Impedidos de Amar
Impedidos de Amar
Por: Larissa Braz
Prólogo

Matheus encarava a plaquinha de numeração 1103 no cemitério. Mal tinham tido dinheiro para enterrar o pai, quem diria fazer uma lápide para ele. Não que o homem merecesse, pois, nem de longe merecia. Ele machucava a sua mãe sempre que bebia, o que era com grande frequência. E o machucava mesmo que não estivesse alcoolizado, talvez por puro prazer. O pai odiava o fato do filho ser tão inteligente e querer estudar.

Matheus estava no segundo ano do curso de Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o pai teve um infarto na calçada do bar. Ele desejava uma vida melhor para si e a sua família, ansiando por sair da Comunidade da Rocinha e morar em um lugar onde, no meio da noite, não houvesse trocas de tiros. Matheus era uma vítima do sistema, e mesmo sendo tentado diversas vezes, não cedeu ao crime. Porém, ser resistente não seria mais possível. Ele precisava comer. Precisava alimentar a sua mãe e a irmã.

Quando chegou em casa, olhou para o sofá e viu a mãe adormecida. Caminhou até a cozinha e viu as panelas vazias. O seu pai era um traste abusador, mas ao menos colocava o mínimo na mesa e isso agora eles não tinham mais. Ele guardou a mochila no seu quarto. Gabriela não estava em casa, devia estar em algum casebre enroscada no maldito namorado. Matheus saiu e foi até a velha casa que todos chamavam de Boca 1. Era lá onde o grande comandante do morro passava boa parte do dia. Rafa, seu melhor amigo, também ficava ali. Conheciam-se desde a infância. Enquanto um escolheu o fuzil, o outro escolheu os livros.

— Rafa — chamou ao se aproximar.

— E ae, Matheusinho — o menino disse sorridente, indo ao encontro do amigo.

precisando de um favorzão — falou Matheus.

— Fala ae. — Enquanto lhe dava toda a sua atenção, segurava a arma à frente do corpo com total afinidade. Chegava a ser assustador. Aquilo não era uma bola de futebol ou um copo de Coca-Cola. Era uma arma de fogo! E não estava ali por acaso, era para matar alguém, se necessário.

— As coisas tão difíceis lá em casa. Depois que o velho morreu, tu sabe como é. Preciso tomar iniciativa, a gente tem que comer.

Rafa o encarou com a sobrancelha esquerda arqueada e um olhar desconfiado. Ele já havia visto outros chegarem até ele exatamente com esse papo e a mesma feição rendida. Sabia o que viria a seguir. Sentiu-se triste por isso. O seu melhor amigo não era como ele, um rapaz com as mãos sujas e a vida perdida. Rafa sempre se orgulhava muito de que Matheus era universitário na federal. Enchia a boca para contar para todo mundo.

Coé, Matheus? Onde tu quer chegar? — No fundo, recusava-se a acreditar.

— Eu não tenho escolha — disse Matheus de cabeça baixa.

— Tem sim! Por que tu num tenta emprego lá embaixo? — Aproximou-se mais dele.

— Faz uma semana que ando por toda cidade e não consegui nada. Sou preto, de comunidade e não tenho experiência. Acha mesmo que vou conseguir um trampo fácil? A geladeira vazia, cara — falou um tanto desesperado.

Rafael coçou a barba por fazer e respirou fundo. Olhou para casa atrás dele e depois para o amigo. Sentiu um aperto no peito.

— Deixa eu te ajudar. Posso te dar uma grana.

— Pode me ajudar hoje. E na próxima semana? E o mês que vem? Não pode me ajudar pra sempre.

Tu sabe que uma vez dentro, não fora mais. — Respirou fundo, sentindo enorme tristeza.

Matheus assentiu.

— Beleza. Entra ae. Bora trocar uma ideia com o Bodão.

Deu dois tapinhas no ombro dele com piedade e o acompanhou para dentro da casa. Caio, ou Bodão como todos chamavam, comandava o morro há mais de dez anos. Ele gostava de Matheus, o viu crescer. Achava ele ótimo com números e sempre o quis junto dele. Por muitas vezes ofereceu-lhe o que podemos gentilmente chamar de emprego, mas que sempre fora recusado. Com o tempo, percebeu que Matheus não seria corrompido, então desistiu.

Bodão estava sentado em uma cadeira e fumava um cigarro enquanto contava notas de dinheiro. Separava-as em pequenos montinhos sobre uma grande mesa gasta de madeira que ficava onde era para ser a sala de TV daquela velha casa. Quando viu Rafa entrar com Matheus, parou e encarou os dois com um olhar surpreso.

— Ora, ora. A quem devo o prazer da visita? — Retirou o cigarro da boca, escorando-se na cadeira.

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