- Mãe... está acordada? - a voz de Mason vinha do corredor. Amélia vestiu-se rapidamente e atendeu a porta. Seu filho estava com o cabelo bagunçado, usava uma regata branca e uma calça de moletom cinza.
- Tudo bem? - perguntou ela ao filho.
Ela percebeu que ele hesitou, mas enfim falou com a voz rouca.
- Não consegui dormir.
- Teve um pesadelo?
Mason assentiu com um gesto de cabeça.
- Quer dormir aqui? - perguntou ela.
- Se eu não for incomodar. - Ele entrou e se sentou na beira da cama. Amélia se sentou do seu lado e pegou na sua mão.
- Se importa se eu ver? - perguntou ela. Ele balançou a cabeça. Amélia se concentrou e entrou na cabeça do seu filho, sondando, vendo o que ele sonhara que o deixara tão abalado.
O que Amélia viu a fez chorar. Era uma falsa lembrança. Mason havia sonhado com seu pai. Mas o que havia acontecido no sonho, por mais que havia acontecido na realidade também, não teria como Mason saber dos detalhes, logo que ele não havia visto aquela cena. Sua mente forjou a cena dos acontecimentos que ele ouviu de sua mãe quando tinha quinze anos.
Amélia ouvia os choros das crianças, elas estavam desesperadas. As dezoito meninas que estavam na Igreja logo parariam de chorar. Amélia sabia o que aconteceria a seguir, só que ela não queria ver, aquilo seria macabro demais para ela ter que reviver. Uma vez já bastava. Ela também não tinha visto aquela cena pessoalmente, mas sabia o que havia acontecido. O que causou a morte de Michael.
Uma das meninas chamou por sua mãe, mas elas estavam sozinhas, a não ser por Michael, marido de Amélia.
Ele pegou a menina no colo tentando confortá-la, adiantou apenas no início, mas então quem começou a chorar foi o próprio Michael. Ele não queria fazer aquilo. Ele preferia morrer a fazer aquilo. Mas para salvá-las, ele tinha que fazer o que era preciso.
Quando o caos começou, Amélia foi jogada para fora da cabeça de Mason com brutalidade, como se alguém a arrancasse de lá a força. Aquilo, tecnicamente, não era uma lembrança pois Mason não estivera lá naquele dia. Mas quando sua mãe contara a ele sobre o dia em que seu pai morrera, a mente de Mason forjou uma imagem da cena e começou a atormentá-lo.
Amélia caiu no chão do quarto. Sua cabeça latejava forte e ela sentia como se estivesse prestes a desmaiar. Mason ajudou a mãe a se levantar e sentar na cama.
- Agora eu entendo por que você não conseguia dormir - falou ela.
- Sonhar com o papai foi bom, eu havia esquecido de como era o rosto dele. - Mason abaixou a cabeça, constrangido.
Sua mãe sorriu. O que ela vira fora horrível. Mas o fato de Mason sentir saudades de alguém que mal conhecia a deixava com pesar no coração. Michael morreu quando Mason tinha dois anos de idade e eles não tinham muitas fotos para se lembrar de como o pai era. Jason era diferente. Desde a morte de seu pai ele nunca mais tocou no nome dele, não fazia perguntas, não chorava igual a Mason no dia dos Pais, nem olhava as únicas fotos que Amélia tinha dele. Jason agia como se nunca tivesse tido um pai.
- O que mais me assusta são os gritos - disse Mason trazendo sua mãe de volta a realidade, arrancando-a de seus pensamentos. - Eu nunca vejo as crianças, só ouço suas vozes, o choro... o de papai também.
- Eu sei. Foi difícil para todos nós.
- Mas você superou. Teve seu luto, mas depois voltou ao normal. Como fez isso?
- Eu tinha dois filhos para cuidar. Eu tinha duas escolhas: me afundar na tristeza e acabar perdendo tudo, ou cuidar dos meus meninos e ajudá-los a seguir em frente como eu segui. Felizmente eu escolhi o certo.
Mason sorriu. Ele amava conversar com a mãe, mesmo sendo telepata ela não ficava vasculhando sua mente procurando a verdade quando sabia que ele estava mentindo (como na vez em que ele disse que ia dormir na casa de um amigo e no final foi para uma festa, a mesma que sua mãe tinha sido convidada. Ele pensara em ir embora e voltar para a casa do amigo, mas acabou sendo pego. No final, os dois ficaram na festa, mas Mason ficou duas semanas de castigo).
Quando os três acordaram pela manhã estavam mais descansados, mesmo só tendo dormido cinco horas. Mason continuava reclamando, irritando seu irmão a cada comentário que fazia sobre o tempo ou sobre tudo que eles estavam perdendo na Academia. Jason revirava os olhos ou apenas fingia que seu irmão não existia. Dessa vez foi Jason quem dirigiu, deixando a mãe descansar no banco de trás enquanto ele tinha que aturar seu irmão sentado ao seu lado.
Quando eles estavam quase chegando na casa dos avós, já era meia noite passada. Mason acordou sua mãe, que dormira a maior parte do caminho para não ter que ouvir os filhos se insultando durante toda a viagem.
Sim, o trajeto da Geórgia até Sacramento levava cerca de quarenta horas de carro. Dois dias de viagem apenas para ver Miranda e Dominic.
Jason guardou todos os palavrões para si mesmo.
Amélia se espreguiçou no banco de trás e se sentou ereta olhando o portão de ferro que dava para a mansão dos Collins. O portão tinha um grande C entalhado no centro, o tempo o deixara enferrujado, mas ele ainda estava inteiro, e ficaria assim por mais algumas décadas. Como ele era antigo tinha que ser aberto do modo antigo também, ou seja, Mason teve que sair do carro para abrir o portão com suas próprias mãos, o que não deu muito trabalho.
Assim que entraram eles conseguiram sentir a força que emanava do lugar. A casa ou a propriedade não tinha nada de místico, mas depois de todas os Collins que já morara ali, o lugar começou a emanar o poder de seus mortos.
Amélia sorriu, ela sentia falta daquele lugar como alguém sente saudade de um parente. Seus pais moravam ali desde sempre. Eles viviam viajando, mas nunca pensaram em se mudar. A casa era grande e espaçosa, havia um quarto para cada membro da família e outros para visitas, uma biblioteca cheia de livros antigos, vários quadros retratando sua família, candelabros valiosos passados de geração para geração e muitas outras coisas que poderiam não ser valiosas em dinheiro, mas valia muito para sua família.
- Eles estão em casa? - perguntou Jason para a mãe, ainda ignorando seu irmão.
- Devem estar. Eu falei com eles na semana passada, eles não disseram se iriam sair ou não. Mas mesmo se eles não estiverem em casa, eu tenho a chave e podemos esperar por eles.
Eles saíram do carro. Mason olhava para casa em silêncio, fazia muito tempo que eles não voltavam ali. A casa continuava igual, os jardins em volta, as arvores que rodeavam toda a propriedade deixando-a invisível para as pessoas da cidade. A casa era de sua família a gerações, Mason gostava de pensar que seus filhos e netos também teriam a oportunidade de conhecer aquele lugar. Era muito bonito. E assustador.
Mason seguiu Amélia e Jason até a entrada da casa, subindo as escadas que rangiam sob o peso dos três. Amélia foi quem tocou a campainha. De início não houve resposta, a casa estava silenciosa como a noite, todas as janelas estavam fechadas, parecia até que as arvores pararam para escutar.
Amélia pegou a chave em seu bolso e abriu a porta.
O hall continuava como Amélia lembrava, ela andou pelo corredor seguida de seus filhos, quando chegaram na sala lembranças inundaram sua mente. Algumas boas, outras ruins. E umas ainda piores.
Amélia balançou a cabeça para afugentar aquelas lembranças.
Alguns pensamentos vieram até ela, mas não eram seus pensamentos, eram de Jason.
“Dois dias de viagem e eles nem estão em casa. Ótimo.”
- Eles já devem estar vindo. Vou ligar para sua avó para saber onde eles estão - disse Amélia respondendo aos pensamentos de Jason.
Já passava das duas da manhã quando Miranda e Dominic chegaram em casa. Os meninos estavam dormindo, cada um em seu quarto. Amélia esperava sentada no sofá da sala de estar.
Miranda abriu a porta chutando-a e entrou apressada com seu marido ferido. Amélia se levantou ao ver o pai naquele estado, coberto de sangue, com um furo de bala na barriga, vários arranhões no rosto e nos braços e uma perna que parecia ter sido quebrada ao meio. Horrorizada, Amélia ajudou sua mãe a deitar seu pai no sofá onde ela estivera sentada segundos antes.
- O que você está fazendo aqui? - perguntou Miranda, de forma ríspida.
- Vim fazer uma visita. Os meninos vieram comigo.
Miranda estava assustada demais para confrontar sua filha, ao invés disso ela a instruiu a ir na cozinha e buscar água quente, enquanto ela corria até o banheiro para pegar umas toalhas e a caixa de primeiros socorros.
Quando as duas mulheres voltaram para a sala Dominic parecia parado demais, seu peito quase não se mexia e ele respirava com dificuldade, seus olhos estavam fechados e ele continuava sangrando.
- Mason! - gritou Amélia fazendo seu filho acordar. Levou dois minutos para que Mason chegasse até a sala, Amélia estava chorando, com medo de perder o pai.
- O que aconteceu? - perguntou Mason embriagado pelo sono.
- Explicarei depois - gritou Miranda. Jason apareceu no alto da escada e veio correndo até o sofá onde seu avô estava deitado. Ele queria perguntar o que tinha acontecido, mas já tinha ouvido a resposta da sua avó quando seu irmão fez a mesma pergunta.
- Mason pode ajudá-lo – falou Amélia, pedindo que seu filho caçula se aproximasse.
- Não. – A voz de Dominic saiu baixa, mas autoritária.
- Pai, ele pode...
- Eu disse NÃO!
Por um segundo, todos ficaram parados e em silêncio, tentando decidir se iam ou não contra as ordens do dono da casa. Por fim, a esposa de Dominic se aproximou com a caixa de primeiros socorros.
Miranda e Amélia limparam e suturaram as feridas de Dominic, a bala foi removida da sua barriga e ele enfim não sangrava mais. Seu analgésico era uísque puro. Mesmo sendo um homem de quase setenta anos de idade, ele era forte e aguentava um pouco de dor.
Uma hora depois, Dominic já descansava em seu próprio quarto enquanto o resto da família conversava na sala.
- Será que agora você pode me contar que droga foi que aconteceu? - perguntou Amélia.
※※※※25 de outubro.※※※※ Na quarta-feira, tia Stella me encontrou no meu quarto ardendo em febre e não me permitiu ir à escola. Eu havia dito que não era nada, mas ela não me deixou nem mesmo falar. Me deu alguns remédios e me deixou dormir quase o dia todo. Eu não sabia o que causara o mal-estar, mas depois do meio-dia eu acabei pondo todo o almoço para fora. Tenho certeza de que não era intoxicação alimentar, mesmo assim tia Stella insistiu em me levar ao médico naquele dia. O médico disse que não encontrou nada de errado comigo e, portanto, eu estava bem. Ele me deixou ir dizendo que eu não precisava faltar a aula no dia seguinte, mas que se me sentisse ruim novamente era para procurá-lo de novo. Tia Stella ligou para Sarah depois que voltamos do médico. Eu já estava melhor, bem o bastante para pôr todo o assunto em dia das matérias que eu havia perdido. Sarah havia dito que as aulas haviam sido o mesmo de sempre, nada de importante havia ac
※※※※ Querido diário. Acabo de ter mais um pesadelo. Ultimamente eles andam mais frequentes. Quase toda noite eu perco o sono, as vezes é apenas insônia, mas as vezes são os pesadelos que não me deixam dormir. Quero muito falar com alguém sobre isso, mas eu não tenho muitas opções. Sei que se eu contar à tia Stella ela vai querer que eu volte a fazer terapia, mas eu não quero falar com uma estranha sobre meus sonhos, isso é particular. Eu só quero alguém para desabafar, alguém que realmente possa me ajudar. Sarah é minha melhor amiga há cinco anos, mesmo assim ela não entende quando eu falo dos meus sonhos pra ela. Sarah não é formada em psicologia, então não pode me ajudar (não que eu queira um especialista na área). Eu achei que já tinha superado a morte dela. Mas eu não consigo parar de sonhar com Melanie, e ultimamente os sonhos estão se tornando mais frequentes. À
Dominic comia o jantar em silêncio, ele não era muito de falar, nem mesmo com a filha. A única pessoa com quem ele falava estava tomando banho no segundo andar, e iria demorar pelo menos mais meia hora até descer novamente, deixando a cozinha num silêncio estranho. Por sorte Dominic não quebrara a perna, mas estava mancando desde que acordara naquela manhã e estava usando uma bengala para conseguir se equilibrar. Seu rosto já estava melhor apesar da aparência cansada, mas ele ainda gemia de dor do ferimento da bala em sua barriga. Amélia se remexeu na cadeira e continuou comendo, sentada de frente para o seu pai, seus filhos estavam a sua direita e o lugar vago ao lado de seu pai pertencia à sua mãe, mas ela não estava com fome. Jason pigarreou. - Então, vovô… Como o senhor está? - Bem - respondeu Dominic. Curto e grosso. - Sabe que Mason pode ajudar. A ferida se cicatrizaria e não doeria mais… - Não, obrigado. Mason ch
Dominic estava calmo, ou pelo menos aparentava. Ver seu neto de joelhos à sua frente fez lembranças ruins voltarem a atormentá-lo. Ele não queria se lembrar de Michael. Ou mesmo de Mary. Mas ele tinha que fazer isso. Estava assustando Jason, claro. Seu neto nunca o tinha visto usar seu poder, e agora estava vendo-o usar contra ele. Mas seu poder iria fazê-lo esquecer daquela conversa toda, como se nada tivesse acontecido. Normalmente Dominic só usava seu poder em humanos que o pegava no flagra matando vampiros, ele nunca usara seu poder contra outro Hunter. Muito menos em alguém da família. O poder de Dominic era uma variação da telepatia, mas ao invés de ler pensamentos, ele conseguia acessar memórias, apaga-las, embaçá-las ou muda-las como bem queria. Ele tinha muitos anos de treinamento para conseguir controlar o seu poder. E tudo o que ele queria era acessar as memórias de Jason para saber o que o trouxera ali. “Mãe!” Gritou Jason mentalm
※※※※Querido diário.Os pesadelos têm piorado. A cada noite que se passa eu acho que estou ficando louca. Não sei o que está acontecendo comigo. Tenho medo. Sinto saudades. As lembranças de alguém que já viveu me atormentam. Por que ela não pode me deixar em paz para viver minha vida? O que ela quer de mim?Preciso de ajuda. Não alguém com quem conversar, mas sim, alguém que acabe de uma vez por todas com esses sonhos. É impossível, eu sei. Mas eu não quero ter que recorrer à ajuda psicológica novamente. Da primeira vez já foi um pesadelo ter que falar para uma estranha sobre o acidente e o que aconteceu comigo depois disso. A verdade é que eu nunca superei. Acho que nunca vou superar. É doloroso demais. Só de pensar nas coisas que Melanie e eu poderíamos ter f
Miranda puxou Amélia pelo braço até uma saleta, deixando Dominic sozinho no quarto com os meninos. Amélia só foi com sua mãe pois sabia que seu pai não tentaria mais machucar seu filho, nenhum deles. Nem tentar apagar ou vasculhar nenhuma memória. - Por que você não nos contou sobre Jason? - disparou Miranda depois de trancar a porta. - Ele me pediu que não contasse a ninguém da família. Alguns dos amigos dele da Academia sabem, mas eles não comentam com ninguém pois sabem do problema de Jason. - Que “problema”? Amélia respirou fundo, desviou os olhos por um segundo e voltou a olhar para sua mãe. - Ele não sabe usar o poder dele. O semblante de Miranda se contorceu de medo e ressentimentos. Fragmentos de pensamentos escorregaram para dentro da cabeça de Amélia e ela viu e pode entender o motivo do medo de sua mãe. - Ele ainda tem tempo para aprender a controlar - adiantou-se Amélia dando um passo para frente. Sua mãe a
※※※※31 de outubro.※※※※ Passei a noite de Halloween em casa, trancada em meu quarto. Tia Stella ficou de entregar os doces a todas as crianças que batessem em nossa porta. A noite foi tranquila, apenas alguns adolescentes idiotas gritando nas ruas feito loucos enquanto eu tentava ler um bom livro no conforto do meu quarto. No fim da noite, não resisti e fui até a cozinha comer o que restara dos doces. Para minha sorte, Stella não havia enfeitado a casa com abóboras, teias de aranhas, esqueletos e outras coisas, como as outras casas, senão eu sabia que a tarefa de limpar tudo depois iria ficar toda para mim. Sarah havia me convidado para ir à uma festa, mas eu disse a ela que preferia ficar trancada no meu quarto o resto da semana a me encontrar em um lugar com várias pessoas desconhecidas, das quais eu tinha certeza de que não iria gostar. Ela, como sendo minha melhor e única amiga, me entendeu, mas ficou me mandando fotos a noite toda, para tentar, e
Encontrei Sarah no refeitório comendo uma maçã na nossa mesa de sempre. Sentei-me do seu lado e peguei meu sanduíche na bolsa. - Adivinha quem está na aula de Inglês comigo - pediu ela antes de dar uma mordida na maçã. Eu já sabia de quem ela estava falando, nem precisava adivinhar para saber que ela se referia a Mason. - Demi Lovato? - Ergui uma sobrancelha, ela franziu o cenho e deu risada. - Não, sua boba. Mason… Alguma Coisa. - Collins. - Isso. Como sabe? - quis saber ela. - Ele está na minha aula de Química, estamos dividindo a mesa essa semana até Alene voltar. - Ahh… - Sarah bateu as unhas no tampo da mesa ritmicamente enquanto mordia o lábio inferior. - Você o achou bonito? - Achei. Mas ele não faz o meu tipo, pode ficar tranquila. Sarah parou de bater as unhas e deu risada. - Desde quando você não gosta de homens? - Haha, engraçadinha. - O que? Eu preciso saber. Vai que eu te con