※※※※25 de outubro.※※※※
Na quarta-feira, tia Stella me encontrou no meu quarto ardendo em febre e não me permitiu ir à escola. Eu havia dito que não era nada, mas ela não me deixou nem mesmo falar. Me deu alguns remédios e me deixou dormir quase o dia todo. Eu não sabia o que causara o mal-estar, mas depois do meio-dia eu acabei pondo todo o almoço para fora.
Tenho certeza de que não era intoxicação alimentar, mesmo assim tia Stella insistiu em me levar ao médico naquele dia. O médico disse que não encontrou nada de errado comigo e, portanto, eu estava bem. Ele me deixou ir dizendo que eu não precisava faltar a aula no dia seguinte, mas que se me sentisse ruim novamente era para procurá-lo de novo.
Tia Stella ligou para Sarah depois que voltamos do médico. Eu já estava melhor, bem o bastante para pôr todo o assunto em dia das matérias que eu havia perdido. Sarah havia dito que as aulas haviam sido o mesmo de sempre, nada de importante havia acontecido durante minha ausência.
Tive sorte, acho, não havia trabalhos de casa para fazer, mesmo assim me adiantei o máximo possível nas matérias para não me atrasar. Sarah me fez companhia o máximo que pode, mas no fim das contas sua mãe ligou e pediu para ela ir para casa. Sarah se despediu de mim e prometi passar na casa dela para buscá-la no dia seguinte.
※※※※
Foi como cair no mar sem saber nadar e não conseguir voltar à superfície. O sonho veio de repente, como uma tempestade sem previsão, ou um cometa que muda de curso sem aviso prévio. Meus olhos se fecharam e eu adormeci, tão rápido que nem percebi que já estava sonhando.
Eu estava usando uma camisola estranha, branca que ia até o calcanhar, de mangas compridas e detalhes em renda, parecia antiga, com uma fita de seda trançada no tecido entre os seios. Eu estava descalça e o piso de mármore claro era frio contra os meus pés. As paredes brancas que me cercavam formavam um corredor estranhamente familiar, como se eu já tivesse passado por ali. As paredes eram lisas e não havia portas nem janelas. A não ser uma porta dupla no fim do corredor.
Comecei a andar lentamente, até o fim do corredor. Parei na frente da porta branca o toquei a maçaneta dourada, quando meus dedos tocaram a porta ela se abriu por vontade própria. Entrei no cômodo escuro e olhei em volta, eu estava em um grande salão de festas, como os encontrados em um palácio, com paredes brancas e rodapés dourados.
Havia janelas que iam do chão ao teto, as cortinas brancas, de um tecido fino e transparente, estavam puxadas de lado, deixando a luz da lua entrar no salão. Havia apenas uma janela onde a cortina estava solta, flutuando em ondas suaves com a brisa da noite.
Uma garota usando um vestido preto de baile estava apoiada na lateral da janela, com os braços cruzados, olhando para fora. Seu cabelo flutuava ao redor do seu rosto igual a cortina. Ela estava de frente pra mim, mas seu rosto estava virado para o lado de fora e ela não me viu quando me aproximei. Não a reconheci de imediato. Mas tinha algo nela que lembrava a mim mesma. Os mesmos cabelos escuros, a pele mais clara que a minha…
- Melanie? - perguntei.
Ela não se virou para mim, não esboçou reação nenhuma, apenas continuou olhando a noite, como se eu fosse invisível ou um fantasma.
- É lindo - disse ela. Era mesmo minha irmã. Mas ela parecia diferente, seu semblante estava suave, como nunca estivera antes, como se ela estivesse finalmente em paz. Estudei suas feições, tentando compará-la com a garota que me mandou esconder-me no armário antes das chamas engolirem a casa onde eu cresci.
Me aproximei alguns passos.
- O que é lindo?
- A lua, as estrelas, as arvores… tudo isso - ela apontou para fora com o queixo sem querer descruzar os braços. - Estão transmitindo vida, como eu nunca vi antes.
Parei ao seu lado e olhei na direção que ela olhava, do lado de fora havia um belo jardim iluminado por luzes fracas, alguns poucos lampiões a óleo iluminavam as árvores, arbustos e uma plantação maravilhosa de rosas vermelhas, as favoritas da minha irmã. Havia corredores entre as roseiras para que alguém passasse por ali para admirar as belas flores formando um pequeno labirinto. Era as flores mais lindas e bem cuidadas que eu já tinha visto em toda a minha vida. O cheiro das rosas chegava até onde estávamos e fazia com que não quiséssemos mais sair daquela janela. O ar fresco da noite batia nas rosas e levava sua fragrância até nossas narinas.
- Que lugar é esse? - perguntei a ela sem tirar os olhos do jardim.
- Você não reconhece?
- Não lembro de ter estado aqui antes.
Ela se virou pra mim e descruzou os braços. Agora, olhando-a de frente eu percebia nossas diferenças, a cor do cabelo era igual, apesar do corte de cabelo ser diferente, o dela estava apenas alguns centímetros maior que o meu e estava mais enrolado. Seus olhos eram de um castanho avermelhado lindo, emoldurado por cílios espessos, ela não usava maquiagem, nem tinha motivos para isso.
Mas havia algo nela que a estava deixando mais bonita que nunca. Pela primeira vez em toda a minha vida, eu via Melanie como a irmã boa. Coisa que ela nunca tinha sido quando era viva. Podia-se perguntar a quem quisesse, minha irmã nunca foi uma pessoa simpática, a não ser comigo. Até mesmo com a tia Stella, Melanie era insuportável. Ela sempre fora a aluna de quem os professores sempre reclamavam, a filha desobediente, a amiga encrenqueira, a valentona da escola… e por aí vai.
Mas agora ela parecia mansa, simpática, querida, calma… e nada disso combinava com ela. Parecia que eu estava olhando para uma estranha. Mesmo estando na frente da minha irmã, ela não parecia minha irmã.
- O que houve com você? - perguntei, minha voz saindo como uma acusação.
- Como assim? Não houve nada.
- Você está diferente.
- Eu me sinto diferente. Muitas coisas aconteceram nos últimos anos, Megan. As pessoas mudam.
Melanie sorriu e eu vi o que estava de diferente nela. Os caninos pontudos que saiam da sua boca e retorciam seu belo semblante fazendo a parecer um monstro.
※※※※
※※※※26 de outubro.※※※※
Levantei o corpo apressada da cama. Na mesma hora minha cabeça começou a girar e eu já não conseguia distinguir os móveis do quarto. Meu pijama estava colado ao corpo com o suor, do mesmo jeito que meu cabelo grudava na nuca e na testa. Minha respiração estava irregular, como acontecia depois de todo pesadelo. Joguei-me novamente em cima dos travesseiros e fiquei respirando fundo até minha respiração voltar ao normal.
Fiquei olhando o teto do quarto pelo que me pareceu uma eternidade, enfim fui até o banheiro lavar o rosto, quando me olhei no espelho após enxugar o rosto com uma toalha, as diferenças que eu tinha visto na minha irmã morta se ressaltaram ainda mais agora que eu estava vendo o meu rosto também.
Os olhos pretos assustados que me encaravam no espelho eram diferentes dos olhos castanhos avermelhados que me encaravam no sonho. Meu cabelo estava uma bagunça e havia olheira ao redor dos meus olhos, fazendo-me parecer doente.
“Vai ficar tudo bem”, disse a mim mesma. “Foi só um pesadelo, você já teve tantos outros que até perdeu as contas e, como os outros, você vai esquecer e seguir em frente.”
Por algum motivo eu não acreditava naquelas palavras, mesmo sendo eu que as estava dizendo. Senti vontade de conversar com alguém, mas eu não queria acordar tia Stella nem mesmo Sarah àquela hora da manhã. Voltei para o quarto e me ajoelhei na frente do baú ao pé da cama. Tirei a corrente do pescoço, a que continha a chave e abri o baú.
Fazia muito tempo que eu não escrevia, mas escrever no diário era melhor que terapia, então abri a tampa do baú e olhei o interior. Ali dentro não tinha apenas um diário, mas pelo menos dez. Desde que eu era criança eu gostava de escrever meus pensamentos e depois relê-los. Tinha ali também uma blusa da Melanie, a que eu estava usando no dia do acidente. Estava danificada por causa da queda, mesmo assim eu a guardara como recordação da pessoa que eu mais amava no mundo. Mas no fundo do baú tinha os presentes que Melanie me dera de aniversário quando éramos crianças e algumas fotos antigas que eu me recusara a pôr em um porta-retratos na sala como tia Stella havia pedido.
Tantas lembranças…
Enfim encontrei o que estava procurando, fechei a tampa do baú, retirei a chave e a coloquei em volta do meu pescoço novamente. Levei o diário até a escrivaninha, acendi o abajur e abri em uma página nova, pegando uma caneta de tinta preta. Comecei a escrever:
※※※※ Querido diário. Acabo de ter mais um pesadelo. Ultimamente eles andam mais frequentes. Quase toda noite eu perco o sono, as vezes é apenas insônia, mas as vezes são os pesadelos que não me deixam dormir. Quero muito falar com alguém sobre isso, mas eu não tenho muitas opções. Sei que se eu contar à tia Stella ela vai querer que eu volte a fazer terapia, mas eu não quero falar com uma estranha sobre meus sonhos, isso é particular. Eu só quero alguém para desabafar, alguém que realmente possa me ajudar. Sarah é minha melhor amiga há cinco anos, mesmo assim ela não entende quando eu falo dos meus sonhos pra ela. Sarah não é formada em psicologia, então não pode me ajudar (não que eu queira um especialista na área). Eu achei que já tinha superado a morte dela. Mas eu não consigo parar de sonhar com Melanie, e ultimamente os sonhos estão se tornando mais frequentes. À
Dominic comia o jantar em silêncio, ele não era muito de falar, nem mesmo com a filha. A única pessoa com quem ele falava estava tomando banho no segundo andar, e iria demorar pelo menos mais meia hora até descer novamente, deixando a cozinha num silêncio estranho. Por sorte Dominic não quebrara a perna, mas estava mancando desde que acordara naquela manhã e estava usando uma bengala para conseguir se equilibrar. Seu rosto já estava melhor apesar da aparência cansada, mas ele ainda gemia de dor do ferimento da bala em sua barriga. Amélia se remexeu na cadeira e continuou comendo, sentada de frente para o seu pai, seus filhos estavam a sua direita e o lugar vago ao lado de seu pai pertencia à sua mãe, mas ela não estava com fome. Jason pigarreou. - Então, vovô… Como o senhor está? - Bem - respondeu Dominic. Curto e grosso. - Sabe que Mason pode ajudar. A ferida se cicatrizaria e não doeria mais… - Não, obrigado. Mason ch
Dominic estava calmo, ou pelo menos aparentava. Ver seu neto de joelhos à sua frente fez lembranças ruins voltarem a atormentá-lo. Ele não queria se lembrar de Michael. Ou mesmo de Mary. Mas ele tinha que fazer isso. Estava assustando Jason, claro. Seu neto nunca o tinha visto usar seu poder, e agora estava vendo-o usar contra ele. Mas seu poder iria fazê-lo esquecer daquela conversa toda, como se nada tivesse acontecido. Normalmente Dominic só usava seu poder em humanos que o pegava no flagra matando vampiros, ele nunca usara seu poder contra outro Hunter. Muito menos em alguém da família. O poder de Dominic era uma variação da telepatia, mas ao invés de ler pensamentos, ele conseguia acessar memórias, apaga-las, embaçá-las ou muda-las como bem queria. Ele tinha muitos anos de treinamento para conseguir controlar o seu poder. E tudo o que ele queria era acessar as memórias de Jason para saber o que o trouxera ali. “Mãe!” Gritou Jason mentalm
※※※※Querido diário.Os pesadelos têm piorado. A cada noite que se passa eu acho que estou ficando louca. Não sei o que está acontecendo comigo. Tenho medo. Sinto saudades. As lembranças de alguém que já viveu me atormentam. Por que ela não pode me deixar em paz para viver minha vida? O que ela quer de mim?Preciso de ajuda. Não alguém com quem conversar, mas sim, alguém que acabe de uma vez por todas com esses sonhos. É impossível, eu sei. Mas eu não quero ter que recorrer à ajuda psicológica novamente. Da primeira vez já foi um pesadelo ter que falar para uma estranha sobre o acidente e o que aconteceu comigo depois disso. A verdade é que eu nunca superei. Acho que nunca vou superar. É doloroso demais. Só de pensar nas coisas que Melanie e eu poderíamos ter f
Miranda puxou Amélia pelo braço até uma saleta, deixando Dominic sozinho no quarto com os meninos. Amélia só foi com sua mãe pois sabia que seu pai não tentaria mais machucar seu filho, nenhum deles. Nem tentar apagar ou vasculhar nenhuma memória. - Por que você não nos contou sobre Jason? - disparou Miranda depois de trancar a porta. - Ele me pediu que não contasse a ninguém da família. Alguns dos amigos dele da Academia sabem, mas eles não comentam com ninguém pois sabem do problema de Jason. - Que “problema”? Amélia respirou fundo, desviou os olhos por um segundo e voltou a olhar para sua mãe. - Ele não sabe usar o poder dele. O semblante de Miranda se contorceu de medo e ressentimentos. Fragmentos de pensamentos escorregaram para dentro da cabeça de Amélia e ela viu e pode entender o motivo do medo de sua mãe. - Ele ainda tem tempo para aprender a controlar - adiantou-se Amélia dando um passo para frente. Sua mãe a
※※※※31 de outubro.※※※※ Passei a noite de Halloween em casa, trancada em meu quarto. Tia Stella ficou de entregar os doces a todas as crianças que batessem em nossa porta. A noite foi tranquila, apenas alguns adolescentes idiotas gritando nas ruas feito loucos enquanto eu tentava ler um bom livro no conforto do meu quarto. No fim da noite, não resisti e fui até a cozinha comer o que restara dos doces. Para minha sorte, Stella não havia enfeitado a casa com abóboras, teias de aranhas, esqueletos e outras coisas, como as outras casas, senão eu sabia que a tarefa de limpar tudo depois iria ficar toda para mim. Sarah havia me convidado para ir à uma festa, mas eu disse a ela que preferia ficar trancada no meu quarto o resto da semana a me encontrar em um lugar com várias pessoas desconhecidas, das quais eu tinha certeza de que não iria gostar. Ela, como sendo minha melhor e única amiga, me entendeu, mas ficou me mandando fotos a noite toda, para tentar, e
Encontrei Sarah no refeitório comendo uma maçã na nossa mesa de sempre. Sentei-me do seu lado e peguei meu sanduíche na bolsa. - Adivinha quem está na aula de Inglês comigo - pediu ela antes de dar uma mordida na maçã. Eu já sabia de quem ela estava falando, nem precisava adivinhar para saber que ela se referia a Mason. - Demi Lovato? - Ergui uma sobrancelha, ela franziu o cenho e deu risada. - Não, sua boba. Mason… Alguma Coisa. - Collins. - Isso. Como sabe? - quis saber ela. - Ele está na minha aula de Química, estamos dividindo a mesa essa semana até Alene voltar. - Ahh… - Sarah bateu as unhas no tampo da mesa ritmicamente enquanto mordia o lábio inferior. - Você o achou bonito? - Achei. Mas ele não faz o meu tipo, pode ficar tranquila. Sarah parou de bater as unhas e deu risada. - Desde quando você não gosta de homens? - Haha, engraçadinha. - O que? Eu preciso saber. Vai que eu te con
“Ela é completamente diferente de como eu imaginei que seria”, pensou Mason. “O jeito como ela me olhou no refeitório, como se entendesse minha dor.... Sei que ela também sofreu. Perdeu os pais e a irmã em um incêndio, ninguém deveria sentir a dor de perder toda a família desse jeito.” Depois de comer ele foi para a próxima aula que estava marcada em seu novo horário de aulas. Física. Ele detestava essa matéria. Pelo menos podia dormir durante a aula como fez na maioria das outras. Aquele dia parecia não acabar nunca. Pelo menos já estava quase acabando. Dentro de algumas horas Jason estaria no estacionamento esperando para levá-lo para casa, para um descanso merecido. “Como se minha mãe fosse mesmo me deixar descansar. Com certeza assim que eu entrar dentro da casa ela já vai começar com as perguntas. Ainda não entendo o porquê ela queria que eu encontrasse essa garota. Não sei o que Megan pode ter de especial, para mim ela pareceu uma garota c