Os dois levantaram-se, mas antes que fossem embora, Barbara bebeu tudo o que restava do uísque em um só gole. Eles saíram de fininho e, mesmo que alguém na saída os notasse, nada seria dito aos meninos ricos. Barbara o levou até o seu carro no estacionamento privado.
— Você dirige uma Lamborghini? — perguntou impressionado, ficando com a boca aberta.
— O que esperava?
— Uma SVU, talvez.
Ela riu do quanto patético Edgar era. Nem de longe é alguém por quem ela sentiria desejo de beijar.
— Espere um minuto.
Ela entrou no carro e pegou uma bolsa no banco ao lado. Com muita dificuldade, devido ao teto baixo, trocou de roupa. Definitivamente, aquele vestido não era apropriado para um baile na comunidade. Ela o substitui por uma saia de seda branca e um top de lantejoulas prateadas, mantendo a sandália preta. Retirou as joias e colocou um par de brincos de prata. Ajeitando os cabelos com os dedos, saiu do carro.
— Uau! — disse Edgar com a mão no queixo, vendo-a mais sensual do que antes.
— Você não pode ir de smoking.
Ele retirou o paletó e a gravata borboleta. Dobrou as mangas da camisa até os cotovelos e retirou a sua barra de dentro do cós da calça.
— Vamos no seu carro? Eu vim com os meus pais.
Barbara riu, negando aquele momento com a cabeça.
— Meu Deus! Você realmente não faz ideia de como é uma comunidade, não é?
Ele deu de ombros. Ela revirou os olhos. Edgar iria dar um belo trabalho naquela noite.
— Vamos de táxi, garoto.
Ela pegou as peças da roupa e as jogou dentro do carro antes de trancá-lo. Passou por ele a passos largos indo em direção à rua. Edgar a seguiu.
— Você está prestes a ir à melhor festa da sua vida. — O olhar dela era de pura empolgação.
— Pago para ver — disse ele com desdém.
Barbara acenou para um táxi, que parou. Eles entraram e o homem perguntou para onde iam.
— Para Rocinha — ela respondeu rápido.
O motorista a olhou pelo retrovisor e, quando viu a burguesa sentada no seu banco, virou-se para trás.
— Tem certeza, moça?
— Qual foi, tio? Nunca levou a burguesia pra favela? — Edgar perguntou, forçando um sotaque carioca ridículo, fazendo Barbara se sentir envergonhada.
Ela acertou-lhe uma leve cotovelada nas costelas, repreendendo-o. O taxista o olhava de cara feia.
— Desculpe. O idiota aqui está muito empolgado com a noite. Mas, sim, tenho certeza.
Edgar sorria com divertimento estampado no rosto. Eles nem haviam chegado à festa, mas ele já estava bem animado. O homem então assentiu, virando-se para frente e seguindo o caminho que durou cerca de meia hora. Barbara nem sabia que a comunidade era tão perto de onde estava. Quando chegaram, ela pagou pela corrida e desceram. Parou na calçada olhando morro acima. Era grande, alto e bem iluminado. Ela simplesmente achava fascinante a vida das pessoas naquele lugar. Era uma cultura tão diferente da sua. Inspirava liberdade, embora entendesse bem as dificuldades que aquelas pessoas enfrentavam todos os dias. Se Carlos ao menos sonhasse com ela naquele local, infartaria. Ele via aquelas pessoas como a escória da sociedade.
— E agora, Bárbara? Quem vai levar a gente lá em cima?
— Qualé, novinha? Tá perdida por aqui? — perguntou um homem ao se aproximar.
— Queremos ir ao baile — disse ela, sorridente.
Ele riu com sarcasmo, pensando se eles estavam mesmo falando sério. Eram engomadinhos demais. Em anos ao pé do morro, nunca tinha visto gente com a pele tão boa ou mais clara pedir para subir.
— Foram convidados?
O sorriso da Barbara sumiu.
— Não.
— Sem convite, não entra, branquela. Deem o fora daqui! — ele foi rude, encarando-os um tanto feio.
— Qual é, cara? Deixa a gente subir. Posso pagar por isso — falou Edgar.
— Aposto que pode, boy. Mas aqui não funciona assim.
O homem deu um passo em direção a ele com a mandíbula contraída. Levantou a barra da camiseta regata, puxando-a para cima e revelando uma pistola presa no elástico da bermuda estampada. Com certeza aquela recepção era bem diferente dos lugares onde Barbara já tinha estado na companhia da Ester. Ela não iria insistir ou enfrentá-lo, nem deixaria que Edgar fizesse. Afinal, havia outras comunidades para onde poderiam ir e não precisavam de confusão. Ela havia imaginado que seria mais fácil entrar, mas percebeu que se enganou feio e que ali era perigoso demais.
— Vamos. — Ela puxou Edgar pelo braço, que encarava o homem com olhos estreitos.
— Não! Viemos para curtir o baile, não foi? — Edgar olhou para ela rapidamente com um olhar encrenqueiro antes de voltar a encarar o sujeito à sua frente. — Tudo nesse mundo tem um preço. — Foi petulante, erguendo o queixo de modo soberbo.
O homem deu mais um passo à frente, o peitando com um olhar odioso.
— Vamos agora, Edgar! — disse Barbara alto e firme, estava com medo.
— E ae, Edgar — falou outro sujeito, descendo o morro em direção a eles. — A quanto tempo, cara? — O estranho estendeu a mão para ele. Edgar aceitou o cumprimento, mesmo não fazendo ideia de quem era aquele dali. — São os meus chegados, libera ae — disse para o guardião da entrada, que encarou os forasteiros com desconfiança.
— Firmeza, Matheusinho. — O homem andou para o lado, dando passagem a Edgar e Barbara, mas continuou com uma feição fechada e um tanto irada.
— Obrigado — disse Edgar à Matheus.
— Não por isso. Vão lá curtir a festa.
Os olhos dele saíram do Edgar, indo direto para Barbara, que o olhava de boca entreaberta. Ela só pensava que aquele era o salvador da noite deles – embora já não estivesse mais tanto a fim de estar ali – e um tremendo gostoso com aquela regata de cava funda que exibia a lateral do seu abdome. Matheus sorriu para ela, o que a deixou completamente derretida por dentro. Ele não era um engomadinho com sorriso cheio de facetas. Era um preto que certamente iria adorar poder morder o lábio e arrastar as mãos sobre aquela barba que começava a crescer. Mordendo o próprio lábio, ela sorriu de volta.
— Obrigada — disse baixinho.
Ele piscou para ela e olhou para o lado. Assobiou bem alto e fez um sinal com a mão para que duas pessoas fossem até eles. Dois caras se aproximaram pilotando motos.
— Subam ae. Eles levam vocês até a festa — disse Matheus.
Barbara rapidamente subiu na garupa de um deles, enquanto Edgar estava parado, como se estivesse esperando por algo.
— Sobe logo, maluco — falou o piloto da outra moto.
— E o capacete?
Todos ao redor, inclusive Barbara, explodiram em gargalhadas.
— Não tem. A diversão começa aqui — disse ela, antes que o seu piloto acelerasse morro acima.
Barbara desceu da moto e logo Edgar chegou. O penteado dele já não estava mais tão alinhado.— Valeu — disse ela ao piloto.— As ordens. — Piscou para ela, que sorriu.Respirou fundo e olhou atentamente ao redor. Por toda parte, homens armados.— Estou começando a achar que tudo isso é loucura — disse Edgar, chegando mais perto dela.— Não surta. Já estamos dentro. O que pode dar errado?Ele suspirou e guardou as mãos no bolso.— E para onde vamos agora, garota favela?— Shhh — fez para ele, o encarando de cara feia. — Se disser essa palavra mais uma vez, será chutado daqui com uma bala na bunda.Sim, ela estava errada. Com Edgar, alguma coisa poderia dar errado. Ele olhou para ela tentando disfarçar a cara assustada.— Vai pra onde, bacana? — perguntou um rapaz ao aproximar-se deles. Ele tinha um fuzil na mão, portava aquilo como quem segurava um celular. Barbara engoliu em seco, percebendo que ele nem sequer tentava esconder a arma. Embora pelo tamanho era impossível prendê-la no có
O homem subiu para parte alta da quadra. Ela entendeu que ali era o camarote e suspeitou que ele devia ser o dono do morro, ou chefe. Não tinha certeza de como o chamavam. Os grandes braços tatuados apoiaram-se na grade do parapeito. Ele não conseguia parar de encará-la com uma feição séria e mandíbula contraída. Barbara desviou os olhos e puxou os braços do Edgar, virando-o para ela.— Vamos embora, está na hora! — gritou no seu ouvido.Ele continuou a dançar e negou com a cabeça a sua intimação.— Nem pensar — gritou de volta.— Edgar, por favor. Nós temos que ir!Negou com um aceno mais uma vez.— E ae, branquinha — disse um homem ao chegar por detrás dela. Barbara virou-se rápido e assustada. — O chefe mandou tu subir.Edgar parou e colocou-se à frente dela.— O que foi, irmão? Ela está comigo. — Puxou Barbara para ele, agarrando-a pela cintura.— Irmão é o caralho! — gritou, empurrando Edgar, que quase foi ao chão. — Vê se não fica no caminho! — Aquilo foi uma ameaça.Segurou fir
— Vai com calma, Fred! — disse Matheus, segurando-o pelo ombro.O homem o respeitou, o que fez Barbara entender que ele não era apenas mais um morador dali. Ele tinha sua hierarquia naquele comando. Talvez isso explicasse o motivo pelo qual eles foram autorizados a entrar com a aprovação dele. Ela puxou Edgar da multidão e escada abaixo, mas ele era teimoso e queria voltar.— Pare! Se voltar para lá, vai sair daqui em um caixão!Edgar parou e a olhou sério. Viu que Barbara não estava brincando e estava brava. Colocou as mãos para cima, rendendo-se, e passou por ela, descendo o morro. Logo eles chegaram à avenida, mas demorou para que passasse um táxi que os levassem de volta para festa onde estavam os pais. Assim que chegaram ao estacionamento, Edgar começou a vomitar, tinha bebido demais. Um homem apareceu e perguntou se estavam bem. Ela pediu que chamassem a secretária do seu pai.— Por que você tinha que beber tanto?Edgar sentou-se no chão, escorando-se a um carro alheio. Barbara
Já fazia dois dias que Barbara ignorava as ligações do Edgar. Ela havia ficado muito brava quando descobriu que o seu pai lhe deu o seu número de telefone. Sentada à mesa de jantar na casa dos pais, com os pés apoiados sobre o tablado de madeira, ela rejeitava mais uma chamada dele, quando Ângela entrou.— Tire os pés da mesa! — ordenou a sua mãe.Ela sorriu e os colocou de volta ao chão, corrigindo sua postura na cadeira. Enfiou mais uma uva na boca e observou a mulher loira à sua frente exigir dos empregados o máximo de cuidado na hora de limpar a prataria.— Quer ir ao shopping? — Barbara perguntou-lhe.— Só se pudermos passar na Chanel. Quero uma bolsa nova.Roubou-lhe uma uva do cacho que tinha nas mãos e foi-se para cozinha.— Vou te esperar no carro — Barbara gritou para que ela pudesse ouvir.Levantou-se e saiu. Lá fora, se acomodou no banco passageiro do carro da sua mãe. Se teve algo que ela aprendeu muito cedo, foi ler o comportamento daquela mulher. Ângela havia se casado
Edgar ofereceu o seu braço a ela com tamanho cavalheirismo. Os dois caminhavam à frente conversando como velhos amigos, enquanto Barbara ia atrás a uns dois passos de distância. Ela não estava nem um pouco a fim da companhia dele e odiava que a sua mãe tivesse aceitado. Sentaram-se no melhor restaurante e tomaram champanhe até que fizessem os seus pedidos. Edgar quis pedir para Barbara, que deixou claro que ela tinha capacidade mental de escolher a própria comida. Ele ficou um pouco constrangido, é claro. Barbara não era fácil como as garotas que conhecia. Um tempo depois, Ângela levantou-se, indo ao banheiro. Os dois ficaram a sós e esse momento era tudo o que ele queria.— Eu lhe devo um pedido de desculpas, não é?— Deve? — Encarou-o.Ele riu um pouco sem graça.— Sim. Não imaginei que eu ia ficar tão louco. É que faz muito tempo que eu não ia a uma boa festa.— Boa festa, ela só foi para você. Eu tive que ficar te cercando e cuidando para que não arranjasse uma confusão onde nós s
O caminho foi feito com pouca conversa resumida em ele fazer perguntas tolas e ela dar respostas curtas e diretas. Até Edgar estava se questionando se deveria mesmo lhe ter convidado para sair. Quando chegaram à festa, desceram juntos do carro. Mais uma vez ela não esperou pela gentileza dele, o que o fez revirar os olhos, descontentes.— Posso pegar na sua mão? — perguntou ele.— Não! — Barbara passou rente a ele indo em direção à entrada da casa noturna, onde acontecia uma festa privada a qual Edgar garantiu que eles tinham nomes na lista.— Edgar Correa e acompanhante — anunciou ele ao homem na entrada, parando atrás da Barbara. Lentamente ela virou a cabeça em direção dele, que forçou um grande sorriso.— Acompanhante, seu cretino? — ela perguntou.— Ué?! Você está me acompanhando essa noite, não está?Ela estreitou os olhos para ele.— Aqui está. Achei. Divirtam-se — disse o homem, que retirou o cordão azul de veludo liberando a passagem.Quando entraram, logo deram de cara com u
— Eu esperei muito que a gente se encontrasse de novo — disse Barbara, o fazendo rir. Ela já gostava muito de ouvir aquilo.— É mesmo? E por quê?— Eu quero te conhecer melhor. Sou Barbara. — Estendeu a mão para ele.— Matheus. — Apertou a mão dela. Ela sabia, pois naquela noite ouviu pessoas o chamarem pelo nome duas vezes.Ele olhou para as palmas unidas, sentindo com apreço a pele da Barbara, que era extremamente macia, enquanto a dele, não. Matheus considerava as suas mãos verdadeiras lixas em comparação com a dela. Sentiu-se envergonhado e isso o fez soltar rapidamente a sua mão.— Eu te devo uma bebida, Matheus.— Era apenas água com gelo e boa parte dela está nas suas costas agora. Vem, deixa eu secar você.Ele caminhou até o bar e ela seguiu-o.— Guardanapo, por favor.O barman entrou um suporte cheio deles para Matheus, que pegou alguns.— Vire-se.Barbara virou-se e ele começou a secar as suas costas com delicadeza. O passar leve do papel a fez arrepiar. Ficou envergonhada,
Edgar o encarou pronto para uma briga. Barbara ficou nervosa, não queria que isso acontecesse. Não queria que Edgar tivesse a oportunidade de machucar Matheus com as suas mãos, além das palavras grotescas. Ela puxou Matheus pelo braço e enfiou-se entre os dois homens, que eram muito maiores do que ela.— Quer saber, Edgar? Por que não corre para contar ao meu pai agora mesmo? Quer um telefone emprestado?Ela escutou Matheus rir baixinho atrás dela, o que deixou Edgar ainda mais furioso.— Conte a ele que estou indo curtir a noite toda com este preto aqui. — Abraçou Matheus, sorrindo para Edgar. — Ah, mas não se esqueça de dizer para que tipo de lugar me trouxe.Eles viraram-se e saíram sem olhar para trás. Edgar olhou para os lados, constrangido. Passou as mãos pelos cabelos e caminhou para o bar. Olhou para porta a tempo de ver o casal sair. Quando chegaram à calçada, Matheus a soltou. Instantaneamente, Barbara lamentou por dentro. Ele era cheiroso, mais que a sua primeira companhia