11 - MEGAN

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Querido diário.

Acabo de ter mais um pesadelo. Ultimamente eles andam mais frequentes. Quase toda noite eu perco o sono, as vezes é apenas insônia, mas as vezes são os pesadelos que não me deixam dormir. Quero muito falar com alguém sobre isso, mas eu não tenho muitas opções. Sei que se eu contar à tia Stella ela vai querer que eu volte a fazer terapia, mas eu não quero falar com uma estranha sobre meus sonhos, isso é particular. Eu só quero alguém para desabafar, alguém que realmente possa me ajudar. Sarah é minha melhor amiga há cinco anos, mesmo assim ela não entende quando eu falo dos meus sonhos pra ela. Sarah não é formada em psicologia, então não pode me ajudar (não que eu queira um especialista na área).

Eu achei que já tinha superado a morte dela. Mas eu não consigo parar de sonhar com Melanie, e ultimamente os sonhos estão se tornando mais frequentes. Às vezes eu só ouço vozes gritando, outras eu vejo mamãe e papai na cozinha segundos antes de queimarem. Os sonhos são sempre ruins e eu nunca consigo impedir que alguém se machuque, nunca consigo chegar a tempo para salvá-los. Na maioria dos sonhos eu sou apenas uma telespectadora, nunca consigo mexer em nada e ninguém me ouve.

 Eu preferia mil vezes ter morrido com eles naquele maldito incêndio.

_Megan Halloran.

Outubro, 26.

※※※※

Depois de ler o que eu havia escrito duas vezes e assinar meu nome em baixo como eu já estava acostumada a fazer, guardei o diário em seu devido lugar e voltei para a cama. Ainda eram cinco horas da manhã e eu não teria que levantar antes das seis e meia. Com relutância, fechei os meus olhos e peguei no sono, graças a Deus, sem pesadelos.

Eram quatro e meia da tarde quando Sarah e eu chegamos em casa depois de passar na biblioteca. Fomos direto para a casa dela e tomamos café com seu pai na cozinha junto com seu irmão caçula Daniel, de treze anos, que cismava que ainda casaria comigo. Eu ria sempre que ele falava isso, pois eu nunca pegaria o irmão de uma amiga, muito menos um que tivesse quatro anos a menos que eu.

O senhor Davis trabalhava em casa desde que sofrera um acidente de carro dois anos antes. Ele usava uma bengala na maior parte do tempo, mas eu sabia que quando não tinha ninguém por perto ele a deixava de lado e andava por conta própria, mancando.

Perto das seis da tarde me despedi do senhor Davis e de Daniel. Sarah me levou até o carro e me deu um abraço que eu retribuí com gosto.  Não era todo mundo que eu deixava se aproximar de mim daquela forma. Sarah demorou quase um ano até eu permitir que ela me abraçasse. Apenas ela e tia Stella tinham a minha permissão para ultrapassar meu espaço pessoal.

Não sei o que me levou a ter esse medo de que as pessoas me toquem, acho que isso começou um pouco depois do acidente, quando eu estava me despedindo das enfermeiras que cuidaram de mim e uma delas tentou me abraçar. Na ocasião eu comecei a chorar e tia Stella pediu que a enfermeira me soltasse, pois achou que talvez ela tivesse me machucado ou algo do tipo, mas depois que eu comecei a evitar todo tipo de contato humano por quase um ano, tia Stella pediu que eu fizesse terapia, pois achou que aquilo poderia me prejudicar no futuro.

Quando Sarah me soltou de seu abraço ela estava com um sorriso no rosto. Me desejou melhoras, mesmo que eu não tivesse doente nem nada e me permitiu voltar para minha casa.

Entrei no carro e percorri o curto caminho da casa dela até a minha. O sol já estava se pondo, as pessoas já começavam a recolher as roupas do varal e a chamar as crianças para jantar. Havia alguns grupos de adolescentes sentados no gramado em frente suas casas e conversavam animadamente entre si. Algumas pessoas corriam na calçada, usando fones de ouvido e regatas apertadas, o suor escorrendo por seus corpos.

Parei em um posto de gasolina no meio do caminho para abastecer o carro e comprar alguma coisa para comer. Enquanto um homem de meia idade cuidava do carro, entrei na loja de conveniência e fui até a sessão dos doces e peguei um pacotinho de M&M’S, a oitava maravilha do mundo.

Além de mim haviam mais duas pessoas na loja, mas apenas um carro do lado de fora, o meu. Paguei o M&M’S e me dirigi a saída, coloquei um pedaço do pacote entre os dentes, mordi e puxei com força para abri-lo, na mesma hora em que eu abria a porta e um cara, trinta centímetros mais alto que eu, entrava na loja. Alguns M&M’S caíram no chão, outros caíram dentro da minha blusa. Olhei para cima e o encarei. Pareciam um vampiro de filme de terror.

Ele ficou olhando dentro dos meus olhos enquanto eu encarava seus olhos vermelhos. Provavelmente o maluco estava usando lentes de contato. De onde ele saíra?

- Bela fantasia, camarada. Sabia que inda falta cinco dias para o Halloween? - murmurei dando espaço para ele passar. O dono da loja de conveniência deu uma risadinha, o que chamou atenção das duas outras pessoas que estavam se decidindo que bebidas levar e que salgadinhos. Os dois olharam para o sujeito, o cara também riu, mas a garota ficou séria, como se tivesse levado um susto.

O sujeito estava vestido de preto dos pés à cabeça, tinha a pele pálida, meio natural. No início eu achei que ele estava usando maquiagem, mas quando ele deu um passo para dentro da loja pude ver, pela pele exposta de seu pescoço e suas mãos, que ele realmente era pálido. Parecia alguém com câncer, perto da morte. Tinha a cabeça raspada e uma tatuagem na nuca.

Ele ficou ali parado, encarando as pessoas que não conseguiam tirar os olhos dele. Ele respirou fundo e começou a andar até os fundos da loja.

Voltei para o carro sem olhar pra trás. O cara que tinha cuidado do meu carro não estava mais ali quando me aproximei e um silêncio estranho havia caído sobre o posto de gasolina.

Fui embora enquanto comia o que restara dos meus M&M’S.

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