Eles caminharam até o grupo com quem o seu pai conversava antes. A mulher diante dela a olhou dos pés à cabeça com desdém e uma pitada de inveja. Ela claramente também não havia gostado do vestido da Barbara, que pouco se importava com a opinião alheia.
— Barbara, estes são Cássio e Miranda Correa, do Grupo Solos.
— É um prazer conhecê-los. — Apertou as mãos de ambos com um mínimo sorriso forçado nos lábios.
— O seu pai fala maravilhas sobre você. — Cássio sorriu simpático.
A mulher nada lhe disse, ainda a avaliava com uma expressão que diria agora ser de nojo e estranheza.
— E este é Edgar, o filho deles.
Só então Barbara olhou para o lado. Ela não havia notado o homem à sua esquerda. Ele era alto, branco, cabelo castanho-claro e olhos amendoados. Tinha um belo sorriso que marcava o canto direito dos seus grossos lábios. Era um homem bonito, por assim dizer.
— Muito prazer, Barbara. — Estendeu a mão para ela.
— Olá, Edgar.
Colocou a mão sobre a dele. Edgar a levou até os seus lábios e beijou o dorso. Aquilo foi bastante galanteador, mas ele não chamaria a atenção de Barbara comportando-se como um homem em mil e oitocentos. Ela sabia que essa pompa era falsa. Nunca havia namorado e procurava mais em um homem do que apenas cortesia forçada e herança.
Ela puxou a sua mão de volta e o avaliou enquanto ele falava com os pais. Edgar tinha uma conversinha mansa e era sempre todo risonho e cordial. Barbara sorriu com desdém para aquilo. Ele até poderia enganar os pais com aquele corte de cabelo social alinhadinho, mas não a enganava. Podia até ser um bom moço diante de todos, mas ela conseguiu ver rapidamente quem ele era de verdade. Já havia conhecido um monte deles na alta sociedade. Mas Edgar tinha um cheiro diferente. Ele não cheirava apenas a burguês safado e garoto mulherengo. Cheirava a problema.
Carlos estava animado em ter apresentado eles um ao outro. Um casamento entre grandes fortunas era tudo o que ele queria. E aquele sem dúvida foi o melhor partido que conseguiu até o presente momento. Barbara viu a alegria e satisfação no fundo dos seus olhos. Sentiu-se observada e olhou novamente para Edgar, que a olhava distraído, percorrendo lentamente os olhos por ela. A sua língua rosada umedeceu os lábios quando fitou o decote. Os olhos dele encontraram os dela, que piscou para ele. Casamento, jamais. Encontros animados, talvez. Já que não podia lutar contra essa merda, ela sempre tentava tirar o melhor proveito de tudo.
— Por que não vão conversar? — sugeriu Carlos. — Aposto que vocês têm muito em comum. — Riu.
Só se for o fato de sermos herdeiros, pensou Barbara.
— Ótima ideia! — disse Edgar, animado. — Uma bebida? — perguntou-lhe, que deu de ombros virando-se em direção ao bar.
Ele repousou a mão na base da sua coluna e a guiou pelo caminho. Puxou o banco para que ela se sentasse e acomodou-se ao seu lado em seguida.
— Uma dose de uísque doze anos e uma água com limão para senhorita — pediu ele ao barman.
— Não! — disse Barbara em tom firme, fazendo o homem atrás do balcão parar. — Vou querer o mesmo que ele.
Edgar a olhou surpreso.
— Certo — respondeu o barman.
— Tudo bem — disse o seu acompanhante, sorrindo com sarcasmo. No fundo, ele duvidava de que ela daria conta de beber aquela dose.
Os copos foram colocados à frente deles. Edgar pegou o seu e o levantou em direção ao dela para um brinde. Sem saber ao que estavam brindando, Barbara tocou a borda do seu copo no dele antes de dar o primeiro gole.
— E então, Barbara... O que tem na cidade maravilhosa que não tem em São Paulo?
Ela deu-lhe um risinho arteiro.
— Muitas coisas. Tudo aqui é diferente. Eu adorava São Paulo, mas só até me mudar para cá. Prefiro o calor do Rio de Janeiro. Já esteve aqui antes?
— Já, mas só a negócios com o meu pai. O que tem de divertido para fazermos por aqui que não seja essas festas de milhões?
Ela encarou-o com um olhar divertido e sorriu de maneira sedutora.
— Quer mesmo saber?
Ele assentiu.
— Bailes em comunidades. Eu já fui a alguns com uma amiga. É sempre muito divertido.
Edgar arregalou os olhos para ela e riu espantado.
— Favelas? — Havia um tom desdenhoso na voz.
— Comunidades! — corrigiu-o.
— Já foi mesmo a festas nesse lugar? — perguntou incrédulo, duvidando que uma patricinha como ela tivesse mesmo ido.
— Por quê? Não posso? — Encarou-o.
Ele riu balançando a cabeça em negativa, como se tentasse colocar os pensamentos em ordem outra vez.
— Deixa eu ver se entendi. Filha única, princesinha do papai, rica e que adora uma favela?
— Comunidade! — corrigiu-o novamente.
— Não imaginei isso. Achei que fosse do tipo que preferia shopping e viagens para Paris.
— Eu amo ir ao shopping, mas só os visito apenas durante o dia. E detesto Paris. Só tem ratos e superlotação o ano todo.
Edgar deu mais um gole na bebida.
— Bom... Então me mostre a noite carioca. — Alisou o braço dela com as pontas dos dedos, que se remexeu para o lado, afastando do seu toque.
— Não abusa.
Ele ergueu a mão para o alto em sinal de redenção.
— Sim, senhora.
— Adoraria te enfiar em uma comunidade e ver você ficar apavorado com uma realidade bem distante da sua, mas não podemos sair da festa.
— Você é do tipo que segue as regras? Não parece. E se nós as quebrasse essa noite? — perguntou ele, olhando para onde estavam os seus pais.
Barbara olhou para ele e depois para Carlos. O pai estava de costas para eles, não os veria saindo se fossem agora. Ela adoraria quebrar as regras naquela noite entediante. Tinha ouvido falar de um baile que aconteceria na Rocinha. Ela nunca tinha ido lá, porque não era um morro pacificado. E como mulher e herdeira de uma grande fortuna, era preciso ter o mínimo de cuidado consigo. Mas talvez hoje fosse o dia, afinal, ela não estaria sozinha ou em outra companhia feminina. Homens costumam respeitar com grande facilidade a figura de outro homem. E, quem sabe, Edgar ao seu lado faria com que ela fosse minimamente respeitada naquele lugar e dessa forma a oferecesse um pouco de segurança.
— Eu topo! — respondeu animada.
Os dois levantaram-se, mas antes que fossem embora, Barbara bebeu tudo o que restava do uísque em um só gole. Eles saíram de fininho e, mesmo que alguém na saída os notasse, nada seria dito aos meninos ricos. Barbara o levou até o seu carro no estacionamento privado.— Você dirige uma Lamborghini? — perguntou impressionado, ficando com a boca aberta.— O que esperava?— Uma SVU, talvez.Ela riu do quanto patético Edgar era. Nem de longe é alguém por quem ela sentiria desejo de beijar.— Espere um minuto.Ela entrou no carro e pegou uma bolsa no banco ao lado. Com muita dificuldade, devido ao teto baixo, trocou de roupa. Definitivamente, aquele vestido não era apropriado para um baile na comunidade. Ela o substitui por uma saia de seda branca e um top de lantejoulas prateadas, mantendo a sandália preta. Retirou as joias e colocou um par de brincos de prata. Ajeitando os cabelos com os dedos, saiu do carro.— Uau! — disse Edgar com a mão no queixo, vendo-a mais sensual do que antes.— V
Barbara desceu da moto e logo Edgar chegou. O penteado dele já não estava mais tão alinhado.— Valeu — disse ela ao piloto.— As ordens. — Piscou para ela, que sorriu.Respirou fundo e olhou atentamente ao redor. Por toda parte, homens armados.— Estou começando a achar que tudo isso é loucura — disse Edgar, chegando mais perto dela.— Não surta. Já estamos dentro. O que pode dar errado?Ele suspirou e guardou as mãos no bolso.— E para onde vamos agora, garota favela?— Shhh — fez para ele, o encarando de cara feia. — Se disser essa palavra mais uma vez, será chutado daqui com uma bala na bunda.Sim, ela estava errada. Com Edgar, alguma coisa poderia dar errado. Ele olhou para ela tentando disfarçar a cara assustada.— Vai pra onde, bacana? — perguntou um rapaz ao aproximar-se deles. Ele tinha um fuzil na mão, portava aquilo como quem segurava um celular. Barbara engoliu em seco, percebendo que ele nem sequer tentava esconder a arma. Embora pelo tamanho era impossível prendê-la no có
O homem subiu para parte alta da quadra. Ela entendeu que ali era o camarote e suspeitou que ele devia ser o dono do morro, ou chefe. Não tinha certeza de como o chamavam. Os grandes braços tatuados apoiaram-se na grade do parapeito. Ele não conseguia parar de encará-la com uma feição séria e mandíbula contraída. Barbara desviou os olhos e puxou os braços do Edgar, virando-o para ela.— Vamos embora, está na hora! — gritou no seu ouvido.Ele continuou a dançar e negou com a cabeça a sua intimação.— Nem pensar — gritou de volta.— Edgar, por favor. Nós temos que ir!Negou com um aceno mais uma vez.— E ae, branquinha — disse um homem ao chegar por detrás dela. Barbara virou-se rápido e assustada. — O chefe mandou tu subir.Edgar parou e colocou-se à frente dela.— O que foi, irmão? Ela está comigo. — Puxou Barbara para ele, agarrando-a pela cintura.— Irmão é o caralho! — gritou, empurrando Edgar, que quase foi ao chão. — Vê se não fica no caminho! — Aquilo foi uma ameaça.Segurou fir
— Vai com calma, Fred! — disse Matheus, segurando-o pelo ombro.O homem o respeitou, o que fez Barbara entender que ele não era apenas mais um morador dali. Ele tinha sua hierarquia naquele comando. Talvez isso explicasse o motivo pelo qual eles foram autorizados a entrar com a aprovação dele. Ela puxou Edgar da multidão e escada abaixo, mas ele era teimoso e queria voltar.— Pare! Se voltar para lá, vai sair daqui em um caixão!Edgar parou e a olhou sério. Viu que Barbara não estava brincando e estava brava. Colocou as mãos para cima, rendendo-se, e passou por ela, descendo o morro. Logo eles chegaram à avenida, mas demorou para que passasse um táxi que os levassem de volta para festa onde estavam os pais. Assim que chegaram ao estacionamento, Edgar começou a vomitar, tinha bebido demais. Um homem apareceu e perguntou se estavam bem. Ela pediu que chamassem a secretária do seu pai.— Por que você tinha que beber tanto?Edgar sentou-se no chão, escorando-se a um carro alheio. Barbara
Já fazia dois dias que Barbara ignorava as ligações do Edgar. Ela havia ficado muito brava quando descobriu que o seu pai lhe deu o seu número de telefone. Sentada à mesa de jantar na casa dos pais, com os pés apoiados sobre o tablado de madeira, ela rejeitava mais uma chamada dele, quando Ângela entrou.— Tire os pés da mesa! — ordenou a sua mãe.Ela sorriu e os colocou de volta ao chão, corrigindo sua postura na cadeira. Enfiou mais uma uva na boca e observou a mulher loira à sua frente exigir dos empregados o máximo de cuidado na hora de limpar a prataria.— Quer ir ao shopping? — Barbara perguntou-lhe.— Só se pudermos passar na Chanel. Quero uma bolsa nova.Roubou-lhe uma uva do cacho que tinha nas mãos e foi-se para cozinha.— Vou te esperar no carro — Barbara gritou para que ela pudesse ouvir.Levantou-se e saiu. Lá fora, se acomodou no banco passageiro do carro da sua mãe. Se teve algo que ela aprendeu muito cedo, foi ler o comportamento daquela mulher. Ângela havia se casado
Edgar ofereceu o seu braço a ela com tamanho cavalheirismo. Os dois caminhavam à frente conversando como velhos amigos, enquanto Barbara ia atrás a uns dois passos de distância. Ela não estava nem um pouco a fim da companhia dele e odiava que a sua mãe tivesse aceitado. Sentaram-se no melhor restaurante e tomaram champanhe até que fizessem os seus pedidos. Edgar quis pedir para Barbara, que deixou claro que ela tinha capacidade mental de escolher a própria comida. Ele ficou um pouco constrangido, é claro. Barbara não era fácil como as garotas que conhecia. Um tempo depois, Ângela levantou-se, indo ao banheiro. Os dois ficaram a sós e esse momento era tudo o que ele queria.— Eu lhe devo um pedido de desculpas, não é?— Deve? — Encarou-o.Ele riu um pouco sem graça.— Sim. Não imaginei que eu ia ficar tão louco. É que faz muito tempo que eu não ia a uma boa festa.— Boa festa, ela só foi para você. Eu tive que ficar te cercando e cuidando para que não arranjasse uma confusão onde nós s
O caminho foi feito com pouca conversa resumida em ele fazer perguntas tolas e ela dar respostas curtas e diretas. Até Edgar estava se questionando se deveria mesmo lhe ter convidado para sair. Quando chegaram à festa, desceram juntos do carro. Mais uma vez ela não esperou pela gentileza dele, o que o fez revirar os olhos, descontentes.— Posso pegar na sua mão? — perguntou ele.— Não! — Barbara passou rente a ele indo em direção à entrada da casa noturna, onde acontecia uma festa privada a qual Edgar garantiu que eles tinham nomes na lista.— Edgar Correa e acompanhante — anunciou ele ao homem na entrada, parando atrás da Barbara. Lentamente ela virou a cabeça em direção dele, que forçou um grande sorriso.— Acompanhante, seu cretino? — ela perguntou.— Ué?! Você está me acompanhando essa noite, não está?Ela estreitou os olhos para ele.— Aqui está. Achei. Divirtam-se — disse o homem, que retirou o cordão azul de veludo liberando a passagem.Quando entraram, logo deram de cara com u
— Eu esperei muito que a gente se encontrasse de novo — disse Barbara, o fazendo rir. Ela já gostava muito de ouvir aquilo.— É mesmo? E por quê?— Eu quero te conhecer melhor. Sou Barbara. — Estendeu a mão para ele.— Matheus. — Apertou a mão dela. Ela sabia, pois naquela noite ouviu pessoas o chamarem pelo nome duas vezes.Ele olhou para as palmas unidas, sentindo com apreço a pele da Barbara, que era extremamente macia, enquanto a dele, não. Matheus considerava as suas mãos verdadeiras lixas em comparação com a dela. Sentiu-se envergonhado e isso o fez soltar rapidamente a sua mão.— Eu te devo uma bebida, Matheus.— Era apenas água com gelo e boa parte dela está nas suas costas agora. Vem, deixa eu secar você.Ele caminhou até o bar e ela seguiu-o.— Guardanapo, por favor.O barman entrou um suporte cheio deles para Matheus, que pegou alguns.— Vire-se.Barbara virou-se e ele começou a secar as suas costas com delicadeza. O passar leve do papel a fez arrepiar. Ficou envergonhada,