Casa nova, vida nova. Não é o que sempre dizem? Espero que comigo seja realmente assim.
Até agora, o pouco que eu vi de Bayside me agradou e muito. Belas casas, muita área verde e longe do centro caótico do Brooklyn onde eu morava, e isso já contava muitos pontos a favor.
Chase também parecia estar adorando, todo dia de manhã antes de sair para trabalhar, eu o soltava e deixava correr livremente pelo gramado para exercitar. Ele passava o dia todo trancado em casa enquanto eu trabalhava, merecia esse esforço da minha parte.
Fiz uma sopa rápida para jantar e me joguei no sofá procurando algo para assistir na TV. Chase deitou aos meus pés.
Meu celular começou a tocar em cima da mesinha de centro e atendi vendo que era minha irmã Betthany.
– Hei Betthy!– Oie maninha. Ta em casa?– Sim, descanso merecido e você?– Estudando o máximo que posso, quero arrasar nas provas finais e conseguir uma ótima nota pra faculdade.– O que eu disse a você sobre estudar de mais Betthany? Você precisa se distrair, não pode passar o dia todo enfiada dentro do quarto. – Eu sei, mas mamãe ta tão chata que ta difícil suportar, quero entrar logo pra faculdade e ir para os dormitórios, não aguento mais ficar aqui.Sua voz estava triste e amargurada, sei bem como é isso. Nossa mãe é superprotetora e um pouco paranoica.
– Agora ela só vive falando que você se mudou pra longe, não se importa com a família. E eu acho que você está mais do que certa em ter feito isso.– Betthy tenha calma, tudo vai se resolver. E eu não estou tão longe, Mill Basin fica a quarenta minutos de Bayside, não é como se eu estivesse em outro país.– Eu sei, papai sabe, mas vai dizer isso pra ela. Ela vai acabar ficando louca, isso sim.– Betthany não fale assim, ela pode ser o que for, mas é nossa mãe e se preocupa com a gente, tenha calma e paciência.– Desculpe, as provas finais estão me deixando no limite.– Tudo bem e procure sair mais, se divertir, vai lhe fazer bem.– Tudo bem, hei mana, a pizza chegou, té mais.– Tchau, beijo.Eu e ela temos uma diferença de idade de dez anos, mas isso nunca foi problema, sempre fomos parceiras uma da outra e Betthy sofreu muito quando eu saí de casa, mas foi necessário, mamãe estava começando a me enlouquecer, assim como está fazendo com ela. Dona Sharon era o tipo de mãe que se pudesse manteria as filhas para sempre embaixo de suas asas.
Quando saí de casa tinha acabado de fazer vinte e quatro anos e já trabalhava como repórter na Woman Entertainment, aluguei um pequeno apartamento no centro do Brooklyn e me mudei, já não aguentava mais a superproteção da minha mãe. Eles continuam morando em Mill Basin, longe do centro.
Quatro anos se passaram e graças ao meu excelente trabalho fui promovida a editora-chefe da revista e sou uma das pessoas de confiança de Theodore Wintrop, o dono e presidente da editora Wintrop.
Sempre quis comprar minha casa e juntei bastante dinheiro pra isso, economizava no que podia para realizar esse sonho e graças a minha querida avó, pude enfim concretizá-lo. Ela morreu há alguns meses e deixou uma herança bastante gorda para mim e para Betthany, minha irmã guardou a parte dela para a faculdade de veterinária que queria fazer, eu claro, juntei ao dinheiro que já tinha guardado e fui procurar o meu lugar ideal.
Depois de muito pesquisar, decidi que queria sair do Brooklyn, respirar novos ares e achei o lugar perfeito em Bayside no Queens. A casa dos meus sonhos.
O latido de Chase me fez voltar para a realidade e percebi que ele queria ir lá fora. Deixei a porta da cozinha aberta e voltei pra sala. Só de olhar para aquelas caixas me dava preguiça de arrumá-las.
Eu poderia deixar para amanhã, mas não estou com sono e nem tenho nada pra fazer agora, posso pelo menos começar. Fui abrindo e colocando as coisas no lugar, deixando as vazias empilhadas perto da porta.
Alguns itens como decorações de Natal entre outras coisas decidi guardar no sótão. Juntei tudo em uma caixa só e subi a escada indo para o final do corredor. O acesso ao sótão era por um alçapão preso ao teto, um gancho o puxava para baixo e descia a escada embutida.
Subi devagar equilibrando a caixa em meus braços. Eu só tinha entrado aqui uma vez desde que me mudei no sábado passado e vi que tinha muita coisa que precisava ser jogada fora, deixadas pelos antigos donos, mas até então não tive tempo. Coloquei a caixa no chão e acendi a pequena lâmpada presa a parede. Já estava começando a cheirar a mofo por ser úmido e escuro. Empurrei a caixa até encostá-la na parede e quando me virei tropecei em um banco derrubando algumas caixas que estavam empilhadas.
– Droga! – murmurei tentando ajeitar tudo.Quando ia pegar uma pequena caixinha de madeira para colocar no topo, esta soltou a tampa e seu conteúdo caiu no chão, cartas amareladas bem antigas amarradas com um barbante.
Curiosa, peguei a cartas e tentei ler alguma coisa, mas a luminosidade era pouca. Voltei para a sala e trouxe-as comigo.
Chase continuava lá fora se divertindo e deixei mais um pouco, a noite estava agradável e o muro que cercava o quintal era bem alto, não oferecia perigo. Peguei uma garrafa de vinho e uma taça e voltei para a sala.
As cartas estavam em cima da mesinha de centro e peguei-as com cuidado, o papel parecia bastante velho e já estava muito desgastado. Desamarrei o barbante e peguei uma. O remetente era de um homem chamado Ronald Wright-Jones e a destinatária era Claire Wright-Jones. Estava aberta e não contive a curiosidade em pegar a folha escrita a mão para ler.
A primeira coisa que chamou minha atenção foi a data, vinte de abril de mil novecentos e quarenta e quatro. Olhei as datas das outras e todas eram do mesmo ano, todas aquelas cartas foram escritas na época da Segunda Guerra Mundial!
Meu instinto de jornalista falou mais alto e me pus a ler aquelas linhas, a introdução fazendo meu coração disparar...
Itália, 20 de abril de 1944
Inesquecível Claire...
... Minha amada e adorada esposa, não imagina o quanto estou sentindo a tua falta, os dias têm sido frios e solitários sem beijar os seus lábios, sentir seu cheiro, tocar em sua pele macia e cheirosa. Sua última carta trouxe paz e alegria ao meu coração, saber que você e minha família estão bem é o que me mantém de pé neste ambiente que cheira a morte.
Estamos avançando cada vez mais o território inimigo e a cada investida vejo meus companheiros morrerem pelas mãos daqueles nazistas infelizes. Peço-lhe que reze por essas pobres almas, para que encontrem o descanso merecido. Você sempre foi tão cheia de luz, tão benevolente e tão crente em coisas boas, acreditou em mim quando eu mesmo não o fiz isso. Rezo para que esta maldita guerra acabe logo e eu possa voltar para o conforto dos seus braços, para o aconchego do nosso lar.
Com todo o meu amor, do seu Ronald.
Terminei de ler a carta com os olhos marejados. E imaginando o quanto essa moça chamada Claire era sortuda por ter um amor como esse. Ao todo eram cinco cartas, enviadas entre os meses de janeiro a novembro de quarenta e quatro. Naquela época o serviço de entrega de cartas era bastante limitado, o fato de que os regimentos viviam mudando de lugar também não ajudava, até separar por local, batalhão, eram meses de espera. Ávida por mais daquela história, coloquei todas em ordem cronológica e enchi de novo a taça com o vinho... França, 25 de janeiro de 1944 Inesquecível Claire... ... Não faz nem um mês que nos casamos e já sinto tua falta como se houvessem se passado vários anos. A saudade é um martírio e as doces lembranças que guardo comigo são um alento para esse coração sofrido. Não passa um só dia sem que eu não pense em você, não me lembre do som da sua doce voz, não me recorde do s
Acordei no susto com alguém praticamente esmurrando a porta da minha casa. Apoiei-me nos cotovelos meio desorientada, eu tinha dormido no sofá da sala, com a TV ligada e as cartas no meu colo. Lembrei-me que fiquei relendo elas até adormecer exausta. Bateram mais uma vez e levantei meio grogue ainda de sono.– Já vai! – gritei bocejando e tentando prender meu cabelo enquanto ia até lá. Chase veio junto comigo e quase caí pra trás de susto ao ver Gabby e Becca na minha frente.– Surpresa! – as duas gritaram e gritei também em um reflexo.– Amiga, você foi atropelada por um elefante?– Bom dia pra você também Gabby. Cumprimentamo-nos com beijos e abraços.– Sua cara ta horrível.– Ta tão feia assim? – perguntei olhando pra Becca que sorriu. – Você sabe que a Gabby é exagerada amiga, não há nada que
– Então? O que achou? – perguntei tentando segurar a empolgação enquanto Ted lia as cartas. Esse assunto me consumiu o fim de semana inteiro, não conseguia parar de pensar no que poderia ter acontecido com Claire, Ronald e seu filho. Já coloquei em minha cabeça que vou procurá-la e achá-la, e nada vai me fazer mudar de ideia.– São muito boas Jessie. – Ted disse por fim e soltei o ar, me sentindo aliviada.– Eu sabia que você ia gostar! – puxei a cadeira e me sentei de frente pra ele. – Eu já tenho muitas ideias, podemos fazer uma matéria sensacional! Publicá-las, e...– Jessie...– Pode ser a matéria de capa!– Jessie...– Imagine o quanto essa história vai inspirar as pessoas!– Jessie, nós não podemos publicar essas cartas.– Por que não? – perguntei sentindo parte de minha euforia evaporar. – Porque precisamos de uma autorização por escrita d
Quinta feira à tarde, um trânsito infernal. Um percurso que faço normalmente em quarenta minutos, levei mais de uma hora pra chegar a Bayside. Estacionei o carro na garagem e já ouvi os latidos de Chase dentro de casa. Entrei e foi aquela festa.– Oi meu amor. Deixei as compras em cima da mesa e ele pulou no meu colo.– Eu também tava com saudades de você. Coloquei comida e água pra ele e fui tomar banho. Respondi as mensagens que tinham no meu celular e deixe carregando. Até agora não tive nenhuma resposta de Dory Green sobre o antigo morador da casa. Ted já até me cobrou algum resultado, mas não tenho nada. Depois do banho, vesti meu pijama confortável de algodão e fui preparar algo pra comer. Optei por uma salada leve e um chá gelado pra acompanhar. Fiz meu prato e fui comer assistindo TV. Chase deitou no tapete me fazendo companhia. Estava assistindo ao noticiário quando bateram na porta e levei um susto. Estranhei o horário, pois já
– Eu vim pegar as cartas de minha avó, Claire Wright-Jones. Eu fiquei olhando pra cara dele, ainda sem acreditar direito.– Você... Você é neto dela! Da Claire! Eu li e reli aquelas cartas tantas vezes que me sentia próxima a eles, Claire e Ronald. Era como se eu participasse da história deles, um personagem que estava ali, um coadjuvante apenas observando. – Sim, Christian Wright-Jones. – disse sério estendendo a mão e eu aceitei.– Muito prazer. Seu aperto era firme e sua mão estava um pouco gelada. Era uma mão forte, de quem estava acostumado a trabalhar duro.– Ah, por favor, entre, fique a vontade. Dei passagem e ele entrou, Chase pulou em cima do homem e eu corri pra ti
O domingo tava tão lindo que liguei para as garotas e fomos ao Queens Botanical Garden, um jardim botânico no bairro de Flushing, há alguns minutos de distância daqui. – Até agora eu não acredito que ele foi tão grosso assim. – Becca comentou revoltada. Eu contava para elas sobre a visita não tão agradável de Christian Wright-Jones enquanto observávamos sentadas na grama Betty e Chase correndo e se divertindo.– Pois é, eu não sei como conseguir me controlar e não jogar algum objeto pesado nele.– Deveria ter jogado chica. – Gabby comentou aproveitando os raios de sol e acabamos rindo.– Aí eu seria processada amiga, ele já estava doido para fazer isso. Me ameaçou que faria caso visse alguma publicação sobre a sua família. – Eu avisei, não avisei? Que era melhor deixar isso quieto do que correr atrás.– Gabby!– Deixa Becca, ela tem razão. Eu deveria ter queimado aquelas cartas depois de ler. Mesmo não querendo admitir,
Essa semana foi infernal. Não tive tempo para nada, mal chegava em casa e tomava um banho e me jogava na cama, adormecendo imediatamente. Gabby e Becca tanto insistiram que conseguiram me convencer a ficar no Brooklyn e ir para uma balada com elas na sexta à noite. Já trouxe Chase quando vim trabalhar e deixei na casa dos meus pais, não podia deixá-lo sozinho em casa, não sei que horas chegaria no sábado. Minha mãe não gostou muito, mas ela era voto vencido. No final do expediente, Ted chamou a todos nós para brindar ao excelente trabalho da semana, os resultados foram satisfatórios. Nora teve uma ideia sensacional para a edição de sexta, o que nos salvou, e é claro que ela teve o reconhecimento merecido. Depois do brinde, fui embora e quando entrei no carro, meu celular tocou, era a Becca. Atendi e manobrei pra sair do estacionamento.– Oi doutora.– Já saiu da editora?– Saindo agora. – Ótimo, meu plantão acaba daqui a pouco também
Tentei trabalhar o resto da manhã, mas aquele assunto não saía do meu pensamento, e volta e meia meu olhar caía sobre o buquê vermelho. Fui almoçar e quando voltei, ele ainda estava lá, me deixando inquieta. Já impaciente, decidi pedir uma opinião confiável e liguei para a Becca, talvez ela me ajudasse a resolver esse conflito interno em que eu me encontro nesse momento. Quando eu estava quase desistindo, ela atendeu.– Oi amiga, tudo bem? – sua voz soou alegre.– Oi, tudo ótimo e você? Ta ocupada?– Tudo bem também, tava em uma consulta, mas posso falar agora. – Becca eu preciso de sua opinião.– Se eu puder ajudar, o que houve?– Nesse momento eu estou olhando para um enorme buquê de rosas vermelhas em cima da minha mesa de trabalho.– Quem te deu flores Jessie?! – Becca perguntou surpresa. – Christian Wright-Jones.– Oi? Espera, eu acho que nã