Todos retornaram para o morro. Quando os carros pararam em frente à Boca 1, Matheus desceu ajudando Barbara a sair. Do outro lado da rua, estava Letícia. Quando ela viu Barbara, grávida, o seu queixo foi ao chão. Ela não conseguia crer naquilo que via. Uma enorme tristeza a preencheu. Gabi se aproximou da amiga e segurou a sua mão.— Ele está muito feliz. Você também vai ser muito feliz, só não com ele.Letícia olhou para ela e, em silêncio, seguiu cabisbaixa para casa. Ela sabia que Gabriela tinha razão. Ela seria feliz, mas não com ele. Às vezes, tentar forçar um amor não é a coisa mais correta a se fazer consigo mesmo. É egoísmo, autossabotagem e ilusão. Na vida é preciso saber a hora de parar e se retirar. E ela estava parando de insistir naquilo que nunca daria certo. Estava se retirando da vida de alguém que nunca a deixou entrar de verdade. Talvez toda a química que ela acreditava que eles tinham, existia apenas na sua cabeça. Aquilo tudo não passava de uma fantasia. Uma paixão
Antes que o sol saísse para brilhar, Caio já estava de pé. Ele subiu o morro até a masmorra, em silêncio, sério e sozinho. As poucas pessoas que passaram por ele no caminho naquela manhã, não se atreveram a falar nada. A feição tenebrosa que carregava, deixava denso o ar à sua volta. Quando ele chegou ao local onde os corpos são carbonizados e onde Matheus ficou encarcerado, o homem que ali estava se colocou rapidamente de pé.— Bom dia, chefe.— Abra. — Foi tudo o que ele disse.O homem abriu a portinhola e Bodão entrou. Carlos estava ali, somente de cueca, amarrado e amordaçado.— Como foi a estadia? — perguntou, rindo do homem sujo à sua frente, largado no chão podre. — Levem ele para o porão da minha casa. Tenho muito o que fazer com ele.— Sim, senhor.Carlos foi levado para lá e algemado pelo tornozelo a uma pilastra. Bodão entrou e tirou a mordaça da sua boca.— Bem melhor aqui, né?! — perguntou.— Vai se foder! Pessoas virão atrás de mim. Há meses não estou mais sozinho nesse
Na manhã seguinte, Barbara achou mais coisas interessantes salvas no computador, como: fotos, vídeos e prints de mensagens bem comprometedoras para muitas pessoas. Entre as listas de milionários envolvidos, havia alguns sobrenomes que Barbara desconhecia. Ela consultou os sobrenomes no Google e qual não foi o tamanho da surpresa quando descobriu que o juiz, pai do estuprador Gustavo, era um dos dividendos do seu pai. Barbara chegou à conclusão que Cássio fazia em São Paulo, o mesmo que Carlos faz no Rio de Janeiro. E que a união de negócios que o seu pai queria promover, era uma união no tráfico entre os estados. A cada segundo que mexia ali, mais sujo o seu pai se tornava para ela.Assim que Matheus saiu do quarto para ir ver como a mãe estava, Barbara pegou o celular dele e ligou para delegacia onde o delegado havia dado a entrevista.— Polícia Federal. Como posso ajudar? — disse uma mulher ao atender.— Gostaria de falar com o delegado Henrique Siqueira. Ele está?— E quem gostaria
De acordo com o que Henrique ia lendo tudo aquilo, ele ia se chocando cada vez mais. Sempre soube que cada ser humano escondia sua podridão, mas aquela era a maior que vira em dez anos como delegado da polícia.— Meu Deus — disse baixinho, boquiaberto.Barbara fechou o laptop e o pegou para si outra vez.— Isso é só o começo. Esse era o computador dele. Talvez ache mais coisas, é só se dar o trabalho de procurar.— O que você quer por isso?— Minha liberdade!— Posso te oferecer uma identidade nova.— Não quero só isso! — Foi incisiva. Seu olhar era rude e duro e a postura, firme e imponente.— O que você quer, então?— Aquelas filmagens, no condomínio, vão desaparecer. Nenhuma daquelas pessoas, independente da ficha que elas tenham na polícia, vão ser procuradas ou presas. Elas não fizeram nada além de me salvar. Está vendo isso aqui? — Apontou para o hematoma em seu tornozelo. — Carlos fez isso comigo, me acorrentando no chão. E tem mais uma coisa... No meu dinheiro, vocês não mexem
Enquanto isso, na sala de embarque, Barbara olhava berços na internet enquanto esperava pelo seu voo. Matheus se levantou e foi até o bebedouro, pegando um copo d’água. Acima dele, havia uma TV. De repente, o canal interrompeu o programa da manhã para uma notícia urgente. Todos ali olharam para pequena televisão, em alerta.— A Polícia Federal do Rio de Janeiro acaba de efetuar uma prisão no Leblon. A família presa por tráfico de drogas e armas de fogo, foi detida agora pela manhã em uma operação apelidada como Falcon. O delegado da Polícia Federal, Henrique Siqueira, em entrevista, disse que essa é apenas a primeira prisão desta operação a ser efetuada hoje na cidade. Os presos foram identificados sendo Cássio Correa, CEO da Construtora Sollos na grande São Paulo, seu filho, Edgar Correa, e a esposa, Miranda Correa. Mais informações, hoje, às nove da noite, no Jornal Brasileiro. — Enquanto a jornalista falava, imagens da prisão de Edgar eram exibidas na TV. Barbara assistiu ao notici
Três anos e quatro meses depois...Aos pés da Barbara, caíam mechas de cabelo que estavam sendo cortadas por ela mesma no banheiro do seu quarto. Os cabelos longos já não mais a conquistava faz alguns anos. Depois que se mudou para Argentina, as madeixas não mais passaram da altura dos seus seios. Agora ela experimentava outro visual. Cortava as mechas um pouco baixo das orelhas. Barbara não era mais uma jovem mimada. Mas sim uma grande mulher, dona do seu próprio nariz, casada e mãe.Após limpar o chão, ela se vestiu e desceu para o andar de baixo da casa que morava em Bariloche. Lá fora, no jardim, uma festa estava sendo preparada. Nina Maria, a vida que gerou com Matheus, completava três anos naquele lindo dia.— Mami! — gritou Nina, correndo na sua direção e abraçando a cintura da mãe. — Estás muy linda, mami.— Obrigada, meu amor. — Acariciou os cachos da filha, que muito se parecia com o seu pai, com exceção dos olhos, é claro. Foi a única coisa que a bela Nina Maria herdou da b
Matheus encarava a plaquinha de numeração 1103 no cemitério. Mal tinham tido dinheiro para enterrar o pai, quem diria fazer uma lápide para ele. Não que o homem merecesse, pois, nem de longe merecia. Ele machucava a sua mãe sempre que bebia, o que era com grande frequência. E o machucava mesmo que não estivesse alcoolizado, talvez por puro prazer. O pai odiava o fato do filho ser tão inteligente e querer estudar.Matheus estava no segundo ano do curso de Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, quando o pai teve um infarto na calçada do bar. Ele desejava uma vida melhor para si e a sua família, ansiando por sair da Comunidade da Rocinha e morar em um lugar onde, no meio da noite, não houvesse trocas de tiros. Matheus era uma vítima do sistema, e mesmo sendo tentado diversas vezes, não cedeu ao crime. Porém, ser resistente não seria mais possível. Ele precisava comer. Precisava alimentar a sua mãe e a irmã.Quando chegou em casa, olhou para o sofá e viu a mãe adormecida. C
— Matheusinho quer falar contigo — disse Rafa, saindo e os deixando a sós.— Como vai a sua irmã? — Bodão sorriu de maneira provocante.— Ela tá bem.— Diz ae? O que tu quer?Matheus abaixou a cabeça. Sentiu o corpo estremecer e as mãos suarem frio. Um grande nervoso o tomou. O coração batia rápido, deixando-o levemente ofegante. Esfregou as mãos uma na outra, umedeceu os lábios e engoliu em seco o pavor que causava um nó na sua garganta. Ergueu os olhos para o grande homem à sua frente e, com a voz entrecortada, começou a gaguejar:— Tô-tô-tô... — Parou e respirou fundo. — Tô precisando de emprego — conseguiu dizer por fim.Matheus ergueu novamente a cabeça em direção à figura tão peculiar à sua frente. Caio era grande, tinha quase dois metros de altura, e isso era bastante intimidador. Era preto, muito forte e tinha o seu corpo coberto por centenas de tatuagens. Algumas eram lembranças das suas passagens na prisão. Havia até desenhos indecifráveis no rosto, que também era adornado p