Naquela tarde, depois que eu voltei para casa, tive um tempo sozinha antes da minha tia chegar em casa. Tomei banho e coloquei uma roupa leve para ficar em casa. Peguei um dos livros da prateleira e me deitei na cama para ler um pouco. Orgulho e Preconceito, as páginas estavam gastas de tanto serem viradas e havia manchas de café em algumas folhas de quando, sem querer, eu derrubei café nele. Foram só algumas gotas e para minha sorte não havia borrado as letras. Eu li dois capítulos antes de pegar no sono.
※※※※
Sabe aquele momento que você está sonhando e sabe que está sonhando, mas que o sonho parece tão real que você começa a duvidar da sua própria percepção de sonho? Bom, era exatamente isso que estava acontecendo comigo naquele instante. Uns minutos antes de alguém me acordar, eu me vi dentro de um sonho onde tudo parecia ser real demais. Eu tive até a brilhante ideia de me beliscar só pra garantir. Doeu. Mesmo assim eu sabia que estava sonhando.
- Você não vai se livrar de mim tão cedo - disse uma voz familiar, feminina, doce, que me trazia lembranças ruins, mas que ao mesmo tempo me fazia querer ir correndo para onde vinha a voz.
- O que você está fazendo aqui Melanie? - perguntei com a voz o mais normal possível. Me virei e encarei minha irmã morta. Agora eu tinha certeza de que estava sonhando. Ela se parecia muito comigo, afinal, éramos gêmeas. Os mesmos cabelos pretos, a mesma altura, o mesmo sorriso (embora o meu parecesse ser menos falso quando sorriamos para alguém que não gostássemos), mas os olhos eram diferentes, os meus eram pretos como a noite mais escura enquanto os da minha irmã eram castanhos amendoados.
- Resolvi lhe fazer uma visitinha. Gostou? - Seus olhos brilharam com um estranho tom de vermelho, durou apenas um segundo, depois logo voltou a cor de amêndoas.
- Eu não sabia que os mortos tinham permissão para vir até o mundo dos vivos! - zombei, me arrependendo na mesma hora, sabendo que ela poderia se zangar e ir embora.
Para contrariar meus pensamentos ela sorriu e se sentou em um banco de madeira perto de onde estávamos, que eu não havia percebido ainda, mas estávamos no píer perto da casa do lago dos meus pais. Sentei-me do seu lado e fiquei admirando o lago com minha irmã morta.
- Tecnicamente eu estou no mundo dos sonhos, não no dos vivos - respondeu ela à pergunta que eu nem me lembrava de ter feito.
- Mesmo assim, como você está aqui e não com as outras pessoas mortas?
- Quem te disse que eu estou morta? Eu pareço morta pra você? - ela apontou para si mesma querendo que eu a olhasse. Bom, na verdade minha irmã parecia normal, tirando a minha blusa vermelha que ela estava usando.
- Por que você está com a minha blusa? - questionei.
Senti uma estranha dor de cabeça, aquela que começa do meio do crânio e depois se espalha, dando a impressão de sua cabeça iria explodir. "Megan, acorde. Olhe pra mim." Ofeguei. Aquela voz desconhecida vinha de dentro da minha cabeça.
- Eu estava com ela lá em casa, quando vim pra cá ela veio junto e, por favor, não de um piti por causa disso.
"Acorde, por favor. Não me deixe. Abra os olhos. Olhe pra mim..."
Aquela voz continuava gritando dentro da minha cabeça. Apertei as mãos na lateral da cabeça querendo que aquilo parasse. Era assustador ouvir uma voz que não era minha vinda de dentro da minha cabeça, afinal, eu não estava sonhando?
Melanie disse mais alguma coisa que eu acabei sem escutar.
"Megan..."
- Sai da minha cabeça! - gritei. Melanie me olhou com preocupação estampada no rosto.
- Megan, o que foi? – perguntou minha irmã, se afastando de mim.
"Por favor, não morra…"
※※※※
Foi assim que começou. Uma voz dentro de um sonho que implorava pra eu não morrer. Uma voz desconhecida. A mesma voz que eu ouvi no dia do acidente quando me encontraram perto da piscina.
Não havia nada que eu poderia fazer. Esses sonhos me seguiam onde quer que eu ia. Eram um pesadelo constante que me atormentavam. Quando minha irmã gêmea morreu, ela levou uma parte de mim com ela. Eu ainda sentia como se meu coração estivesse partido, havia uma ferida nele que não podia ser costurado, colado ou amarrado, meu coração estava em pedaços desde a sua morte e não havia nada nem ninguém que pudesse concertá-lo.
- Megan - chamou uma voz. Essa eu reconheci. Era tia Stella, pelo tom da voz ela devia estar no primeiro andar da casa. Olhei o relógio sobre o criado mudo ao lado da cama, eram seis horas, tia Stella tinha acabado de chegar.
- Já estou indo - gritei. Joguei as pernas para fora da cama e levantei-me. Desci as escadas e encontrei tia Stella na cozinha lavando as mãos na pia e secando com um pano de prato.
Sentei-me em um dos bancos altos e apoiei os braços na bancada.
- Como foi o trabalho? - perguntei.
Tia Stella começou a falar do chefe, ou melhor, a reclamar sobre ele. Fui obrigada a me desligar daquela conversa. Fiquei olhando o broche em forma de cachorrinho que ela usava sobre o peito do lado direito. Era um broche fofo que eu dera a ela no natal. Fiquei feliz por ela ainda usá-lo.
- ...E depois do almoço ele me pediu para revisar um artigo que eu já havia revisado e mandado para ele. Ele encheu a minha mesa com trabalhos que ele deveria fazer e ainda ficava me pedindo pra encher a xícara dele com café.
Balancei a cabeça.
- Mas deixa isso para lá. Como foi seu dia?
- Foi legal. Eu pedi à Sarah para vir aqui em casa hoje, pois ela precisa de ajuda com o trabalho de história - comentei. Na verdade, já era para ela estar chegando, pois eu havia pedido pra ela ir depois que tia Stella tivesse chegado para não ficarmos sozinhas em casa.
O som da campainha foi o que me tirou de meus pensamentos. Sarah havia chegado.
Levantei-me e fui atender a porta. Sarah havia tomado banho e estava segurando a mochila em um dos ombros enquanto mascava um chiclete. Seus cabelos loiros ainda estavam um pouco úmidos e ela o deixara solto para secar com a brisa fresca daquela noite. Minha amiga me deu um beijo estalado na bochecha ao entrar.
- Oi, tia Stella! - gritou ela cumprimentando minha tia como se fosse parte da família.
- Oi, Sarah. Como você está? - perguntou minha tia da cozinha.
- Bem, dentro do possível. - Sarah jogou a mochila sobre o sofá.
- Aconteceu alguma coisa? - Stella veio para a sala de estar e se sentou em um dos sofás. Sarah e eu sentamos também, de frente para ela.
- Tirei nota baixa em uma matéria e agora tenho que fazer um trabalho para recuperar essa nota.
Stella se inclinou para frente.
- Que matéria que é? - quis saber ela.
- História - falei.
Stella passou as mãos no cabelo e respirou fundo.
- Bom, eu sei um pouco sobre história. Se vocês quiserem a minha ajuda eu posso pegar uns livros antigos que eu tenho lá no meu quarto.
Sarah e eu sorrimos. A ajuda da minha tia seria bem-vinda. Só me senti mal por perceber naquele momento que minha tia nunca me ajudara em nenhum trabalho da escola e, do nada, ela se oferece de bom grado para ajudar Sarah. Será que minha tia gostava mais da minha amiga do que de mim? Besteira, aquilo não passava de um ciúme bobo de adolescente.
Engoli o ciúme e voltei a me concentrar no trabalho que tínhamos pela frente.
- Adoraríamos sua ajuda tia. Obrigada - Sarah agradeceu.
- Mas tem uma condição!
Tia Stella se levantou e apoiou as mãos na cintura.
- E qual é? - Sarah e eu perguntamos juntas.
- As duas terão que me ajudar com o jantar.
Concordamos com um aceno de cabeça. Sarah deixou as coisas dela na sala e nós duas seguimos minha tia até a cozinha para preparar o jantar.
Três horas depois, já tínhamos comido e ajudado Sarah a fazer o trabalho de duzentas linhas.
Sarah dormiu na minha casa aquela noite. Por duas horas eu não consegui dormir, ouvindo-a roncar. Mas depois peguei no sono e só acordei na manhã seguinte.
Amélia acordou de repente, com o corpo coberto de suor. Seus pesadelos estavam cada vez piores. Eles sempre a levavam para aquele terrível dia que sua irmã morrera. Mesmo sem querer admitir, Amélia amava sua meia-irmã. E sentia muita falta dela. Mary fazia falta na família. Seus pais nunca mais foram os mesmos depois da morte dela e do marido. Mesmo Mary não sendo filha legítima de seus pais, ela estava na família desde muito pequena. Mary era só um bebê quando se juntou aos Collins. Amélia nasceu um ano depois disso, as duas cresceram e se tornaram mulheres lindas, Mary com seus cabelos castanhos e Amélia com seus gloriosos cachos negros. As duas não eram apenas irmãs, eram melhores amigas, mas a vida as separou. Como tudo que começa tem que acabar. Um barulho no elevador chamou a atenção de Amélia. Ela se levantou, colocou o hobby de seda preto e saiu do quarto. A porta do elevador, que dava para o interior de seu apartamento, se abriu. Kiyamet estava com suas trad
Mason dormia profundamente em sua cama no dormitório masculino. Ele dormia no quarto ao lado de seu irmão, Jason. Os dois eram muito parecidos fisicamente, mas completamente o oposto um do outro em se tratando de personalidade. Jason, por exemplo era sempre quieto e gostava de ficar na dele, andava com os amigos, mas dificilmente puxava assunto, era inteligente e muito bonito. Jason havia puxado vários traços de seu pai, mas os olhos e cabelos escuros eram da mãe. Mason também tinha os cabelos escuros, mas seus olhos eram castanhos claros com um leve toque de dourado e não pretos como os da mãe. Os dois irmãos eram grandes e fortes, devido aos treinamentos na Arena da Academia. Eram quatro horas da manhã ainda. Mason puxou os cobertores até o queixo e se virou de lado. Em seu sonho ele viu a garota por quem estava apaixonado desde que a conhecera aos quinze anos quando a mãe dela a levou até a casa onde ele morava com a mãe. Os cabelos louros de Andrea
Amélia tentava prestar atenção na estrada à sua frente, mas os pensamentos de seus filhos entravam na sua cabeça sem permissão. Os pensamentos de Mason eram constrangedores, ele não parava de pensar em Andrea. Pelos pensamentos de seu filho, ele ainda era virgem, mas não demoraria muito até que ele e Andrea se unissem. Ele não parava de pensar nos lábios da garota que deixara para trás. Os pensamentos de Jason, por outro lado, eram mais sanguinolentos do que os do irmão mais novo. Ele pensava em guerra, quando tudo o que os Hunters queriam era paz. Ela freou de repente, as rodas do carro derrapando na rua de cascalho. - O que há com vocês? - perguntou ela, virando-se no banco para encarar ambos os filhos. Mason parecia perdido olhando pela janela, mas quando sua mãe falou ele a olhou. Ela estava linda como sempre. - Você estava fazendo aquilo de novo? - perguntou Jason bloqueando seus pensamentos. - Eu já disse que não consigo evitar, por isso
- Mãe... está acordada? - a voz de Mason vinha do corredor. Amélia vestiu-se rapidamente e atendeu a porta. Seu filho estava com o cabelo bagunçado, usava uma regata branca e uma calça de moletom cinza.- Tudo bem? - perguntou ela ao filho.Ela percebeu que ele hesitou, mas enfim falou com a voz rouca.- Não consegui dormir.- Teve um pesadelo?Mason assentiu com um gesto de cabeça.- Quer dormir aqui? - perguntou ela.- Se eu não for incomodar. - Ele entrou e se sentou na beira da cama. Amélia se sentou do seu lado e pegou na sua mão.- Se importa se eu ver? - perguntou ela. Ele balançou a cabeça. Amélia se concentrou e entrou na cabeça do seu filho, sondando, vendo o que ele sonhara que o deixara tão abalado.O que Amélia viu a fez chorar. Era uma falsa lembrança. Mason havia sonhado com seu pai. Mas o
※※※※25 de outubro.※※※※ Na quarta-feira, tia Stella me encontrou no meu quarto ardendo em febre e não me permitiu ir à escola. Eu havia dito que não era nada, mas ela não me deixou nem mesmo falar. Me deu alguns remédios e me deixou dormir quase o dia todo. Eu não sabia o que causara o mal-estar, mas depois do meio-dia eu acabei pondo todo o almoço para fora. Tenho certeza de que não era intoxicação alimentar, mesmo assim tia Stella insistiu em me levar ao médico naquele dia. O médico disse que não encontrou nada de errado comigo e, portanto, eu estava bem. Ele me deixou ir dizendo que eu não precisava faltar a aula no dia seguinte, mas que se me sentisse ruim novamente era para procurá-lo de novo. Tia Stella ligou para Sarah depois que voltamos do médico. Eu já estava melhor, bem o bastante para pôr todo o assunto em dia das matérias que eu havia perdido. Sarah havia dito que as aulas haviam sido o mesmo de sempre, nada de importante havia ac
※※※※ Querido diário. Acabo de ter mais um pesadelo. Ultimamente eles andam mais frequentes. Quase toda noite eu perco o sono, as vezes é apenas insônia, mas as vezes são os pesadelos que não me deixam dormir. Quero muito falar com alguém sobre isso, mas eu não tenho muitas opções. Sei que se eu contar à tia Stella ela vai querer que eu volte a fazer terapia, mas eu não quero falar com uma estranha sobre meus sonhos, isso é particular. Eu só quero alguém para desabafar, alguém que realmente possa me ajudar. Sarah é minha melhor amiga há cinco anos, mesmo assim ela não entende quando eu falo dos meus sonhos pra ela. Sarah não é formada em psicologia, então não pode me ajudar (não que eu queira um especialista na área). Eu achei que já tinha superado a morte dela. Mas eu não consigo parar de sonhar com Melanie, e ultimamente os sonhos estão se tornando mais frequentes. À
Dominic comia o jantar em silêncio, ele não era muito de falar, nem mesmo com a filha. A única pessoa com quem ele falava estava tomando banho no segundo andar, e iria demorar pelo menos mais meia hora até descer novamente, deixando a cozinha num silêncio estranho. Por sorte Dominic não quebrara a perna, mas estava mancando desde que acordara naquela manhã e estava usando uma bengala para conseguir se equilibrar. Seu rosto já estava melhor apesar da aparência cansada, mas ele ainda gemia de dor do ferimento da bala em sua barriga. Amélia se remexeu na cadeira e continuou comendo, sentada de frente para o seu pai, seus filhos estavam a sua direita e o lugar vago ao lado de seu pai pertencia à sua mãe, mas ela não estava com fome. Jason pigarreou. - Então, vovô… Como o senhor está? - Bem - respondeu Dominic. Curto e grosso. - Sabe que Mason pode ajudar. A ferida se cicatrizaria e não doeria mais… - Não, obrigado. Mason ch
Dominic estava calmo, ou pelo menos aparentava. Ver seu neto de joelhos à sua frente fez lembranças ruins voltarem a atormentá-lo. Ele não queria se lembrar de Michael. Ou mesmo de Mary. Mas ele tinha que fazer isso. Estava assustando Jason, claro. Seu neto nunca o tinha visto usar seu poder, e agora estava vendo-o usar contra ele. Mas seu poder iria fazê-lo esquecer daquela conversa toda, como se nada tivesse acontecido. Normalmente Dominic só usava seu poder em humanos que o pegava no flagra matando vampiros, ele nunca usara seu poder contra outro Hunter. Muito menos em alguém da família. O poder de Dominic era uma variação da telepatia, mas ao invés de ler pensamentos, ele conseguia acessar memórias, apaga-las, embaçá-las ou muda-las como bem queria. Ele tinha muitos anos de treinamento para conseguir controlar o seu poder. E tudo o que ele queria era acessar as memórias de Jason para saber o que o trouxera ali. “Mãe!” Gritou Jason mentalm