Capítulo Dois

Casa nova, vida nova. Não é o que sempre dizem? Espero que comigo seja realmente assim.  

Até agora, o pouco que eu vi de Bayside me agradou e muito. Belas casas, muita área verde e longe do centro caótico do Brooklyn onde eu morava, e isso já contava muitos pontos a favor.

Chase também parecia estar adorando, todo dia de manhã antes de sair para trabalhar, eu o soltava e deixava correr livremente pelo gramado para exercitar. Ele passava o dia todo trancado em casa enquanto eu trabalhava, merecia esse esforço da minha parte.

Fiz uma sopa rápida para jantar e me joguei no sofá procurando algo para assistir na TV. Chase deitou aos meus pés.

Meu celular começou a tocar em cima da mesinha de centro e atendi vendo que era minha irmã Betthany.

– Hei Betthy!

– Oie maninha. Ta em casa?

– Sim, descanso merecido e você?

– Estudando o máximo que posso, quero arrasar nas provas finais e conseguir uma ótima nota pra faculdade.

– O que eu disse a você sobre estudar de mais Betthany? Você precisa se distrair, não pode passar o dia todo enfiada dentro do quarto.   

– Eu sei, mas mamãe ta tão chata que ta difícil suportar, quero entrar logo pra faculdade e ir para os dormitórios, não aguento mais ficar aqui.

Sua voz estava triste e amargurada, sei bem como é isso. Nossa mãe é superprotetora e um pouco paranoica.

– Agora ela só vive falando que você se mudou pra longe, não se importa com a família. E eu acho que você está mais do que certa em ter feito isso.

– Betthy tenha calma, tudo vai se resolver. E eu não estou tão longe, Mill Basin fica a quarenta minutos de Bayside, não é como se eu estivesse em outro país.

– Eu sei, papai sabe, mas vai dizer isso pra ela. Ela vai acabar ficando louca, isso sim.

– Betthany não fale assim, ela pode ser o que for, mas é nossa mãe e se preocupa com a gente, tenha calma e paciência.

– Desculpe, as provas finais estão me deixando no limite.

– Tudo bem e procure sair mais, se divertir, vai lhe fazer bem.

– Tudo bem, hei mana, a pizza chegou, té mais.

– Tchau, beijo.

Eu e ela temos uma diferença de idade de dez anos, mas isso nunca foi problema, sempre fomos parceiras uma da outra e Betthy sofreu muito quando eu saí de casa, mas foi necessário, mamãe estava começando a me enlouquecer, assim como está fazendo com ela. Dona Sharon era o tipo de mãe que se pudesse manteria as filhas para sempre embaixo de suas asas.

Quando saí de casa tinha acabado de fazer vinte e quatro anos e já trabalhava como repórter na Woman Entertainment, aluguei um pequeno apartamento no centro do Brooklyn e me mudei, já não aguentava mais a superproteção da minha mãe. Eles continuam morando em Mill Basin, longe do centro. 

Quatro anos se passaram e graças ao meu excelente trabalho fui promovida a editora-chefe da revista e sou uma das pessoas de confiança de Theodore Wintrop, o dono e presidente da editora Wintrop.

Sempre quis comprar minha casa e juntei bastante dinheiro pra isso, economizava no que podia para realizar esse sonho e graças a minha querida avó, pude enfim concretizá-lo. Ela morreu há alguns meses e deixou uma herança bastante gorda para mim e para Betthany, minha irmã guardou a parte dela para a faculdade de veterinária que queria fazer, eu claro, juntei ao dinheiro que já tinha guardado e fui procurar o meu lugar ideal.

Depois de muito pesquisar, decidi que queria sair do Brooklyn, respirar novos ares e achei o lugar perfeito em Bayside no Queens. A casa dos meus sonhos.

O latido de Chase me fez voltar para a realidade e percebi que ele queria ir lá fora. Deixei a porta da cozinha aberta e voltei pra sala. Só de olhar para aquelas caixas me dava preguiça de arrumá-las.

Eu poderia deixar para amanhã, mas não estou com sono e nem tenho nada pra fazer agora, posso pelo menos começar. Fui abrindo e colocando as coisas no lugar, deixando as vazias empilhadas perto da porta.

Alguns itens como decorações de Natal entre outras coisas decidi guardar no sótão. Juntei tudo em uma caixa só e subi a escada indo para o final do corredor. O acesso ao sótão era por um alçapão preso ao teto, um gancho o puxava para baixo e descia a escada embutida.

Subi devagar equilibrando a caixa em meus braços. Eu só tinha entrado aqui uma vez desde que me mudei no sábado passado e vi que tinha muita coisa que precisava ser jogada fora, deixadas pelos antigos donos, mas até então não tive tempo. Coloquei a caixa no chão e acendi a pequena lâmpada presa a parede. Já estava começando a cheirar a mofo por ser úmido e escuro. Empurrei a caixa até encostá-la na parede e quando me virei tropecei em um banco derrubando algumas caixas que estavam empilhadas.

– Droga! – murmurei tentando ajeitar tudo.

Quando ia pegar uma pequena caixinha de madeira para colocar no topo, esta soltou a tampa e seu conteúdo caiu no chão, cartas amareladas bem antigas amarradas com um barbante.

Curiosa, peguei a cartas e tentei ler alguma coisa, mas a luminosidade era pouca. Voltei para a sala e trouxe-as comigo.

Chase continuava lá fora se divertindo e deixei mais um pouco, a noite estava agradável e o muro que cercava o quintal era bem alto, não oferecia perigo. Peguei uma garrafa de vinho e uma taça e voltei para a sala.

As cartas estavam em cima da mesinha de centro e peguei-as com cuidado, o papel parecia bastante velho e já estava muito desgastado. Desamarrei o barbante e peguei uma. O remetente era de um homem chamado Ronald Wright-Jones e a destinatária era Claire Wright-Jones. Estava aberta e não contive a curiosidade em pegar a folha escrita a mão para ler.

A primeira coisa que chamou minha atenção foi a data, vinte de abril de mil novecentos e quarenta e quatro. Olhei as datas das outras e todas eram do mesmo ano, todas aquelas cartas foram escritas na época da Segunda Guerra Mundial!

Meu instinto de jornalista falou mais alto e me pus a ler aquelas linhas, a introdução fazendo meu coração disparar...

Itália, 20 de abril de 1944

Inesquecível Claire...

... Minha amada e adorada esposa, não imagina o quanto estou sentindo a tua falta, os dias têm sido frios e solitários sem beijar os seus lábios, sentir seu cheiro, tocar em sua pele macia e cheirosa. Sua última carta trouxe paz e alegria ao meu coração, saber que você e minha família estão bem é o que me mantém de pé neste ambiente que cheira a morte.

Estamos avançando cada vez mais o território inimigo e a cada investida vejo meus companheiros morrerem pelas mãos daqueles nazistas infelizes. Peço-lhe que reze por essas pobres almas, para que encontrem o descanso merecido. Você sempre foi tão cheia de luz, tão benevolente e tão crente em coisas boas, acreditou em mim quando eu mesmo não o fiz isso. Rezo para que esta maldita guerra acabe logo e eu possa voltar para o conforto dos seus braços, para o aconchego do nosso lar.

Com todo o meu amor, do seu Ronald.

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