Entro no carro de Otávio em silêncio.Após o jantar pedi para que ele me deixasse dormir no quarto de hóspedes. Preciso de tempo para refletir melhor sobre nós dois e, com apenas três dias restando, manter um pouco de distância parece ser o melhor.No início, ele não concordou. Mas, ao perceber que eu não cederia às vontades dele, recuou. Isso me trouxe um certo alívio, já que me sinto como uma bomba-relógio prestes a explodir. E, sinceramente, não quero explodir com ele... não agora.Otávio dirige tranquilamente pela rodovia. Depois de cinco minutos, pega uma estrada de chão um pouco esburacada. As árvores altas ao redor trazem uma sensação de liberdade, mas, sabendo para onde estamos indo, não me deixo iludir. Após mais alguns minutos, chegamos a um galpão. A estrutura metálica alta parece abandonada.— Chegamos. — Ele estaciona o carro, e, ao desligá-lo, segura meu pulso.— Não saia de perto de mim. Este lugar não é exatamente um passeio no shopping.Fecho a cara, irritada com seu
Minha mãe lança um olhar de desgosto para Otávio, que permanece impassível, mas seu silêncio parece mais ameaçador do que qualquer palavra que ele pudesse dizer.— Posso ver que você se envolveu com o conselheiro da Cosa Nostra. Tem que ter muita coragem para isso. — Ela faz uma pausa, como se quisesse que suas palavras se aprofundassem como lâminas. — Você sabe exatamente o que ele faz?— Eu sei exatamente o que ele fez e faz. — Minha voz soa firme, mas por dentro eu tremo.Não, eu não sei exatamente o que ele fez e faz.Ela sorri, aquele sorriso debochado que me faz querer atravessá-la.— Percebo. — A risada seca dela ecoa pelo quarto. Meu olhar corre para Otávio, e vejo um brilho assassino nos olhos dele, tão intenso que quase me faz recuar.— Mas vamos lá... Tentarei ser uma boa mãe dessa vez. O que minha filha deseja saber?Minhas unhas se cravam na palma da minha mão. A vontade de esbofeteá-la é quase insuportável, mas me seguro.— Paulo realmente não é meu pai? — Minha voz falh
— Então vocês já escolheram o buffet, a decoração, o vestido... só falta a igreja. — Maíra, a mãe de Otávio, questiona em um tom levemente impaciente, enquanto olho para Helena, que sorri suavemente para a sogra.Estamos na cozinha de Otávio, com uma pilha de papéis espalhados pela mesa. Maíra está analisando cada detalhe, fazendo anotações e ligações, resolvendo tudo com a eficiência de alguém que parece ter nascido para lidar com situações caóticas.— Eu vou matar Otávio. — Helena solta após receber uma mensagem, e não consigo conter um riso breve.— Na verdade, é culpa de Alexander. — Ela continua ainda sorrindo, o que parece ser uma maneira de lidar com o estresse.— Esses três... — Maíra balança a cabeça, exasperada. — Não pensam, só nós arrumam mais trabalho. Como vamos organizar um casamento grande em três dias?— Daremos um jeito. — Helena suspira, pegando o celular. — Vou ligar para Alexander. — Ela se levanta, com uma determinação quase assustadora.— Faça isso, minha filha.
Os três dias se passaram voando, e eu ainda não tinha conseguido me preparar mentalmente para o casamento. Minha mente permanecia presa em Salma e meu pai, como se as palavras dela tivessem deixado um gosto amargo que eu não conseguia digerir. Cada frase se repassa na minha cabeça, me atormentando.A sensação de estar no meio de uma teia de mentiras e segredos só aumentava, como se cada detalhe me puxasse ainda mais para um abismo.Enquanto todos ao meu redor se moviam freneticamente para organizar os últimos detalhes do casamento, eu me sentia uma espectadora na minha própria vida. A ideia de caminhar até o altar não era um sonho; parecia uma sentença. E a verdade sobre meu pai e Salma era como correntes invisíveis que me sufocavam a cada respiração.No fundo, eu sabia que precisava focar no presente, mas como, se o passado ainda gritava tão alto?Eu também permiti me afastar de Otávio. Por mais que meu coração idiota ainda bata por ele, não posso simplesmente fingir que nada acontec
Assim que Giovanni se aproxima, ele estende a mão para Rodolfo, os dois trocando olhares que poderiam facilmente incendiar o ambiente. — Eu a levarei até o altar. Rodolfo estreita os olhos, a tensão evidente em sua postura. — Esse não foi o tratado. Giovanni dá de ombros, a arrogância em sua voz cortante: — Eu não sigo regras, Rodolfo. Meu olhar alterna entre os dois, percebendo o quanto Rodolfo está se esforçando para se controlar. Sua mão desliza discretamente até a cintura, e meu coração aperta ao lembrar que ele está armado. Giovanni, porém, mantém a postura firme, sem desviar o olhar, e essa ousadia me assusta profundamente. — Cuidado — Rodolfo avisa em tom baixo, mas ameaçador. — Você não está no seu território. Giovanni não recua. Sua confiança é perturbadora. Tento intervir antes que as coisas piorem, segurando o braço de Rodolfo com delicadeza para tentar acalmá-lo, enquanto flashes ainda explodem ao nosso redor. — Ele é da minha família — digo com esforço, tentando s
— Lembrem-se de que o amor é mais do que um sentimento; é uma escolha diária. É um compromisso de cuidar, apoiar e respeitar um ao outro, em momentos de alegria e também nas adversidades. — Ouço o padre, enquanto meus pensamentos se embaraçam.Dou uma rápida olhada para o homem ao meu lado. Otávio mantém a postura impecável, o olhar fixo no altar, mas não consigo ignorar o contraste entre suas mãos firmes e seu semblante fechado. "Escolha diária, apoiar, cuidar, respeitar..." As palavras ecoam, mas não parecem destinadas a mim.Como posso escolher algo que nunca quis? Como posso apoiar alguém que me arrastou para isso?O padre continua, sua voz calma preenchendo o espaço. — Vocês estão aqui hoje para firmar um laço sagrado, para se comprometerem um com o outro perante Deus e todos aqui presentes.Essas palavras me sufocam, pois não consigo acreditar nelas. Esse laço não foi escolhido, e o "sagrado" parece distante. Olho para Otávio mais uma vez. Ele se vira brevemente para mim, seus o
É estranho perceber o quão distante ela se tornou. A muralha que ela ergueu desde aquela manhã no galpão, como se eu fosse um nada diante dela, é algo que agora sinto com mais intensidade. Ela me pintou como o monstro, oculto, mas real, dentro do seu guarda-roupa pronto para arrastá-la para o abismo. Vejo seus olhos me julgando, e isso me corrói. Sinto como ela engole em seco, afundando palavras não ditas em sua garganta, como se o peso delas formasse uma bola de neve que derrete lentamente, enquanto o próprio orgulho dela vai se desintegrando, se apagando diante de mim. Enquanto ela sorri para os outros, algo vai crescendo dentro de mim. Não é apenas possessão; é algo mais profundo, mais sombrio. Preciso manter a calma, manter o controle, mas por dentro, tudo está se despedaçando. Cada pedaço de mim se contorce com a sensação de que algo está fora de lugar, algo que não posso consertar. Ela está mais bagunçada do que eu já consegui bagunçar. Não sei mais como reparar o que foi d
Ela finalmente se acalma depois de um tempo, mas mesmo assim continuo a embalar seu corpo, o cheiro doce do seu perfume contrastando com o calor da sua pele me fascinam. Sinto o alívio lentamente tomando conta dela, mas a dor ainda persiste em mim, em cada batida do meu coração.Levanto a cabeça e observo seus olhos, que antes estavam cheios de vulnerabilidade, mas agora, com um movimento quase imperceptível, a máscara de indiferença retorna. Ela se afasta lentamente de meus braços, e, em um gesto silencioso, levanta as mãos aos olhos, como se quisesse apagar o que sentiu.— Preciso de um banheiro. — Sua voz, agora fria e controlada, é como uma parede erguida entre nós.Aponto para a porta à esquerda, mas ela não diz mais nada. Apenas se afasta, a passos firmes, deixando-me sozinho na sala. Eu me sento no sofá, perto da janela, e olho para fora.A escuridão da noite é suavemente repelida pelas luzes da cidade, mas, mesmo com o brilho ao longe, sinto como se a escuridão tivesse tomado