Capítulo Quatro

Acordei no susto com alguém praticamente esmurrando a porta da minha casa. Apoiei-me nos cotovelos meio desorientada, eu tinha dormido no sofá da sala, com a TV ligada e as cartas no meu colo. Lembrei-me que fiquei relendo elas até adormecer exausta.

            Bateram mais uma vez e levantei meio grogue ainda de sono.

– Já vai! – gritei bocejando e tentando prender meu cabelo enquanto ia até lá. Chase veio junto comigo e quase caí pra trás de susto ao ver Gabby e Becca na minha frente.

– Surpresa! – as duas gritaram e gritei também em um reflexo.

– Amiga, você foi atropelada por um elefante?

– Bom dia pra você também Gabby.

            Cumprimentamo-nos com beijos e abraços.

– Sua cara ta horrível.

– Ta tão feia assim? – perguntei olhando pra Becca que sorriu.   

– Você sabe que a Gabby é exagerada amiga, não há nada que um bom banho não resolva, vai lá que a gente prepara tudo aqui.

– Isso aí, e como nós somos ótimas amigas, trouxemos café da manhã, daquela padaria que você ama. – Gabby mostrou os sacos de papel e os copos com café expresso que fizeram meu estômago roncar.

– Eu já disse que amo vocês?

– Ta vendo como ela é cara de pau Becca? Tentando comprar a gente.

– Tô vendo isso aí, anda, vai tomar banho.

– Sim senhora, doutora Allison.

            Tomei um banho rápido pra despertar e voltei correndo para provar aquele café maravilhoso. Entrei na cozinha e dei risada vendo aquela farra. As duas brincavam com Chase que adorava aquela atenção toda.

– Já vi que tomaram conta da minha casa e da minha cozinha. – comentei entrando e as duas sorriram.

– E quando é que não fazemos isso mi amor? – debochada como sempre.

            Balancei a cabeça ainda rindo e puxei uma cadeira pra sentar. 

– Amiga, você dormiu com a porta da cozinha aberta? E se algum doido entrar? – Becca perguntou enquanto se sentava também.

– A vizinhança é tranquila, e tem o Chase, qualquer coisa suspeita e ele late.

– Doutora Becca cheia de neuras como sempre. – Gabby provocou mordendo um pedaço de pão recheado sentando do outro lado.

– Não é neura, é só precaução.

– Pior que eu nem deixei de propósito, me distraí lendo umas cartas e acabei dormindo no sofá.

– Que cartas?

– Becca você não tem ideia. Ontem eu fui levar uma caixa lá pro sótão e acabei esbarrando em umas coisas que tinham lá e...

– Coisas do antigo morador? E porque a imobiliária não jogou fora?

– Eu sei Gabby, mas o fato é que eu achei umas cartas antigas, escritas na época da Segunda Guerra, no ano de mil novecentos e quarenta e quatro, elas contam uma história de amor linda.

– Sério? – Becca perguntou interessada.

– Sim. – levantei correndo até a sala e voltando com as cartas, entreguei uma folha pra cada. – Cuidado pra não manchar com comida, leiam.     

– Ler não é muito o meu forte. – Gabby comentou passando os olhos e me devolvendo o papel. – Amiga você já instalou o wi-fi? Qual a senha?

– Ta anotada na agenda ao lado do telefone, pega lá.

– Gracias.                

– Jessie que linda, ele parece tão apaixonado. – Becca comentou completamente encantada.

– Demais, eu não consegui parar de ler, devorei as cinco ontem à noite.

– Me deixa ver as outras.

– Eu não consigo deixar de imaginar o que pode ter acontecido com eles, se conseguiram realizar o seu sonho.

– Pena que não tem as respostas dela.

– Deviam ta com ele.

– Amiga. – ela olhou séria pra mim. – Para e pensa, se ele tivesse voltado pra casa, essas cartas não estariam todas juntas?

            Becca me fez enxergar o que eu tentava evitar, não tinha existido um final feliz para Claire e Ronald.

– Você tem razão. – murmurei desanimada.

– Hei não fica assim, devem ter existido tantas outras historias iguais a essa naquela época. Pense que o Ronald foi um sortudo por ter experimentado o amor antes de ir para a guerra, imagine quantos não tiveram essa mesma sorte.  

– Vocês são duas românticas incuráveis isso sim, dos tontos que creen en los cuentos de hadas.

– Ah Gabby, você vive criticando a gente, mas não pode ver um homem bonito.

            As duas começaram a discutir e eu perdida em devaneios, imaginando qual teria sido a triste sina do casal de amantes daquelas cartas.

            Eu era romântica sim e acreditava totalmente no amor, apesar de não ter tido muita sorte, mas nem por isso eu vou desistir de ter o meu final feliz.

– Ok, já chega as duas. – tentei acalmar os ânimos. – Vamos parar, lembrem-se que somos todas amigas.

– Às vezes parece que a Gabby esquece esse fato. – Becca alfinetou e a outra riu.

– Eu não tenho culpa de ser sincera doutora.

– Sincera até demais.

– Tá bom gente, já deu. Agora é sério. Vamos, me ajudem a arrumar essa bagunça.

            Terminamos de tomar café e elas me ajudaram a fazer uma faxina bem caprichada. Finalmente eu terminei de arrumar tudo e colocar cada coisa em seu lugar. Combinamos de ir ao shopping e elas foram para o quarto de hóspedes se arrumar. Felizmente, o meu quarto era uma suíte maravilhosa.

            Depois do banho, optei por um visual leve e descontraído.

– Jessie, nós já estamos prontas. – Becca bateu na porta do quarto.

– Já estou indo. – respondi pegando minhas coisas e dando uma última ajeitada no cabelo em frente ao espelho.

– Então, pra onde vamos? – Gabby perguntou enquanto íamos descendo a escada.

– Tem um shopping perto daqui, podemos ir pra lá. – sugeri e elas gostaram.

– Adorei, nós já conhecemos todos os shoppings do Brooklyn, hora de conhecer algo novo.

– Realmente me agrada, vamos chicas!

            Olhei pra Becca que também olhou pra mim rindo.

– Meu amor, você fica tomando conta da casa, daqui a pouco mamãe volta, eu compro um brinquedo pra você ta. – me despedi do Chase que me olhava balançando o rabo.

            Fomos no meu carro e Gabby já colocou uma música latina pra tocar. Fazíamos como sempre e cantávamos como loucas, mesmo não sabendo a letra da música, mas isso não importava.

– Mensaje para ti niña. – Gabby disse mexendo no meu celular e abaixei o volume.

– Quem é? 

– Nossa, es guapo!

– Quem? – Becca perguntou curiosa no banco de trás. 

– Quem me mandou mensagem?

– Grey, quem é Grey Jessie? E porque ele nunca foi apresentado a nós?

            As duas me encaravam com um olhar sério e eu caí na gargalhada.

– Grey é aquele fotógrafo chato que trabalha lá na editora e vive dando em cima de mim.

– Macho escroto. – Becca disse rolando os olhos e eu ri mais ainda.

– Ele é um gato, isso sim. Amiga me apresenta?

– Gabby, ele é um galinha, vive dando em cima de cada mulher daquele lugar, não perdoa nem as casadas.           

– Jessie eu não vou casar com ele, só tô comentando que deixar um gato desses passar não dá. Diga a ele que você tem uma amiga interessada e pode passar meu telefone.

– Ok, gosto não se discute né. – provoquei e ela começou a me xingar em espanhol arrancando risos de mim e da Becca.

            O shopping estava um pouco cheio por ser fim de semana. Andamos por várias lojas, conhecendo o território e comprando algumas peças de roupa e acessórios. Passei em um pet shop e comprei brinquedos e uma cama nova para o Chase. Depois de tanto andar, fomos para a praça de alimentação almoçar.

– Até que eu gostei daqui. – Gabby comentou bebendo seu suco de laranja.

– Eu achei como qualquer outro shopping.

– Dame paciência señor! Becca nada te agrada, nem te surpreende.

– Gente vocês não conseguem trocar duas palavras sem discordar uma da outra? – falei olhando para as duas.

– Isso que nós torna tão diferentes e especiais niña. – Gabby disse piscando o olho e começamos a rir.

            Desde que nos tornamos amigas, elas são assim. Opiniões e conceitos diferentes que já acabaram em discussões horríveis, mas no final sempre voltavam atrás e pediam desculpas uma a outra, claro que em alguns casos eu tive que intervir.    

            Elas continuaram conversando e minha atenção focou em um casal que estava sentado duas mesas à frente. Eles eram jovens e trocavam carinhos e olhares apaixonados. Não nego, eu os invejo um pouco, queria ter isso pra mim. Alguém especial para dividir as alegrias e tristezas da vida, as conquistas e também as derrotas.

            Lembrei-me das cartas, do amor entre Ronald e Claire que não sucumbiu à guerra e foi um consolo para os dois pelo tempo que ficaram separados. O mundo merecia conhecer aquela história, se emocionar, como eu me emocionei.

– Eu vou publicar a história! – murmurei sentindo uma súbita onda de euforia.

– Que? – as garotas me olharam sem entender.

– As cartas de Ronald, eu vou publicá-las!

– Amiga tem certeza?

– Absoluta Becca, todos merecem conhecer essa bela história de amor. Talvez eu consiga encontrar Claire Wright-Jones e ela me conte o que aconteceu e...

– Vai com calma Jane Austen, talvez não seja uma boa ideia.

            Olhamos surpresas para a Gabby, talvez pelo fato de ela saber quem é Jane Austen.    

– Tá bom, não me olhem assim, eu sei quem ela é. Orgulho e Preconceito foi um dos poucos livros que eu li. No colegial, minha professora de Literatura passou um trabalho de recuperação sobre ele e eu, que estava pendurada na matéria, decorei este maldito livro do começo ao fim. 

            Olhei surpresa para a Becca e ela estava igual a mim.

– Deixando de lado essa revelação interessante sobre a sua vida Gabriella Young, porque você não acha uma boa ideia tentar encontrar Claire Wright-Jones? 

No mi amor, eu não me refiro ao fato de você tentar encontrá-la, mas sim para essa ideia de publicar as cartas enviadas pelo, ele era o que mesmo dela?

– Marido.

– Isso, marido. Talvez tenha um motivo para essas cartas estarem esquecidas lá no seu sótão, talvez essa mulher tenha preferido esquecer tudo isso e seguiu em frente. Pode até ter conhecido outro homem e se casado. Pensando bem, melhor nem ir atrás dela.

– Jessie sinto dizer isso, mas talvez ela tenha razão.

            Fiquei um pouco desanimada com aquela opção, mas não vou desistir.

– Eu vou correr o risco, vou encontrar Claire Wright-Jones e publicar essas cartas. Gente eu preciso saber o que aconteceu com eles, com todos eles. Essa história ta na minha cabeça, martelando, incomodando.

– Sabe que como sempre, nós vamos te apoiar não é?

– Obrigada Becca. – agradeci com um sorriso sincero e apertei a mão dela que estava em cima da mesa.

            Gabby estendeu uma mão para ela e a outra para mim.

– Ela tem razão, ustedes son mis chicas y haría cualquier cosa por ambos.

– Gracias.

            Eu vou procurar pela Claire e vou encontrá-la, e vou escrever sua história.

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