Três anos e quatro meses depois...Aos pés da Barbara, caíam mechas de cabelo que estavam sendo cortadas por ela mesma no banheiro do seu quarto. Os cabelos longos já não mais a conquistava faz alguns anos. Depois que se mudou para Argentina, as madeixas não mais passaram da altura dos seus seios. Agora ela experimentava outro visual. Cortava as mechas um pouco baixo das orelhas. Barbara não era mais uma jovem mimada. Mas sim uma grande mulher, dona do seu próprio nariz, casada e mãe.Após limpar o chão, ela se vestiu e desceu para o andar de baixo da casa que morava em Bariloche. Lá fora, no jardim, uma festa estava sendo preparada. Nina Maria, a vida que gerou com Matheus, completava três anos naquele lindo dia.— Mami! — gritou Nina, correndo na sua direção e abraçando a cintura da mãe. — Estás muy linda, mami.— Obrigada, meu amor. — Acariciou os cachos da filha, que muito se parecia com o seu pai, com exceção dos olhos, é claro. Foi a única coisa que a bela Nina Maria herdou da b
Matheus encarava a plaquinha de numeração 1103 no cemitério. Mal tinham tido dinheiro para enterrar o pai, quem diria fazer uma lápide para ele. Não que o homem merecesse, pois, nem de longe merecia. Ele machucava a sua mãe sempre que bebia, o que era com grande frequência. E o machucava mesmo que não estivesse alcoolizado, talvez por puro prazer. O pai odiava o fato do filho ser tão inteligente e querer estudar.Matheus estava no segundo ano do curso de Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o pai teve um infarto na calçada do bar. Ele desejava uma vida melhor para si e a sua família, ansiando por sair da Comunidade da Rocinha e morar em um lugar onde, no meio da noite, não houvesse trocas de tiros. Matheus era uma vítima do sistema, e mesmo sendo tentado diversas vezes, não cedeu ao crime. Porém, ser resistente não seria mais possível. Ele precisava comer. Precisava alimentar a sua mãe e a irmã.Quando chegou em casa, olhou para o sofá e viu a mãe adormecida. C
— Matheusinho quer falar contigo — disse Rafa, saindo e os deixando a sós.— Como vai a sua irmã? — Bodão sorriu de maneira provocante.— Ela tá bem.— Diz ae? O que tu quer?Matheus abaixou a cabeça. Sentiu o corpo estremecer e as mãos suarem frio. Um grande nervoso o tomou. O coração batia rápido, deixando-o levemente ofegante. Esfregou as mãos uma na outra, umedeceu os lábios e engoliu em seco o pavor que causava um nó na sua garganta. Ergueu os olhos para o grande homem à sua frente e, com a voz entrecortada, começou a gaguejar:— Tô-tô-tô... — Parou e respirou fundo. — Tô precisando de emprego — conseguiu dizer por fim.Matheus ergueu novamente a cabeça em direção à figura tão peculiar à sua frente. Caio era grande, tinha quase dois metros de altura, e isso era bastante intimidador. Era preto, muito forte e tinha o seu corpo coberto por centenas de tatuagens. Algumas eram lembranças das suas passagens na prisão. Havia até desenhos indecifráveis no rosto, que também era adornado p
Barbara estava atrasada. Chegou ao evento estacionando a sua Lamborghini em frente ao hotel Copacabana Palace. Aquela seria mais uma noite glamorosa entre muitas das quais já estava de saco cheio. Vários fotógrafos na entrada a acertaram com uma chuva de flashes. Ela sorriu para alguns, mesmo sentindo-se plenamente incomodada, enquanto seguia para livrar-se deles. Mas antes de cruzar a porta, olhou desdenhosa para tudo aquilo. Ela não entendia o porquê precisava de tanto luxo para um simples encontro entre empresários. Eles não eram nenhum astro de cinema ou Dalai-lama, eram apenas pessoas com muito dinheiro conhecidas pela minoria do país a qual pertencem.Ela entrou e viu a quantidade de gente ali. Era um grande exagero. Duvidou que o seu pai conhecesse um terço daquelas pessoas. Embora gostasse do acesso fácil ao dinheiro e de poder ter todos os dias da semana livre, Barbara jamais se curvaria ao dinheiro como muitos naquela festa faziam, vendendo a sua dignidade e caráter. Como, n
Eles caminharam até o grupo com quem o seu pai conversava antes. A mulher diante dela a olhou dos pés à cabeça com desdém e uma pitada de inveja. Ela claramente também não havia gostado do vestido da Barbara, que pouco se importava com a opinião alheia.— Barbara, estes são Cássio e Miranda Correa, do Grupo Solos.— É um prazer conhecê-los. — Apertou as mãos de ambos com um mínimo sorriso forçado nos lábios.— O seu pai fala maravilhas sobre você. — Cássio sorriu simpático.A mulher nada lhe disse, ainda a avaliava com uma expressão que diria agora ser de nojo e estranheza.— E este é Edgar, o filho deles.Só então Barbara olhou para o lado. Ela não havia notado o homem à sua esquerda. Ele era alto, branco, cabelo castanho-claro e olhos amendoados. Tinha um belo sorriso que marcava o canto direito dos seus grossos lábios. Era um homem bonito, por assim dizer.— Muito prazer, Barbara. — Estendeu a mão para ela.— Olá, Edgar.Colocou a mão sobre a dele. Edgar a levou até os seus lábios
Os dois levantaram-se, mas antes que fossem embora, Barbara bebeu tudo o que restava do uísque em um só gole. Eles saíram de fininho e, mesmo que alguém na saída os notasse, nada seria dito aos meninos ricos. Barbara o levou até o seu carro no estacionamento privado.— Você dirige uma Lamborghini? — perguntou impressionado, ficando com a boca aberta.— O que esperava?— Uma SVU, talvez.Ela riu do quanto patético Edgar era. Nem de longe é alguém por quem ela sentiria desejo de beijar.— Espere um minuto.Ela entrou no carro e pegou uma bolsa no banco ao lado. Com muita dificuldade, devido ao teto baixo, trocou de roupa. Definitivamente, aquele vestido não era apropriado para um baile na comunidade. Ela o substitui por uma saia de seda branca e um top de lantejoulas prateadas, mantendo a sandália preta. Retirou as joias e colocou um par de brincos de prata. Ajeitando os cabelos com os dedos, saiu do carro.— Uau! — disse Edgar com a mão no queixo, vendo-a mais sensual do que antes.— V
Barbara desceu da moto e logo Edgar chegou. O penteado dele já não estava mais tão alinhado.— Valeu — disse ela ao piloto.— As ordens. — Piscou para ela, que sorriu.Respirou fundo e olhou atentamente ao redor. Por toda parte, homens armados.— Estou começando a achar que tudo isso é loucura — disse Edgar, chegando mais perto dela.— Não surta. Já estamos dentro. O que pode dar errado?Ele suspirou e guardou as mãos no bolso.— E para onde vamos agora, garota favela?— Shhh — fez para ele, o encarando de cara feia. — Se disser essa palavra mais uma vez, será chutado daqui com uma bala na bunda.Sim, ela estava errada. Com Edgar, alguma coisa poderia dar errado. Ele olhou para ela tentando disfarçar a cara assustada.— Vai pra onde, bacana? — perguntou um rapaz ao aproximar-se deles. Ele tinha um fuzil na mão, portava aquilo como quem segurava um celular. Barbara engoliu em seco, percebendo que ele nem sequer tentava esconder a arma. Embora pelo tamanho era impossível prendê-la no có
O homem subiu para parte alta da quadra. Ela entendeu que ali era o camarote e suspeitou que ele devia ser o dono do morro, ou chefe. Não tinha certeza de como o chamavam. Os grandes braços tatuados apoiaram-se na grade do parapeito. Ele não conseguia parar de encará-la com uma feição séria e mandíbula contraída. Barbara desviou os olhos e puxou os braços do Edgar, virando-o para ela.— Vamos embora, está na hora! — gritou no seu ouvido.Ele continuou a dançar e negou com a cabeça a sua intimação.— Nem pensar — gritou de volta.— Edgar, por favor. Nós temos que ir!Negou com um aceno mais uma vez.— E ae, branquinha — disse um homem ao chegar por detrás dela. Barbara virou-se rápido e assustada. — O chefe mandou tu subir.Edgar parou e colocou-se à frente dela.— O que foi, irmão? Ela está comigo. — Puxou Barbara para ele, agarrando-a pela cintura.— Irmão é o caralho! — gritou, empurrando Edgar, que quase foi ao chão. — Vê se não fica no caminho! — Aquilo foi uma ameaça.Segurou fir