Ricardo

A assistente social foi ao quarto. Pediu informações sobre Amanda e o seu endereço. Eu não estava disposto a fornecer nenhum dos dois. Augusto entrou, falando sobre minha alta e sobre o que deveríamos fazer, mas parou assim que viu a mulher.

— E quem é você? — ele perguntou com sua habitual carranca.

— Rita Ecker, assistente social. — Ela lhe esticou a mão e ele a pegou. — Eu estava falando com o senhor Djovig, preciso dos dados e endereço da filha da assistente do seu patrão, mas ele insiste em se recusar a me fornecer.

— Meu cliente tem suas razões para fazer isso, senhora. — Ele lhe entregou um envelope. — Jerrilly Djovig e Regina Wentz assinaram um seguro, onde diz que se acontecer qualquer coisa a ela, a custódia da filha, caso menor de idade e de todos os seus bens, ficam com Jerrrilly até que a garota complete 18 anos. Como ele não está disponível, a obrigação fica para seu herdeiro. Ele está agindo de acordo com a lei.

A mulher observou os documentos e pareceu não gostar muito, mas assentiu.

— Amanda tem mais de 14 anos e a custódia ainda não foi liberada. Ela pode decidir se irá ou não imediatamente com o senhor, por enquanto.

— A menina acabou de perder a mãe, não está em condições de decidir nada — replicou augusto. — A documentação é clara e de acordo com a lei. Amanda deve ir com ele. — Augusto apontou para mim.

— Certo, mas como eu disse, nada ainda está claro enquanto não for assinado pelo juiz e enquanto a guarda não for definitiva ou Amanda não concordar, farei o meu trabalho.

— Já disse que não passarei nenhuma informação — falei quando ela olhou com raiva para mim. — Amanda não vai para um abrigo, a lei é clara e me apoia. Por que eu a deixaria sofrer mais transtorno do que o necessário?

— Não mesmo — interferiu Augusto. — Iremos à casa da jmenina agora, se for de sua vontade, senhora, nos acompanhe.

Eu encarei o advogado com raiva. Não queria aquela mulher perto da garota. Ela poderia ser uma pedra no meu caminho.

A mulher, Rita, pareceu satisfeita e falou algo com Augusto que não prestei atenção e saiu.

Eu me levantei da poltrona onde eu estava o aguardando e dei um murro no móvel, o lobo se movendo em ângulos estranhos e uivando em desconforto. Olhei para Augusto irritado, mas o velho apenas me encarava como um tio que espera o sobrinho de cinco anos cessar a raiva e parar de fazer birra. E foi exatamente assim que eu me senti.

— É a lei, Ricardo. Só podemos rezar, isso se você for religioso, para que a garota concorde e não nos traga um escândalo... Ou você pode contar a verdade a ela.

— Eu não posso perdê-la, Augusto. E causar mais transtorno a ela nesse momento não vai nos ajudar em nada. — Passei a mão no rosto, cansado.

— Então terá de ser bem convincente, rapaz. Eu te entendo, acredite, e espero que agora você entenda que o que seus pais fizeram foi pensando no melhor para vocês.

Não, não era nem de longe o melhor, mas eu não discutiria o assunto. Saí do quarto e ele me acompanhou. Do lado de fora, Rita nos esperava em um carro típico de prefeitura. Revirei os olhos e coloquei os óculos escuros.

Entrei no carro da frente e seguimos então para a casa de Amanda. Estava cansado, arrasado e sem condições de ter uma conversa aceitável com uma garota de 15 anos que acabara de perder a mãe. Eu também havia perdido os meus pais da maneira mais suja possível, minha mãe foi uma isca e o amor cego de meu pai o empurrou para os braços da morte.

Especulei que quem quer que tenha feito isso, estava apenas querendo deixar o caminho mais fácil para chegar ao seu verdadeiro alvo. Eu não podia permitir.

O começo de uma nova partida do jogo deveria começar ali, com aquela estranha que eu deveria levar para casa e lidar com ela.

Se bem que, como dois estranhos, eu lhe proporcionaria conforto e ela segurança a mim. Sim, seria uma boa estratégia ir por esse caminho e eu esperava sinceramente que desse certo. Esperava.

O motorista parou o carro em frente a um portão bem cuidado. A casa estava em silêncio, aparentemente. Talvez a garota não estivesse lá e rezei para que não.

Rita tocou a campainha. Da porta dava para ouvir vozes. Talvez fosse somente a televisão ou o computador ligado. Uma garota abriu a porta. Estava com um moletom surrado, os cabelos em um coque, os olhos lacrimejados. Senti a agitação tomar conta de mim.

“Droga!”

— Amanda Wentz? – perguntou Augusto antes que Rita falasse primeiro, para desgosto da mulher. – Podemos entrar, temos um assunto um tanto delicado a tratar com você?

Amanda encarou a mulher primeiro e depois passou os olhos por mim e por último encarou Augusto, se demorando um pouco a mais nele.

“Ótimo, não sou digno de um segundo a mais no olhar dessa garota. Isso não vai ser nem um pouco interessante.”

— Minha mãe não está em casa — respondeu ela áspera. — E não recebo estranhos sem a sua presença.

Amanda ia fechar a porta, mas Rita colocou a mão na frente. O lobo urrou furiosamente dentro de mim e eu dei um passo para tentar impedi-la, querendo que deixasse a garota em paz, mas Augusto passou à minha frente e a mulher falou:

— Viemos justamente para falar de sua mãe, querida – Rita se aproximou um passo —, por favor, deixe-nos entrar.

Vi que a raiva e a força que vinha de Amanda se quebrou. Ela piscou, seus olhos ameaçando marejarem, mas engoliu o choro e se afastou da porta.

— Sejam breves — respondeu abrindo passagem para todos.

Entramos, mas antes que alguém falasse qualquer coisa, a notícia estava escancarada na televisão. Amanda fingiu uma tosse chamando a atenção de todos.

— Acho que chegaram atrasados — lágrimas começaram a brotar em seus olhos, mas assim como vieram, sumiram sem se derramar. — Quando se quer contar uma tragédia dessa intensidade a alguém, deve-se chegar antes da mídia.

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