5. FACULDADE (Hannah)

— Boa noite, Sr. Inácio.

— Boa noite, Sta. Hannah. Como o senhor está hoje? – O motorista que me leva para a faculdade quase todos os dias.

— Bem, graças a Deus, e você?

— Eu preciso de um milagre para ir bem na prova.

— Vou orar por você, mocinha, mas Deus só ajuda a lembrar o que você se esforçou para estudar.

— Por isso que eu preciso de um milagre, Sr. Inácio. – Passei a roleta depois de ouvir a gargalhada e depois do olhar de desaprovação do meu amigo motorista. Era uma risada gostosa, solta e despreocupada. Me ajudava a seguir adiante; aquele senhor de idade avançada já me contou várias vitórias e sempre terminava com aquela gargalhada, isso me marcou.

Quando cheguei no corredor, antes de entrar na sala, vi o casal se esfregando perto do bebedouro, que nojo! Letícia e Cícero, meu ex, sei lá o que era aquilo.

— Boa noite, Hannah – ele falou com a mão ainda na bunda dela. — Como você está hoje? Não precisa responder, pela aparência, ainda na auto-piedade sem fim, pobre coitada.

— Cícero, quando eu precisar da sua opinião… – aí eu parei e coloquei a mão na testa. — Ah! Na verdade, isso nunca vai acontecer, então cuida da sua vida, ok?!

— Hummmm! Ela tá azeda hoje, não está sendo amada, tadinha. – Letícia era mesmo uma vaca, de todas as meninas, ele sabia que ela ia ser a que ia mais me irritar.

— Letícia, diga com quem andas… – então eu parei e olhei em volta, todos estavam olhando. — Esquece, todos já sabem quem você é.

Ela ia responder, e até veio pra cima de mim, o que me deu um certo medo, eu era boa de arrumar briga, mas não sabia nada de brigar, mas Cícero a deteve. O rosto dele de satisfação de ver nós duas discutindo, parecia que ganhou um prêmio.

Ainda bem que a primeira aula era de matemática, você deve achar que eu sou maluca, mas eu amo essa matéria, é tudo lógico e controlável, certo e perfeito. E ainda de bônus tinha ele…

— Boa noite, turma. – Hoje ele veio com colete cinza-claro, marcava todo o abdômen sarado do homem. Sério mesmo, já assistiram Velozes e Furiosos? É a mistura do rosto de Sung Kang, no primeiro filme, com o corpo do Matthew Daddario, e a elegância desse homem não tem limites.

— Pessoal, eu quero que formem equipes e vai ser por sorteio.

— Ahhhhhhhhhhhhh, não. – Todos protestaram, eu nem liguei, pra mim tanto faz, não consegui fazer amigos na classe, parece que eles já vieram de outras escolas todos em panelinhas. Meus últimos trabalhos foram com Cícero, Letícia e sua amiga Valquíria, foi onde tive o desprazer no começo do ano de conhecer o crápula e namorar ele por longos três meses.

— Vamos ao próximo grupo, atenção: Pâmela, Carla, Cícero e Hannah. – não, não deixei minha cabeça cair na carteira, aquilo não podia estar acontecendo.

— O tema de vocês será “Polinômios e equações algébricas”.

— Professor… – levantei a mão.

— Não podem trocar de grupo. O próximo grupo, é…

Era isso mesmo que ia perguntar, olhei para Cícero, ele estava sorrindo de canto de boca, mordendo uma lapiseira. Letícia, de braços cruzados com um bico maior que o Maracanã.

E assim fizemos o grupo no W******p:

— Aqui, meninas, meu número – peguei o celular delas e digitei, agora era só adicionar novamente o número do cafajeste. — Já criei o grupo “Mat.ClassOne”. Cícero, pode passar seu número, por favor?

— Como assim, girl, você já tem. – Aquele olhar era a morte pra mim, e pensar que eu me derretia quando ele fazia aquilo.

— Eu apaguei – olhei com desdém para ele.

— Acontece – ele mordeu os lábios, aqueles lábios carnudos.

— De propósito, aliás. – Levantei a sobrancelha.

— Ei!!! Nós vamos ter algum problema aqui? – Pâmela fez um círculo com as duas mãos na nossa frente e jogou o quadril de lado. Ela era a segunda melhor aluna na escola e a primeira da sala. — Não vou aceitar imaturidade e casinhos entre colegas atrapalhar meu desempenho acadêmico. Ficou claro?

— Como a neve. – Respondi.

Depois disso, nos cadastramos no grupo e fomos estudar. Cada um na sua mesa, pois o trabalho era para ser feito fora de classe. Meus pensamentos, enquanto o professor gato sarado falava, eram como administrar minhas últimas economias. Achei que quatro meses sem emprego fixo seria o máximo de tempo que eu ficaria, mas o mercado está apertadíssimo. Meus bicos davam para o aluguel e a luz, mas a comida estava me virando com os empréstimos da Lili e da minha mãe.

— Hannah, talvez você saiba esta, quer vir aqui tentar? – Este é aquele momento em que todos estão te olhando e você está olhando para a janela vendo o completo vazio.

— Cla...cla…ro vou sim. – Olhei para o quadro branco; era uma equação aparentemente fácil, só precisava de um pouco de raciocínio. Peguei o pincel atômico e comecei a resolver a primeira linha.

— Eu gostaria que você compartilhasse o raciocínio em voz alta conosco – ele estava de sacanagem comigo, né?! Quando pensei isso, fiz a cara exata disso também, com as mãos para cima e tudo mais. A sala inteira riu. — Algum problema?

— Não, professor. – Sim, professor, agora o senhor parece menos lindo, aliás, horroroso para mim. Foi aí que alguém levantou e disse que o horário da aula tinha acabado. Larguei o pincel e olhei para trás querendo dar um beijo no meu salvador, até ver quem era…

— Obrigada, senhor Cícero por me lembrar. Turma dispensada. – O professor não gostou muito da atitude do meu ex, mas eu não pude achar tão ruim assim.

Tínhamos que trocar de sala, por eu ter cursado a primeira faculdade de secretariado, acabei eliminando matérias e fiquei com alguns buracos na grade curricular. Usava esse tempo para ir à academia da faculdade, já que era gratuito mesmo.

— Boa noite, Hannah, tudo bem? – Sara era aluna da educação física e fazia estágio lá, uma gata e um amor de pessoa. Amava como ela tratava todos iguais, velhos e jovens, bolsistas ou não, acho que me entenderam.

— Olá, Sara, estou bem, sim, hoje quero pegar leve, estou deprê. – Às vezes eu contava, quando ainda estava com o Cícero eu desabafava com ela, depois ficamos falando mais sobre os estudos e família. — Já marcaram as provas?

— Sim, semana que vem nem apareço aqui mais, vejo minhas horas de estágio e vou só meter a cara nos livros. Paola está uma fera comigo. – Ela ligou a esteira e programou vinte minutos na caminhada. Paola era a namorada dela, estavam juntas há um tempão, viviam brigando.

  

— O que foi desta vez? – Eu conheci a Paola em um dia em que ela foi buscar Sara na escola. Ela tem uma dessas motos enormes de mil cilindradas, muito irada, eu gostei dela de início, super simpática, me mostrou as tatuagens, deu uma volta comigo, disse que até conhecia minha cidade natal e que um dia íamos todas lá passear. Mas depois da última briga delas, eu vi uns roxos no braço da Sara e não gostei do tipo de conversa que Paola teve em relação a deixar ela continuar estudando naquela faculdade.

— Ela apareceu no shopping, eu estava comprando lingeries com uma amiga do grupo de leitura, ela não conhece, eu mesma a conheci naquele dia em uma cafeteria e resolvemos esticar a tarde. Ela foi super grossa com a Raquel, e me puxou pelo braço…

— De novo, Sara… – eu a interrompi, mas continuei fazendo minha caminhada.

— Eu sei, eu sei. Mas depois ela me pede desculpa, e é tão carinhosa, até mandou mensagem para a menina com flores e tudo mais. – Sara balançou a cabeça, seus olhos estavam enevoados, eu via que estava esgotada. — Tudo acaba na cama e fica ótimo por uns dias.

— Sara, você mais do que ninguém sabe que eu estava entrando nessa com o Cícero. E quem foi a primeira a me alertar? – Ela era a que mais via ele me controlar, até mesmo me deixava na porta da academia e me buscava.

— É diferente, Hannah, eu devo tudo à Paola, ela me ajudou muito quando eu mais precisei. E ela está mudando, eu sinto. — Sara olhou para mim com esperança nos olhos, mas eu não podia deixar passar em branco.

— Se ela está mudando mesmo, ela precisa provar isso com ações concretas. E não só na cama. Vocês precisam de terapia de casal. Esse ciclo de brigas e desculpas não é saudável. Você merece mais, Sara.

— Lá vem você com essa história. Sim, claro que ela te ajudou pra caramba, mas o quanto você a retribuiu? Foi mútuo. E além do mais, ela sempre fez por amor, e algo se faz por amor, não é dívida pra ninguém. O amor é gratuito.

— Mas como faço pra deixar ela, minha vida toda está ligada a dela. – Nesse momento ela falou bem baixinho, e olhando dos lados, parecia até tremer.

— Sara, ninguém deveria ficar assim, ao falar sobre outra pessoa. Olha como você está?

— Porque tenho medo da sua reação. – Eu desliguei a esteira. Ela precisa mesmo de um plano.

— Tenho uma ideia, mas primeiro tenho que falar com uma amiga. Enquanto isso você tem que focar nas provas, ok?

— Ok. – o olhar dela não era nada ok, mas era o que tinha para o momento. — Vamos para os aparelhos, mocinha.

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