Quando o choque passou, uma raiva súbita me alcançou. Tantos anos se dedicando à empresa e era assim que ela terminava? Como a vadia do chefe? Nem minha mãe, nem Jerrilly mereciam isso.
Me levantei decidida e desci as escadas. Quando cheguei na base, apenas informei ao herdeiro Djovig que iria ao abrigo. Não sabia se ele estava ciente das notícias, mas aquele print me fez ver que eu estava seguindo o mesmo caminho de minha mãe e eu definitivamente não queria isso para minha vida. Vi o empresário filho e o advogado tentarem argumentar sobre não estar em minhas mãos decidir, mas a minha raiva era cega, e com fundamentos, minhas fotos nos quadros concordando comigo. Eu não iria discutir com eles aquele assunto. Ricardo ainda tentava entender, então lhe mostrei o motivo de minha raiva, entregando a ele o meu celular, ato no qual me arrependi na hora. Fiquei com medo de que não me devolvesse, um medo bobo e irracional, dadas as circunstâncias, mas ele me devolveu e sem falar uma palavra, foi embora acompanhado do seu advogado. — Você tem certeza, querida? — A mulher perguntou depois de um tempo, que ela provavelmente considerou ser o suficiente para que eu me acalmasse. Olhei para os quadros ali espalhados. Meus outros eus espalhados pela sala balançaram a cabeça, concordando. — Sim, eu tenho — respondi fria, peguei minha mala e saí. O motorista colocou minhas coisas no carro, entramos e seguimos. Talvez eu tenha me arrependido de minha decisão quando cheguei no orfanato e com certeza não fui bem recebida – para dizer o mínimo – por algumas de minhas colegas de quarto, principalmente por Eduarda, que era a líder da gangue. Quando chegamos e Rita me levou ao aposento coletivo, não demorou para as garotas entrarem. — Olha só quem veio morar conosco, meninas! A filha da vadia do empresário. Como é mesmo o nome dele? — E quem é você? — perguntei arqueando uma sobrancelha, observando a garota, que em minha opnião parecia ser uma cria do Zeca Urubu com o Leoncio. — Eu sou Eduarda, garota. — Zurôncia, como a apelidei internamente, disse. — Sou a dona desse quarto e como sua líder, me deve honra e respeito. E se digo que é uma piranhazinha como sua mãe, é porque é. Agora curve-se e peça misericórdia! Eu a observei e também a sua gangue. Eram seis meninas que provavelmente nunca viram um pingo de etiqueta na vida e pensavam que serem boas em briga de rua era o que as fazia serem as donas do orfanato. Eu me levantei da cama e fui até Zurôncia, comecei a me inclinar, então a joguei no chão com um só golpe. Eu não aceitaria que ninguém falasse mal de minha mãe, que acabara de morrer e nem ao menos havia sido sepultada ainda. Ela nunca foi amante de Jerrilly e todos os que espalharam a notícia iriam pagar. Ghenos podia não ser uma amiga exemplar e ser um tanto insensível, mas tinha razão quando falou em processo. Eu processaria o site e a Djovig Softwares por danos morais. E usaria qualquer advogado que não fosse o pai de Ghenos para mover o processo. — Está louca, garota? — Uma das meninas avançou em minha direção. Coloquei-me em modo defesa, mas antes que ela chegasse a mim, a porta foi aberta. — Amanda... Está tudo bem por aqui? — perguntou desconfiada. — Claro. — Sorri. — Precisa de mais alguma coisa? — Sim, venha comigo. Sorri para minhas companheiras de quarto e acompanhei a assistente social. Sabia que minha estadia naquele maldito orfanato não seria das melhores e se meu orgulho não fosse tão grande, talvez eu reconsiderasse a proposta do Djovig filho. Mas por enquanto, decidi, eu deveria me conformar com o que eu tinha, e o que eu tinha era um orfanato com colegas de quarto que me odiavam.Embora tenha recebido todos os bens que estavam em nome de meu pai, a única coisa que recebi de minha mãe foi uma minúscula caixa com uma chave dentro. Justo, mas pensei que eu teria o direito pelo menos de algo que fosse um pouco mais sentimental para ela. O lobo uivou em concordância.Era natural que deixasse toda a sua fortuna – e não era pouca – para a filha mais nova, que por sinal, não queria nem saber de mim, ainda que eu fosse sua única família. Justo também, nunca fiz parte da vida dela de verdade e não passava de um estranho, mas isso não quer dizer que eu concordava, era minha responsabilidade protegê-la agora que eu era sua única família.Dadas as condições, apenas me preparei para receber a minha parte na empresa e fui ao enterro de meu pai. Teria que escolher entre esse e o enterro de minha mãe, e como eu não queria incomodar mais, fiquei ao lado do falecido.Mandei um carro para Amanda e deixei tudo providenciado para o sepultamento de nossos pais – ou melhor, do meu p
Era manhã de sexta-feira, eu já havia deixado o dia inteiro planejado. Nada de empresa, nem de ligações profissionais. Na verdade, o único que poderia me encontrar era o karma do Augusto, que no fim das contas, não era tão ruim quanto aparentava. Era um pé no saco, mas útil. Não foi à toa que permaneceu sendo o braço direito de meu pai – e ocasionalmente de minha mãe – por tantos anos e agora continuava sua jornada me acompanhando. Liguei para o orfanato no dia anterior, pedindo a autorização para sair com Amanda, e a diretora, já ciente do caso, apenas me disse que dependeria mais da jovem do que dela mesmo. E era por esse motivo que eu me demorava no carro, as chaves pendendo do chaveiro pendurado em meu dedo, agarrado ao volante, enquanto eu esperava que o comprimido tomado fizesse algum efeito em minha ansiedade e me impedisse de fazer besteira.“Fazer besteira é seu dom natural, Ricardo. Apenas tente não ser um completo idiota.”Meus pensamentos mais atrapalhavam do que ajudavam
— Oh, isso realmente é animador — esbocei um sorriso.— Estou bem, obrigada — ela enfim respondeu a minha pergunta. — Venha comigo.— Não há de que agradecer — falei enquanto a acompanhava. — Nunca vou deixar que a insultem em minha frente. Sei que ela nunca foi amante do... meu pai. Você também não deveria acreditar nas mentiras que a mídia cria para ganhar audiência. — Não pode me culpar, você faria o mesmo no meu lugar.— Eu já fiz, afinal foi da minha família que falaram — Amanda arqueou uma sobrancelha diante da afirmação. — Quando eu nasci, sua mãe já trabalhava com o meu pai, então eu a considero da mesma forma que ele a considerou — expliquei.Amanda ponderou minhas palavras por um tempo. Ela sabia que tinha muitos anos que a mãe trabalhava na empresa, mas creio que não imaginava que fosse tanto tempo assim.“Se ela soubesse dos segredos que a mãe escondia, talvez começasse a ficar preocupada agora.”— E a sua mãe? — Amanda perguntou tentando trocar o assunto.— Ela saiu de c
Amanda ficou por um tempo calada, pensativa enquanto se dirigia à última cama. — Esse é o meu canto. Como pode ver, nada muito luxuoso, senhor empresário. Sente-se.Eu me sentei. A cama não era dura, mas também não era das mais confortáveis. O quarto era grande, tinha amplas janelas, mas precisava de uma reforma. Uma que eu sinceramente não estava a fim de custear de forma alguma. E foi essa percepção que fez com que eu começasse a falar novamente.— Pode mudar essa condição aceitando minha oferta.— Gosto de como você é direto. — Ela jogou o paletó para mim, foi até a cômoda e pegou um novo sutiã e uma blusa em uma de suas gavetas. — Como pode ver, não há muita privacidade aqui, então não fique retraído, nem se gabe.E virando de costas, retirou o sutiã, colocou o outro e vestiu a blusa. É claro que não passou nenhuma maldade em minha cabeça, mas ela poderia ao menos ter avisado antes, para não me deixar tão desconcertado.— Você já viu uma mulher nua antes, não é? Está vermelho com
Sair um pouco daquele lugar me faria bem, mesmo que fosse com Djovig filho. Ainda via em meus sonhos o seu olhar dirigido a mim no cemitério e no salão onde foi realizado o velório o que sempre me perturbava e eu não imaginava o porquê. Cogitei algumas vezes em ligar para a Djovig Softwares, mas sempre acabei me convencendo de que Ricardo não era como o pai e que eu não tinha nenhuma obrigação com seu bem-estar, então simplesmente não ligava.Fiquei grata por ele ter chegado mais tarde no velório, eu não me sentiria bem em me despedir de Jerrrilly com sua presença ali. O homem era como um tio, eu recebi muitos conselhos dele e sabia que ele jamais aprovaria a mentira que espalharam sobre minha mãe. Perdê-lo ao mesmo tempo em que a perdi foi um baque forte para mim, pois sempre pensei que quando ela não estivesse mais por mim, ele estaria.Alguma parte em meu interior dizia que eu deveria ir ao menos agradecer a Ricardo, dar minhas condolências ou ao menos perguntar como ele estava, ma
Pensei em agradecer por ele mover o processo, mas poderia fazer isso depois. Ainda estava cedo para abordar um assunto tão pesado quando Ricardo estava fazendo de tudo para manter o clima agradável.— Eu acho que gosto disso. — Entrei no carro e coloquei o cinto. — Nada de seguranças? — perguntei ao olhar ao redor e não ver nenhum carro suspeito por perto.— Eu sou o chefe agora — ele respondeu colocando a chave na ignição.Me perguntei se ele sabia mesmo dirigir. Em toda a minha vida, tudo o que eu sabia sobre Ricaro era o que minha mãe e ocasionalmente Jerrilly falavam. Era como se o mundo soubesse que o homem tivesse um filho, um herdeiro, e ao mesmo tempo ninguém soubesse onde encontrá-lo. O homem ao meu lado era como uma lenda, onde a gente duvida mesmo se existe ou não. Na verdade, pelo que a mídia insistia em falar, ainda havia muitas desconfianças de que ele era quem dizia ser.— Então, para onde estamos indo? — perguntei quando saímos do estacionamento.— Com medo de ser seq
— Não, ela não está comigo — falou assim que parou de rir. — E sim, ela sabe que eu existo, mas aparentemente prefere viver com qualquer um, menos comigo.Lá estava a amargura de novo em seu tom, mas ele não deixou de parecer que achava a situação engraçada, ou dolorida demais para não rir. Eu não sabia o que pensar. Que ele era louco? Talvez. Mas se a irmã dele não queria morar com ele, por que eu deveria? Mais uma vez as desconfianças sobre ele e suas intenções comigo martelavam em minha cabeça, mas eu não podia tomar decisões baseadas no achismo ou mesmo em emoções passageiras, antes deveria observar as coisas com mais atenção.Talvez fosse apenas um problema de família no qual eu não tinha nada a ver com isso, afinal, irmãos brigam, não é mesmo? — Sabe — eu falei após me recompor de meus pensamentos aleatórios —, talvez devesse dar um tempo a ela. Quem sabe assim não reconsidera?— Estou fazendo isso — ele voltou a ficar sério. — Sei que pressioná-la não vai surtir efeito nenhum
À tarde fomos para um parque onde conversamos mais sobre a vida em geral e sério, gostei muito.Terminamos o dia com um sorvete. Então notei os olhares das pessoas ao redor, a maioria maldosos e não pude evitar me incomodar. — Está tudo bem — disse Ricardo quando nos sentamos um em frente ao outro em uma pequena mesa. — É da natureza humana olhar, criar fantasias e depois fofocar. Resta a você decidir como isso vai afetar a sua vida.— E o que vai acontecer — perguntei, abordando o assunto que tanto estávamos empenhados em ignorar, embora ele pairasse no ar toda vez que conversávamos —, se eu aceitar sua proteção?— Provavelmente a mídia vai falar demais quando souber, iremos ignorar alguns, processar outros e a vida vai continuar. O importante é que eu e você sabemos o que um representa na vida do outro.Suas palavras tiveram um importante peso. Eu nem o conhecia, mas sabia que ele era importante para minha sobrevivência de alguma forma. Minha mãe sempre dizia que sua vida estava li