Capítulo 2.2

Ana Júlia.

Olho para o papel contendo as informações sobre o meu pai pela décima vez. Pelo relatório, é um homem de posses e muito rico. Mas isso é o de menos. Vejo logo abaixo no dossiê um número de telefone. Sentindo a minha tremular, eu pego o meu celular no bolso traseiro do meu jeans e ligo para o número. O telefone chama incansavelmente e a cada toque, sinto o meu coração bater violentamente. Penso em desistir, mas a minha teimosia não me permite. Ou seria a minha curiosidade? O telefone volta a chamar e o meu coração quase sai pela boca, quando alguém atende na segunda chamada.

— Residência dos Fassini, quem é? — A voz masculina inquire do outro lado.

— O senhor Fassini se encontra? — Procuro manter a minha voz o mais firme possível

— Deseja falar com o pai ou o filho? — pergunta. Eu hesito por alguns instantes.

— E... eu acho que o filho... — gaguejo e sinto a minha garganta ficar cada vez mais seca.

— Só um momento... Ah! Desculpe, quem deseja? — A pessoa pergunta e mais uma vez eu engulo em seco. O que eu devo dizer? Ah! Por favor, diga que é a filha dele? Não mesmo!

—Senhora? — O homem chama me despertando.

— Desculpe! Eu ligo em outra hora, obrigada! — Desligo sem esperar a sua resposta. O que devo fazer? Devo procurá-lo? E o que ele vai pensar? Meu Deus isso é loucura!

"Eu tenho que lhe contar uma coisa filha ... Eu tinha quinze anos quando fiquei grávida ...E ele tinha que ir para a faculdade ... Meus pais não podiam ficar comigo ...Eu tive que fugir."

Meu Deus, ele não sabe da minha existência. Nunca soube... Ele nunca teve a oportunidade de falar, de escolher. Penso levando a minha cabeça as mãos e respiro fundo. O que eu faço? Com as minhas emoções em frangalhos, pego o celular e torno a ligar. Dessa vez uma mulher atende.

— Residência dos Fassini, quem deseja?

— Boa tarde, me chamo Ana Júlia Alcântara e procuro o filho do senhor Fassini. —Tento manter a minha voz firme.

— Oh, me desculpe! O senhor Fassini acabou de sair daqui. Hoje foi o sepultamento da mãe dele e ele não está muito bem. Quer deixar recado? — Ela pede. Meu Deus! Sinto o meu corpo inteiro estremecer e ao mesmo tem saber o que dizer. A mãe dele acabou de falecer. A minha... Avó. Luís entra silencioso no escritório e noto a sua preocupação estampada em seu rosto.

— Querida, já tem horas que você está trancada aqui dentro. As crianças estão ficando preocupadas. — Diz se aproximando da minha mesa.

— Me desculpe! — sussurro.

— Não precisa se desculpar, está tudo bem? — Procura saber.

— Eu quero conhecê-lo, Luís  — falo sem rodeios. Meu marido me encara espantado.

— Tem certeza, Ana?

— Não, mas eu quero conhecê-lo. Quero ter a certeza de que nunca me procurou porque realmente não sabia da minha existência ou se ele nunca quis me conhecer de fato. Preciso resolver esse pedaço da minha vida, Luís — peço quase sem voz e ele assente levando as mãos ao bolso.

— Ok, mas quero que saiba que eu estarei com você, não importa o resultado final disso tudo — diz sério e eu lhe dou um meio sorriso.

— Eu te amo! Obrigada por fazer isso por mim! — sibilo, saindo da minha cadeira e ele abre os seus braços pra mim. Eu deito a cabeça em seu peito e logo sinto um beijo cálido em meus cabelos.

— Sério? — Ele sorri. — Não está chateada por fuçar seu passado, sem falar com você?

— Não, no fundo eu queria fazer isso, porém nunca tive coragem de fato — confesso. Ele me aperta em seus braços e eu o aperto nos meus.

— Eu te amo, pequena! —sussurra, deixando mais um beijo cálido.

A noite, é difícil fechar os olhos, quando se está explodindo de ansiedade por dentro. Fiquei a noite inteira embolando na cama, pensando em como seria encontrá-lo? Em como ele reagiria ao me ver? Se ele me aceitaria como sua filha? Meu Deus eu passei toda a minha infância e adolescência sem um pai. Nós quase passamos fome. Minha mãe se matava de trabalhar para me dar o melhor na medida do seu possível e hoje eu descubro que eu podia ter uma... Uma família de verdade. Como teria sido a minha infância com ele? Como teria sido a minha vida com ele? Tenho muitas perguntas e não sei se realmente terei alguma resposta. São cinco da manhã quando eu resolvo sair da cama. Não vou conseguir dormir mesmo e daqui a algumas horas terei que ir trabalhar. Logo mais a noite prometi ir ao shopping com as crianças para o mais novo evento infantil que acontecerá. Vai ser bom, pelo menos poderei me distrair. Entro no banheiro me livrando da camisola de seda branca e tomo uma ducha rápida. Depois ponho uma roupa leve e sigo para fora do quarto, deixando o meu marido adormecido. Desço as escadas e vou direto para o escritório. Quando me aproximo da minha mesa, pego o meu mais novo projeto. Um hotel de luxo no Caribe e resolvo tracejar alguns parâmetros na planta. As horas se passam e eu não percebo que o dia já está totalmente claro lá fora. Luís entra no escritório e ao se aproximar, ele me beija rápido na boca.

— Dormiu bem? — indaga,  avaliando o meu rosto.

— Sim — minto. — Como um anjo. — Sorrio.

— Mentirosa! — ralha, brincando com a ponta do seu dedo no meu nariz. — Conheço bem a minha esposa.

— Com fome? — Mudo de assunto.

— Faminto, senhora Alcântara. — Sorri tirando o papel das minhas mãos e me puxa para os seus braços, beijando-me outra vez. Sorrio quando o beijo termina.

— Vou pedir para Delia preparar algo para comermos  — falo, me afastando um pouco.

— Até parece que precisa pedir — retruca com humor. — Vou ligar para o Max.

— Para quem?

— O detetive. Quero que ele encontre o seu pai e o traga até aqui — informa. Penso em dizer que não, mas eu simplesmente não posso. Por mais que eu tenha medo ou que eu não queira admitir. Eu quero conhecê-lo. E se eu tiver de receber um não, que seja aqui, na minha casa.

— Tá bem — digo finalmente e saio do cômodo. Depois do café da manhã, levo as crianças à escola. E sigo direto para o Caravelas & Hotelaria. Glória, minha assistente se aproxima sorridente e com uma xícara de café em uma bandeja.

— Bom dia, senhora Alcântara! —Ela diz com o seu jeito ansioso de sempre.

— Bom dia, Glória, como estão as coisas por aqui? — pergunto com o meu habitual jeito profissional. Ela dá de ombros e eu pego a xícara sobre a pequena bandeja, tomando um pequeno gole em seguida.

— Alguns novos projetos para analisar e para assinar se for o caso. — Sorrio e entro em minha sala com a minha assistente colada bem atrás de mim. me acomodo em minha cadeira, por trás da minha mesa e tomo mais um gole do café.

— Bom dia para a minha arquiteta preferida! — Marcos, o sócio e melhor amigo do meu marido diz entrando na sala, segurando um papel imenso na mão.

— Bom dia! O que é isso? — pergunto movida de curiosidade.

— Um hotel antigo e carente de obras — diz largando o cilindro em cima da minha mesa. Lanço-lhe um olhar curioso e sorrio abrindo o rolo de papel.

— Estamos trabalhando com restaurações agora? — retruco com surpresa, vendo um sorriso sarcástico surgir na sua face.

— Meu sócio e melhor amigo, o senhor seu marido, cismou com esse hotel — ralha se acomodando na cadeira a minha frente

— Hum, deixe-me ver. — Dou uma olhada minuciosa na planta e fico encantada com o que vejo. É um prédio antigo e pela data da planta, ele realmente deve estar bem acabado, sabendo que nunca passou por uma reforma antes. E pra chegar aos nossos padrões, teremos que praticamente reconstruí-lo. — É um belo lugar! — comento ainda olhando o tracejado.

— Seu marido disse o mesmo, eu particularmente não vejo nada demais. Mas se vocês veem, quem sou eu pra contradizer? — rebate, fazendo o meu sorriso se ampliar.

— Isso porque o senhor só entende da parte de construção. Você sabe que o Luís é que consegue ver com clareza o potencial do empreendimento — ralho e ele bufa de modo audível.

— É, e a verdade é que ele nunca errou. — Concorda.

— Viu? — Pisco um olho para o sócio do meu marido. — A noite estamos todos no shopping. E depois do evento, um musical com personagens infantis, deixamos as crianças se divertirem, enquanto eu e Luís ficamos sentados em um banco de praça os observando e de vez em quando aos beijos. Eu amo a minha família! E confesso que nunca cheguei a sonhar com uma realmente. É claro que pensei em ter filhos e em me casar, mas não imaginei que aos 28 anos tudo já estivesse em seus devidos lugares. Em um momento noto o Jonathan se afasta de sua irmã e do Caio e corre em direção das escadas rolantes.

— Não! — digo apreensiva, levantando do banco exasperada.

— O quê? — Luís pergunta levantando em seguida. Sem pensar duas vezes, eu corro na direção do meu filho, sem prestar a atenção nas pessoas que vem pela frente e esbarro brutalmente em um homem que me segura firme para que eu não vá ao chão. Nossos olhos se encontram e eles parecem... Familiar?

— Me desculpe, eu não a vi... — Ele para de falar quando olha o meu e parece empalidecer de repente.

— Você está bem? — pergunto me recompondo. Ele me olha por um curto espaço de tempo.

— Eu... eu... — Ele gagueja.

— Moço, está sentindo alguma coisa? — insisto.

— Peguei ele, amor. — Luís fala, parando ao meu lado com Jonathan em seus braços. O homem olha de mim para o meu marido e depois para o meu filho.

—É... me desculpe! —O homem diz, fazendo menção de sair, mas o seguro pelo braço.

— Espere, venha, eu pago uma água para o senhor. Está pálido! — Volto a nsistir, o levando para uma das mesas da praça de alimentação.

— Não precisa. —Ele resiste, se afastando. —Eu estou bem. — Respiro fundo e passando as mãos no meu jeans, volto a insistir. Eu não sei, só... Não quero que ele se vá.

—Tudo bem, me deixe pelo menos pagar um suco. — O convido. — A final eu quase o mato atropelado. — Faço graça e ele finalmente sorri. O sorriso dele também me é muito familiar. Penso.

—Tudo bem, se você insiste! — Concorda finalmente. Sorrio e ele imediatamente fica sério.

—Eu insisto. — falo desviando os meus olhos dos seus e Luís apenas assiste a nossa conversa sem nexo. Seu celular toca e ele põe o Jonathan no chão para atendê-lo. Ele se afasta a uma distância considerável e nós seguimos para uma mesa.

—Como se chama? — Ele pergunta.

— Sou Ana Júlia — respondo. Seu olhar por algum motivo ganha uma perplexidade que não sei mensurar. Ele parece engolir em seco.

— Me chamoEdgar... Edgar Fassani _ fala e eu paraliso no mesmo instante. Simplesmente nada em mim funciona. Estou em pleno estado de torpor.

— Você é... — Nem consigo concluir a minha frase.

— Eu sou o seu pai, Ana. — Meu coração para uma batida.

— Como sabe que..? — Tento perguntar e ele me dá um meio sorriso.

— Você é a cara da sua mãe. Seu sorriso, seu cabelo, a pele morena.. Meu Deus! Sua boca. Como podem se parecer tanto? — sussurra cada palavra com um tom baixo demais. Não contenho as lágrimas.

— Mamãe, por que está chorando? —Jonathan pergunta, saindo da sua cadeira para me abraçar. Eu abraço o meu filho e beijo o topo da sua cabeça.

— Era o detetive, Max, ele não conseguiu... — Luís para de falar quando ver as lágrimas que molham o meu rosto. — O que está acontecendo aqui? Ana porque está chorando? _ Ele inquire áspero, porém eu não consigo responder, apenas choro. Um choro silencioso e os meus olhos estão o tempo todo fixos no homem sério me olhando do outro lado da mesa. Desperto do meu estado de letargia, quando vejo o meu marido partir para cima do homem sentado a minha frente. Ele segura o Edgar com firmeza pelo colarinho bem arrumado e o põe de pé com um puxão violento.

— Luís? Luís, solta ele! Para, Luís! — peço aos gritos e consigo me encaixar entre os dois gigantes. Tanto o Luís quando o Edgar são extremamente altos e fortes. Luís se afasta ofegante e me encara confuso.

— Mas o quê? — ergunta perdido.

—´Querido, esse é o Edgar Fassini. — Consigo dizer. Os olhos confusos do meu marido vão para o homem atrás de mim.

— Como assim? — questiona extasiado.

— Eu posso explicar, se me der uma chance. — Edgar pede. Tanto o Luís, quanto eu encaramos o homem de aspecto sério e de rosto rude. Edgar Fassini é um homem de 45 anos, como diz no dossiê. Mas é um homem muito bem conservado. Não aparenta a idade que tem. Ele tem um corpo forte e malhado. Mesmo usando uma camisa de mangas compridas e um terno preto por cima, é possível notar isso. Ele tem parte dos seus cabelos grisalhos e uma barba cerrada muito bem feita. Seus olhos verdes são calmos e serenos, um contraste absurdo com o rosto quadrado que exibe uma carranca séria.

— Claro, podemos ocupar uma mesa e, — Tento sugerir, mas ele me interrompe.

— Não, Ana, eu prefiro um encontro mais formal. Sem todo esse túmulo de pessoas. Esse barulho do ambiente. Estou em um hotel em Copacabana. Será que podemos almoçar juntos amanhã — sugere.

— Não, eu prefiro que seja em minha casa — peço. — Se não houver problema pra você. — Ele sorri, parece satisfeito com o meu pedido.

—Com certeza, não há problema nem um. Posso levar um vinho? — indaga sugestivo. Sorrio.

— Claro, amanhã então? — pergunto, me pondo de pé. — Temos que ir, as crianças devem estar cansadas.

— São seus filhos? — inquire, olhando para os meus filhos, porém, eu tenho certeza que ele já tem essa resposta.

— Sim. — É tudo o que eu digo e ele assente e volta o seu olhar pra mim. Não consigo decifrar o seu olhar. Pelo jeito, Edgar não é um homem de demostrar suas emoções.

— Eles são lindos, Ana! — Abro um meio sorriso.

— Obrigada! Então, até amanhã!

— Com certeza. — Relutante sigo caminhando para fora do shopping, abraçada ao meu marido segurando a mão da minha filha. Luís segura a mão do Caio e esse segura a mão do Jonathan. 

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