frente ao espelho.– Então, pra onde vamos? – Gabby perguntou enquanto íamos descendo a escada.– Tem um shopping perto daqui, podemos ir pra lá. – sugeri e elas gostaram.– Adorei, nós já conhecemos todos os shoppings do Brooklyn, hora de conhecer algo novo.– Realmente me agrada, vamos chicas!Olhei pra Becca que também olhou pra mim rindo.
– Meu amor, você fica tomando conta da casa, daqui a pouco mamãe volta, eu compro um brinquedo pra você ta. – me despedi do Chase que me olhava balançando o rabo.Fomos no meu carro e Gabby já colocou uma música latina pra tocar. Fazíamos como sempre e cantávamos como loucas, mesmo não sabendo a letra da música, mas isso não importava.
– Mensaje para ti niña. – Gabby disse mexendo no meu celular e abaixei o volume.– Quem é? – Nossa, es guapo! – Quem? – Becca perguntou curiosa no banco de trás. – Quem me mandou mensagem?– Grey, quem é Grey Jessie? E porque ele nunca foi apresentado a nós?As duas me encaravam com um olhar sério e eu caí na gargalhada.
– Grey é aquele fotógrafo chato que trabalha lá na editora e vive dando em cima de mim.– Macho escroto. – Becca disse rolando os olhos e eu ri mais ainda.– Ele é um gato, isso sim. Amiga me apresenta?– Gabby, ele é um galinha, vive dando em cima de cada mulher daquele lugar, não perdoa nem as casadas. – Jessie eu não vou casar com ele, só tô comentando que deixar um gato desses passar não dá. Diga a ele que você tem uma amiga interessada e pode passar meu telefone.– Ok, gosto não se discute né. – provoquei e ela começou a me xingar em espanhol arrancando risos de mim e da Becca.O shopping estava um pouco cheio por ser fim de semana. Andamos por várias lojas, conhecendo o território e comprando algumas peças de roupa e acessórios. Passei em um pet shop e comprei brinquedos e uma cama nova para o Chase. Depois de tanto andar, fomos para a praça de alimentação almoçar.
– Até que eu gostei daqui. – Gabby comentou bebendo seu suco de laranja.– Eu achei como qualquer outro shopping.– Dame paciência señor! Becca nada te agrada, nem te surpreende.– Gente vocês não conseguem trocar duas palavras sem discordar uma da outra? – falei olhando para as duas.– Isso que nós torna tão diferentes e especiais niña. – Gabby disse piscando o olho e começamos a rir.Desde que nos tornamos amigas, elas são assim. Opiniões e conceitos diferentes que já acabaram em discussões horríveis, mas no final sempre voltavam atrás e pediam desculpas uma a outra, claro que em alguns casos eu tive que intervir.
Elas continuaram conversando e minha atenção focou em um casal que estava sentado duas mesas à frente. Eles eram jovens e trocavam carinhos e olhares apaixonados. Não nego, eu os invejo um pouco, queria ter isso pra mim. Alguém especial para dividir as alegrias e tristezas da vida, as conquistas e também as derrotas.
Lembrei-me das cartas, do amor entre Ronald e Claire que não sucumbiu à guerra e foi um consolo para os dois pelo tempo que ficaram separados. O mundo merecia conhecer aquela história, se emocionar, como eu me emocionei.
– Eu vou publicar a história! – murmurei sentindo uma súbita onda de euforia.– Que? – as garotas me olharam sem entender.– As cartas de Ronald, eu vou publicá-las!– Amiga tem certeza?– Absoluta Becca, todos merecem conhecer essa bela história de amor. Talvez eu consiga encontrar Claire Wright-Jones e ela me conte o que aconteceu e...– Vai com calma Jane Austen, talvez não seja uma boa ideia.Olhamos surpresas para a Gabby, talvez pelo fato de ela saber quem é Jane Austen.
– Tá bom, não me olhem assim, eu sei quem ela é. Orgulho e Preconceito foi um dos poucos livros que eu li. No colegial, minha professora de Literatura passou um trabalho de recuperação sobre ele e eu, que estava pendurada na matéria, decorei este maldito livro do começo ao fim.Olhei surpresa para a Becca e ela estava igual a mim.
– Deixando de lado essa revelação interessante sobre a sua vida Gabriella Young, porque você não acha uma boa ideia tentar encontrar Claire Wright-Jones? – No mi amor, eu não me refiro ao fato de você tentar encontrá-la, mas sim para essa ideia de publicar as cartas enviadas pelo, ele era o que mesmo dela?– Marido.– Isso, marido. Talvez tenha um motivo para essas cartas estarem esquecidas lá no seu sótão, talvez essa mulher tenha preferido esquecer tudo isso e seguiu em frente. Pode até ter conhecido outro homem e se casado. Pensando bem, melhor nem ir atrás dela.– Jessie sinto dizer isso, mas talvez ela tenha razão.Fiquei um pouco desanimada com aquela opção, mas não vou desistir.
– Eu vou correr o risco, vou encontrar Claire Wright-Jones e publicar essas cartas. Gente eu preciso saber o que aconteceu com eles, com todos eles. Essa história ta na minha cabeça, martelando, incomodando.– Sabe que como sempre, nós vamos te apoiar não é?– Obrigada Becca. – agradeci com um sorriso sincero e apertei a mão dela que estava em cima da mesa.Gabby estendeu uma mão para ela e a outra para mim.
– Ela tem razão, ustedes son mis chicas y haría cualquier cosa por ambos.– Gracias.Eu vou procurar pela Claire e vou encontrá-la, e vou escrever sua história.
– Então? O que achou? – perguntei tentando segurar a empolgação enquanto Ted lia as cartas. Esse assunto me consumiu o fim de semana inteiro, não conseguia parar de pensar no que poderia ter acontecido com Claire, Ronald e seu filho. Já coloquei em minha cabeça que vou procurá-la e achá-la, e nada vai me fazer mudar de ideia.– São muito boas Jessie. – Ted disse por fim e soltei o ar, me sentindo aliviada.– Eu sabia que você ia gostar! – puxei a cadeira e me sentei de frente pra ele. – Eu já tenho muitas ideias, podemos fazer uma matéria sensacional! Publicá-las, e...– Jessie...– Pode ser a matéria de capa!– Jessie...– Imagine o quanto essa história vai inspirar as pessoas!– Jessie, nós não podemos publicar essas cartas.– Por que não? – perguntei sentindo parte de minha euforia evaporar. – Porque precisamos de uma autorização por escrita d
Quinta feira à tarde, um trânsito infernal. Um percurso que faço normalmente em quarenta minutos, levei mais de uma hora pra chegar a Bayside. Estacionei o carro na garagem e já ouvi os latidos de Chase dentro de casa. Entrei e foi aquela festa.– Oi meu amor. Deixei as compras em cima da mesa e ele pulou no meu colo.– Eu também tava com saudades de você. Coloquei comida e água pra ele e fui tomar banho. Respondi as mensagens que tinham no meu celular e deixe carregando. Até agora não tive nenhuma resposta de Dory Green sobre o antigo morador da casa. Ted já até me cobrou algum resultado, mas não tenho nada. Depois do banho, vesti meu pijama confortável de algodão e fui preparar algo pra comer. Optei por uma salada leve e um chá gelado pra acompanhar. Fiz meu prato e fui comer assistindo TV. Chase deitou no tapete me fazendo companhia. Estava assistindo ao noticiário quando bateram na porta e levei um susto. Estranhei o horário, pois já
– Eu vim pegar as cartas de minha avó, Claire Wright-Jones. Eu fiquei olhando pra cara dele, ainda sem acreditar direito.– Você... Você é neto dela! Da Claire! Eu li e reli aquelas cartas tantas vezes que me sentia próxima a eles, Claire e Ronald. Era como se eu participasse da história deles, um personagem que estava ali, um coadjuvante apenas observando. – Sim, Christian Wright-Jones. – disse sério estendendo a mão e eu aceitei.– Muito prazer. Seu aperto era firme e sua mão estava um pouco gelada. Era uma mão forte, de quem estava acostumado a trabalhar duro.– Ah, por favor, entre, fique a vontade. Dei passagem e ele entrou, Chase pulou em cima do homem e eu corri pra ti
O domingo tava tão lindo que liguei para as garotas e fomos ao Queens Botanical Garden, um jardim botânico no bairro de Flushing, há alguns minutos de distância daqui. – Até agora eu não acredito que ele foi tão grosso assim. – Becca comentou revoltada. Eu contava para elas sobre a visita não tão agradável de Christian Wright-Jones enquanto observávamos sentadas na grama Betty e Chase correndo e se divertindo.– Pois é, eu não sei como conseguir me controlar e não jogar algum objeto pesado nele.– Deveria ter jogado chica. – Gabby comentou aproveitando os raios de sol e acabamos rindo.– Aí eu seria processada amiga, ele já estava doido para fazer isso. Me ameaçou que faria caso visse alguma publicação sobre a sua família. – Eu avisei, não avisei? Que era melhor deixar isso quieto do que correr atrás.– Gabby!– Deixa Becca, ela tem razão. Eu deveria ter queimado aquelas cartas depois de ler. Mesmo não querendo admitir,
Essa semana foi infernal. Não tive tempo para nada, mal chegava em casa e tomava um banho e me jogava na cama, adormecendo imediatamente. Gabby e Becca tanto insistiram que conseguiram me convencer a ficar no Brooklyn e ir para uma balada com elas na sexta à noite. Já trouxe Chase quando vim trabalhar e deixei na casa dos meus pais, não podia deixá-lo sozinho em casa, não sei que horas chegaria no sábado. Minha mãe não gostou muito, mas ela era voto vencido. No final do expediente, Ted chamou a todos nós para brindar ao excelente trabalho da semana, os resultados foram satisfatórios. Nora teve uma ideia sensacional para a edição de sexta, o que nos salvou, e é claro que ela teve o reconhecimento merecido. Depois do brinde, fui embora e quando entrei no carro, meu celular tocou, era a Becca. Atendi e manobrei pra sair do estacionamento.– Oi doutora.– Já saiu da editora?– Saindo agora. – Ótimo, meu plantão acaba daqui a pouco também
Tentei trabalhar o resto da manhã, mas aquele assunto não saía do meu pensamento, e volta e meia meu olhar caía sobre o buquê vermelho. Fui almoçar e quando voltei, ele ainda estava lá, me deixando inquieta. Já impaciente, decidi pedir uma opinião confiável e liguei para a Becca, talvez ela me ajudasse a resolver esse conflito interno em que eu me encontro nesse momento. Quando eu estava quase desistindo, ela atendeu.– Oi amiga, tudo bem? – sua voz soou alegre.– Oi, tudo ótimo e você? Ta ocupada?– Tudo bem também, tava em uma consulta, mas posso falar agora. – Becca eu preciso de sua opinião.– Se eu puder ajudar, o que houve?– Nesse momento eu estou olhando para um enorme buquê de rosas vermelhas em cima da minha mesa de trabalho.– Quem te deu flores Jessie?! – Becca perguntou surpresa. – Christian Wright-Jones.– Oi? Espera, eu acho que nã
Christian me olhava e então ele sorriu de leve, eu não entendi qual era o motivo da graça.– Me desculpe senhorita Marshall, não pense que estou rindo de você, mas de mim mesmo. A garçonete trouxe meu cappuccino e bebi um pouco, estava uma delícia. – Eu não deveria tê-la julgado do jeito que fiz, as pessoas não são iguais. Eu estava um pouco nervoso naquela manhã e acabei descontando na senhorita, foi muito errado, e sim, eu me arrependi do que lhe disse. Fiquei surpresa em vê-lo admitindo que estava errado, homens machistas e preconceituosos dificilmente o fazem, mas eu não o elogiaria por isso.– O fato do senhor estar nervoso não significa que pode sair descontando em qualquer um. – alfinetei sorvendo minha bebida.– Eu sei disso, mas quando ouvi a senhorita falar que era jornalista e queria publicar as cartas, eu... Podemos por favor, parar com essa formalidade toda? Eu gosto muito de chamá-la de Jessie. Fiquei surpresa nova
A semana passou tranquila, sem grandes problemas. E finalmente chegou a tão sonhada sexta feira. Bateram na porta e levantei o olhar, era Grey.– Oi, entra.– Oi Jessie, eu queria sua ajuda.– Pra que quer minha ajuda?– Eu queria dar um presente pra Gabby, mas não faço ideia do que dar. Parei de arrumar minha bolsa e olhei pra ele completamente surpresa. Eu sabia que eles tavam saindo, mas já estava tão sério assim? Ela não comentou nada. – Ah a Gabby gosta de flores, chocolates.– Eu queria algo mais simbólico sabe, algo que marcasse. Quanto mais eu ouvia, mais surpresa eu ficava. Desde quando Elliot Greyson é romântico?! – Ela gosta de velas aromáticas, com cheiros marcantes. É algo que ela herdou da avó.– Velas aromáticas, legal. Valeu Jessie, te devo uma. E saiu da minha sala em esperar por resposta. Eu fiquei parada tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Peguei minha bolsa e