Diana Lizano
Desmarquei duas das três cirurgias, mas uma não pude desmarcar pois era uma idosa que poderia descompensar. Sebastiana Velano, uma velhinha italiana de 87 anos que tinha sido encontrada desacordada dentro da residência.
Eu a conhecia, ela morava no mesmo prédio que eu. Marta gostava de reclamar da mulher, pois seu gato estava sempre zanzando pelos cantos do edifício.
A velha era uma mulher ranzinza, mas eu me identificava com ela. Sempre que podia, a observava sentada em sua varanda se balançando na cadeira com seu gato gordo no colo. Eu não gostava de gatos, nem de cachorros, o que significava que a minha situação era ainda pior do que a dela.
A cirurgia foi um sucesso, mas isso não significava que a senhora Sebastiana ficaria bem. Eu era muito boa no que fazia, mas não era deus e já tinha aprendido isso da pior forma possível.
_ Sua mãe está na linha – Uma enfermeira chegou com meu celular na mão, enquanto eu removia as luvas. Fiz sinal de que não iria atender e a mulher deu um jeito de inventar uma desculpa. Eu sabia que minha mãe estava furiosa porque eu tinha perdido o horário no cabelereiro, mas o importante era comparecer no jantar.
Alonguei o pescoço cansada, duas horas de pé tinham se passado em um piscar de olhos.
_ Doutora, uma criança acabou de chegar em estado grave e o outro neurocirurgião ainda está na estrada.
Corri com a enfermeira para ver a situação da criança. Em poucos minutos eu já tinha me paramentado e entrado em outra cirurgia. O meu trabalho era a única coisa que realmente me preenchia e me mantinha ocupada, longe de minha vida fria.
Quando deixei o hospital falta 15 minutos para as nove da noite e o jantar seria as nove. Acelerei o carro, tomei um banho rápido e coloquei um vestido preto ajustado ao corpo. A barriga ficou saliente, então coloquei um outro vestido, também preto, porém mais solto. Os cabelos presos e a roupa escura me deixaram com uma aparência de doente. Senti o estômago embrulhar e corri para o banheiro.
_ Drog@! – Eu tinha esquecido que estava grávida. A compreensão daquilo amoleceu minhas pernas. Eu estava grávida. Acho que mesmo se eu repetisse isso mil vezes, ainda assim isso não entraria na minha cabeça.
Lembrei de Luigi e um frio subiu por minhas costas. Pensei no que aconteceria se ele soubesse que estava esperando um filho seu. A curiosidade de saber como ele reagiria veio, mesmo sabendo que a maioria dos homens não se importavam.
Meu celular tocou e eu me apressei em seguir para a residência de meus pais. Para minha sorte, o bairro onde meus pais residiam era logo ao lado do meu e em pouco tempo eu já estava estacionando o carro diante da mansão.
Vi o carro de Alberto estacionado logo na frente do meu e um frio revirou minhas entranhas. Me surpreendia a audácia dele em vir a casa dos meus pais depois de tudo o que tinha feito. Sai do carro tentando evitar a enxurrada de lembranças que me atormentavam e quando entrei na sala, fui recebida por Maia, a governanta.
_ Estão todos na sala a aguardando – Ela informou e eu segui para a sala como se estivesse indo a um matadouro. Meu coração doía fazendo com que minha vontade de vomitar aumentasse. Eu estava com uns três meses de gravidez, estava na pior fase.
Alberto foi o primeiro a levantar, com a ajuda de uma moleta.
_ Querido, não faça esforço – A mãe dele pediu.
Como ele estava firme sobre a perna direita, isso significava que o tiro que Luigi tinha dado naquela perna não tinha atingido nenhum osso, e eu achando que ele estava paraplégico.
_ Diana – Ouvir o meu nome em sua boca foi a mesma coisa que levar um soco no estômago despreparado – Obrigado por nos receber.
Olhei para aquele homem e procurei palavras para responde-lo e não as encontrei em minha boca. A vontade que eu tinha era de cuspir em sua cara e chama-lo de covarde. Eu não queria vê-lo. Ele ainda estava respondendo na justiça pelas acusações que eu tinha feito e ele me olhava como se fosse possível consertar o que tinha acontecido.
Eu definitivamente não precisava de um diploma de psiquiatra para garantir que ele era um psicopata.
Minha mãe levantou e veio ao meu encontro quando percebeu que eu não estava reagindo. Ela beijou o meu rosto e passou a mão em minhas costas, como se estivesse recompensando um cachorro por seu esforço. Na maioria das vezes era assim que eu me sentia, um cachorro que ela domesticara.
_ Vamos jantar – Angelina sorriu para os convidados e Silvia, a mãe de Alberto veio até mim com um sorriso amigável que nem mesmo combinava com seu rosto. Certamente estava se esforçando para me agradar e fazer com que eu retirasse as queixas que tinha feito contra seu filho.
Meu pai se aproximou de mim e apertando meu ombro seguiu para a cozinha. Cesar Lizano sempre fora um homem frio, tanto comigo, como com a própria esposa. Estava sempre enterrado no trabalho, ou em seus afazeres e nunca se metia nas condutas de minha mãe. Ele era o meu pai, pois eu estava registrada como sua filha.
Meus olhos encheram de lágrimas e eu precisei ir ao banheiro antes de sentar a mesa. Não sei se estava sensível por causa da gravidez, ou se só agora eu conseguia ver a mentira que era a minha vida.
- Meu deus! – Exclamei abafando o soluço que brotou de minha garganta. Em seguida coloquei a mão em minha barriga. Eu estava grávida. Havia uma criança dentro do meu ventre. Uma criança que viria para onde?
Sentei sobre a tampa do vaso e comecei a chorar. Alguém bateu na porta e eu fingi que não estava ouvindo, desejando arduamente não estar em lugar nenhum.
_ Diana – Ouvi a voz de minha mãe e meu peito apertou – Abra a porta – Ela exigiu em seu tom ríspido, mas eu não consegui me mover. Eu estava grávida.
_ Diana, abra essa porta – Ela exigiu em seu tom firme e eu levantei e abri a porta, deixando que ela visse a situação em que estava.
Eu não consegui olhar nos olhos dela. Estava com o rosto molhado de lágrimas.
_ Meu deus! O que está acontecendo com você? Pelo amor de deus! Você está agindo como se Alberto fosse um monstro. Nós conhecemos ele e a família dele há mais de trinta anos. Querida, pare de agir como se fosse uma criança.
_ Eu estou grávida – Falei e ela olhou para minha barriga como se não a tivesse visto antes.
_ Grávida? De quantos meses? Alberto já sabe disso?
_ Não é dele?
_ O que? Como assim não é dele? – Ela me fitou horrorizada – Não me diga que dormiu com Lian nessa última viagem?
_ Não. Você não conhece o cara.
_ O cara? – seu semblante estava desconfigurando em pura incredulidade – Já chega! – Ela passou as mãos pelos cabelos tentando se recompor – Lave o rosto e passe um pó. Não podemos deixar os convidados esperando.
Fiz o que ela mandou. Depois que contei pra ela que estava grávida, senti um grande alívio dentro de mim. Foi como se um peso tivesse saído das minhas costas.
_ Olhe pra mim – Ela pediu e abrindo o blush deu um pouco de cor a meu rosto pálido – Não fale nada sobre isso a ninguém. Conversaremos sobre o assunto depois do jantar.
Naquele momento meus olhos se afundaram nos dela e um pavor subiu por minhas entranhas.
_ Fique tranquila. Vamos resolver isso – Ela avaliou os meus brincos e consertou uma mecha solta de meus cabelos, com seu zelo costumeiro – Não me decepcione essa noite – As palavras dela me beijaram como um entorpecente e eu senti o corpo todo adormecer, me esquecendo da gravidez, da surra, da raiva, de tudo.
Corrigi a coluna mais calma e a segui para a sala de jantar ao lado dela, dormente e engessada. Cumprimentei novamente os convidados e me sentei ao lado de Alberto, como ela esperava que eu fizesse.
Luigi RomanoEu me chamo Luigi Romano, tenho 23 anos e se você não sabe quem eu sou, significa que nunca pisou no norte da Itália, ou que não possui nenhum conhecimento sobre o mundo da máfia, pois Romano não é o tipo de sobrenome que passa despercebido na boca de um italiano.Meu pai faleceu há três meses atrás e desde então as coisas andam bem complicadas pra mim e meu irmão Matteo. Ele agora é o novo Capo da máfia italiana e isso torna tudo bem mais complicado para o nosso lado.Quando o esperto do meu irmão assumiu a liderança dos negócios da família, a primeira coisa que fez foi se aproveitar de sua posição para me mandar para fazer os serviços sujos, enquanto ele continua ditando suas ordens do escritório.Matteo disse que estávamos com um probleminha com a conta do banco central. Não me dei nem ao trabalho de perguntar do que se tratava, pois se realmente fosse um probleminha, ele teria resolvido por telefone e não me mandado pra cá. Para minha infelicidade, eu estava certo. O
Luigi Romano Matteo retorna no momento em que me afasto de Giovanna. _ Como ela está? - Pergunto sobre o estado de Giorgina, nossa irmã. _ Está agitada - Matteo responde olhando para Giovanna, depois pra mim. _ Ela ficará com um bilhão, devolverá o restante e deixará Giorgina conosco. _ Vai deixar sua filha? - Ele soa surpreso e preocupado. Provavelmente tão patético quanto eu. Giovanna nunca cuidou da filha, não sei porque ficamos tão surpresos com sua atitude. _ Não finja que se importa, só estou indo embora por sua causa - Ela fala se levantando, olhando para Matteo com cara de coitada. Não gosto disso. Matteo tem um coração mole, principalmente quando o assunto é mulher. _ Ainda dá tempo – Ela olha pra ele esperançosa, com cara de choro. A mulher é uma artista. _ Ainda dá tempo pra que? – Pergunto já esgotado de toda aquela ladainha. _ Ela queria que eu me casasse com ela – Matteo fala com o semblante fechado. _ Eu continuaria aqui cuidando de Giorgina e devolveria todo
Diana LizanoA sala de jantar é fria. Todos os cômodos daquela casa são. Me sento ao lado de Alberto e olho para a louça refinada a minha frente. Aquele lugar é um cemitério de lembranças.As entradas são servidas e minha mãe parabeniza Alberto por ter assumido a liderança das empresas de sua família. Todos estão olhando pra ela e esperando o momento de agradecerem por suas palavras. É sempre assim. Ela é sempre o centro das atenções. Ainda que alguém comece a falar antes dela, em pouco segundos ela sempre dá um jeito de se emponderar da conversa.Ela manipula a todos o tempo todo. Cada um fala somente o tanto que ela julga necessário. É estranho como ela consegue fazer isso. As vezes me pergunto se faz propositalmente ou se só não consegue se controlar._ Você está bem? – Alberto pergunta em voz baixa se voltando em minha direção. A sensação que tenho é a de que meu coração está sendo esmagado.Por mais que eu tente, não consigo olhar pra ele._ Eu gostaria que me concedesse um momen
Diana Lizano Tento dormir aquela noite. Fecho os olhos e me afogo nas próprias lágrimas. Como eu pude chegar nessa situação? Em oito anos de namoro com Alberto, nunca tivemos relação sem preservativo. Coloco as mãos sobre meu ventre e não acredito que isso tenha acontecido. Não consigo aceitar que tenha ficado com Luigi sem nenhuma proteção. É lamentável e imperdoável a minha situação. Luigi com toda certeza deve ter uma dúzia de filhos espalhados pelo mundo. Gangsters como ele, adoram meter seus espermas nas mulheres e sumirem no mundo. Levanto da cama furiosa comigo mesma e busco ar na varanda. Ele foi tão rápido e tão intenso que quando vi, já estava dentro de mim. A breve lembrança daquela noite faz minhas pernas fraquejarem. Não gosto de lembrar das duas vezes em que dormimos juntos, porque meu corpo fica constrangedoramente sensível. Já cheguei a acordar excitadä no meio da noite depois de sonhar com o cafajeste. Ele parece uma assombração perturbando o meu juízo. Não dá para
Diana LizanoEu já estava deitada na maca, com as pernas abertas. A dra. Ruschel já tinha se paramentado e a enfermeira preparava a medicação. Meu coração estava destruído. Aquele não era o dia da morte de um feto e da minha também.Eu poderia encontrar desculpas para tudo, mas no fundo eu sempre seria a mulher que tinha abortado uma criança. Não sei como as mulheres que faziam esse tipo de procedimento sobreviviam a isso. Eu estava psicologicamente destruída.Deitada naquela maca, eu virei o rosto para o lado e fechei os olhos, no exato momento em que a porta do consultório se abriu. Meu coração quase saiu pela boca quando vi Luigi na minha frente. Ele estava furioso, com sua arma apontada para a médica. Puxei minhas pernas e tentei acalmá-lo. Ele estava armado e eu tremendo.Ele não me deixou nem mesmo trocar de roupas e me levou para fora da clínica. Minha mãe tentou impedi-lo, mas ele nem mesmo relutou. Luigi era louco, mais louco do que eu podia imaginar.Ele me colocou dentro de
Luigi RomanoO que ela fez, não tem perdão. A arrogante pensa que meu filho é algum vestido que pode escolher se vai vestir ou não? Vicenzo pode não ter nascido ainda, mas o papai está aqui para garantir os seus direitos.Eu mesmo me encarregarei de deixar as coisas bem claras pra ela. Não quer ser mãe. Não seja. Não preciso dela pra criar meu filho. Mas ela vai ter essa criança, nem que eu tenha que virar seu cão de guarda.Ela anda no quarto perdida dentro da minha camisa, baixinha e gostosa, mas não vale nada. Porque pra mim, uma mulher que mata um ser inocente dentro da barriga é pior do que um criminoso. Essa é uma covardia incomparável, matar um ser que nem mesmo se formou ainda, sem qualquer chance de se defender.Vou para o banheiro e a deixo fazendo seus protestos para as paredes. Ela me xinga e me chama de louco. Vomita suas escroticës sem papas na língua afiada. Minha única preocupação é se isso faz mäl para a criança._ Onde está a chave? – Ela esmurra a porta.Quando perce
Luigi RomanoO celular toca e eu pressiono o botão no volante aceitando a chamada, imaginando se tratar de Matteo. Quando ouvi a voz de Isabela, o corpo logo enrijeceu. Eu tinha dito que jantaria com ela na noite anterior. Passei a mão nos cabelos olhando para o lado e engoli em seco.“Merda!”_ Eu te esperei a noite toda – Ela reclama do outro lado da linha com a voz manhosa, me trazendo de volta._ Tive um imprevisto – Respondo com o corpo tenso. Diana olha pra mim visivelmente interessada na conversa.Diana e eu não tínhamos nada até ontem a noite, mas agora ela está com um filho meu em sua barriga. Não sei exatamente como ficará nossa situação, mas com certeza não posso ficar flertando com outra ao lado dela antes de termos uma conversa e esclarecermos as coisas._ Tô molhadinha Luigi – Isabela fala gemendo do outro lado._ Tudo bem, te ligo assim que puder – Respondo desligando o telefone. Diana está ao meu lado, se ouve a conversa, a situação ficaria estranha.Ela me olha e perc
Diana LizanoEstou de pé na calçada da rua estreita. Bellano é uma cidade turística, com a arquitetura mais voltada para o estilo alemão. As ruas, casa e lojas já estão abarrotadas de enfeites de natal e luzes piscantes. A neve começa a cair e as pessoas andam de um lado para o outro com sorrisos eufóricos. A felicidade no rosto deles é tão linda que me deixa anestesiada. Eu... eu queria tanto, mesmo que por um dia, descobrir como é isso.Não é a primeira vez que me pego parada olhando para os outros. Vendo mães andando de mãos dadas com seus filhos. Irmãos brincando e até brigando. Vendo amigas abracadas cochichando e rindo. Não sei como é isso e nunca vou saber. A única pessoa que tenho semelhante a isso é Marta, mas eu quase não passo tempo com ela por causa do trabalho.Meu peito dói, como se tivesse um buraco dentro dele e meus olhos enchem de lágrimas. Eu tenho pavor dessa data. É a época do ano que mais me machuca, em que mais me sinto sozinha. É como se fosse o momento do ano