— Doug, peça que arrume a minha mala — peço ao garoto quando o encontro do lado de fora da casa.
— Vai viajar, senhor Fassini? — indaga com uma curiosidade quase infantil.
— Acho que isso não lhe diz respeito! — O repreendo fazendo-o engolir o seu sorriso. — Viu o meu pai? — questiono ríspido.
— No escritório, senhor. — O garoto me responde com seriedade e eu assinto entrando na casa. Entro no escritório calado, com as mãos no bolso e um olhar altivo. Encontro Enrico sentado em sua cadeira e a sua frente há um copo cheio de uísque. Uma dose tripla, pura e sem gelo. Seu olhar está perdido, desfocado. Ele parece abalado. Finalmente o vejo vulnerável, confirmando que ele é um ser humano e não uma máquina, como sempre se mostrou ser.
— Veio aqui dar o tiro de misericórdia? — inquire bebendo uma quantidade generosa da sua bebida. Calado, eu acendo um cigarro e dou uma boa tragada, soltando uma fumaça espeça que se espalha pelo ambiente. — Está fumando agora? Apague, não admito que faça isso aqui dentro — ordena. Filho da puta! Nem em uma hora dessas ele desce do seu pedestal. Dou outra tragada forte e o encaro, soltando a fumaça lentamente, ignorando o seu comentário e após dá mais duas tragadas, eu caminho para perto da mesa. Ao contrário da última vez, eu me sento de frente para ele. Faço tudo sem desviar o meu olhar de cima dele.
— Você pediu para ela abortar — cuspo com um tom seco e volto a tragar o cigarro, soltando a fumaça em seguida. Ele me lança um olhar surpreso. Provavelmente incrédulo com a minha audácia.
— Quem te contou?
— Não importa. O fato é que a Rose teve a nossa filha — falo entre dentes e ganho mais um €olhar surpresa.
— Uma bastarda, tão suja quanto a mãe! — rosna. Não espero que ele termine o insulto e o seguro pelo colarinho, o puxando por cima da mesa. Alguns objetos e papéis que estão sobre ela, vão ao chão.
— Sabe a ratinha de esgoto? — rebato, entre dentes. — É tão limpa e tão humana, do que qualquer pessoa que já conheci na vida. Você, Enrico Fassini é a escória do mundo. Tão podre que não há nada que se possa comparar, e quer saber mais? — Eu o solto e com a minha mão fechada em punho dou-lhe um soco. Enrico Fassini cai no chão sem nenhuma chance de apelo. — Eu vou encontrá-las, nós vamos nos casar e ela voltará a ser minha! E você, não vai poder fazer nada quanto a isso. Eu estou tendo uma segunda chance e não vou permitir que você não e nem ninguém destrua isso. Você não é nada, Enrico Fassini! Do que adianta todo esse império, todas as suas conquistas e todo esse dinheiro, se estará sozinho? Vai para o inferno, Enrico Fassini! — brado e saio do seu escritório com passos largos. Na sala, encontro Doug de prontidão.
— Suas malas já estão no carro, senhor Fassini. — Assinto dando uma última olhada na casa. Não sentirei falta desse lugar. Não há nada aqui que me segure. E pensando assim, seguro a minha mala que está próximo à porta de saída e dou as costas, saindo em busca da tão distante felicidade. No carro pego o meu celular e ligo para Vivian.
— Senhor Fassini, em que posso ajudá-lo?
— Prepare o jatinho, Vivian, estou indo para o Rio de Janeiro. — Pela primeira vez faço um pedido baixo e calmo.
— Sim, senhor. — Ela diz e a ligação termina.
Durante a viagem faço algumas ligações importantes e descubro que Rose não mora mais no endereço que recebi de Mariana, que a Ana Júlia mora em uma casa próximo ao Leblon e que ela tem três filhos. Um casal de gêmeos e mais um garoto. Meu Deus, eu tenho netos! Sorrio amplamente olhando o relatório em meu e-mail. Não encontro nada sobre Rose Falcão nele. Sei apenas que trabalhou como doméstica em duas casas de família e, que fazia consertos para uma grife. Além disso, parece que apagaram todos os seus rastros. Estou muito ansioso. Não sei como ela irá reagir a minha presença depois de tantos anos e não faço ideia do que falaram de mim para ela depois que sai da casa dos meus pais, mas o que me aflige mesmo é não saber se me verá com outros olhos. Droga! E se ela se casou? E se tiver esquecido de mim? A final já faz muitos anos. Puxo a respiração e tiro um cigarro do bolso lateral do meu terno. Preciso de um ou eu vou explodir de ansiedade. Olho o meu relógio de pulso. Falta pouco menos de uma hora para a aterrissagem e cacete! As minhas mãos já começam a ficar trêmulas e gélidas.
— Precisa de algo, senhor Fassini? — Vivian surge ao lado da minha poltrona e pergunta solicita.
— Uma dose generosa de uísque, Vivian, por favor! — peço e ala assente abrindo um sorriso profissional e sai, entrando em um pequeno corredor branco. Acendo o cigarro e já na primeira tragada sinto a nicotina aliviar o meu estresse. Desde que saí de casa a alguns anos atrás, procurei algo que me mantivesse com os pés no chão. Tentei várias drogas na minha mocidade. A maconha foi uma delas e depois apostei na bebida, mas o cigarro foi o único que me manteve sóbrio para alcançar o que eu precisava realmente. Após a faculdade, apostei todas as minhas fichas na indústria de laticínios e construí o meu próprio império. A minha satisfação, é que eu não precisei das mãos sujas do meu pai para fazer isso.
— Seu uísque, senhor, mais alguma coisa? — Vivian pergunta segurando uma pequena bandeja de inox com um copo sobre ela. Eu pego o copo da bandeja e tomo um pequeno gole da bebida.
— Não, Vivian, obrigado! — Ela faz um gesto de cabeça.
— Certo, vamos aterrissar em alguns minutos. Com o tempo bom não tivemos imprevistos — avisa.
— Ok. — A garota sai me deixando sozinho com os meus pensamentos. Concentro-me na minha bebida e olho pela pequena janela redonda. Minutos depois estamos aterrissando em solo carioca. Minutos depois, sou abraçado pelo calor da cidade, por um céu límpido, azul e o doce sabor da liberdade. Sorrio. Vida nova. Penso. No carro observo atentamente as pessoas indo e vindo no calçadão da praia. — Para o hotel Copacabana, Charles. — ordeno, sem tirar os meus olhos da belíssima paisagem. Olho as praias, as pessoas felizes... São outros ares e confesso que era disso que eu precisava. Quando chego ao hotel, tenho toda uma equipe pronta para me servir. Para isso conto com a minha assessora, Agnes Solano. Seu segundo nome? Eficiência. Ela sabe como eu gosto das coisas e faz tudo sem eu precisar lhe pedir. No quarto de hotel tomo um banho relaxante e demorado e quando termino, faço o pedido de almoço e sigo para um dos sofás da sala luxuosa. Abro o meu MacBook e de cara já percebo um e-mail da Agnes. Clico no arquivo e mergulho de cabeça nas mais novas e intensas sensações. São fotos, muitas delas. As imagens fazem os meus olhos queimarem em lágrimas quando vejo a sua imagem no meio de tantas outras. Baixo uma pesquisa completa com nomes, endereços. Está tudo aqui, mas, mais uma vez não encontro nada sobre a minha pérola negra. Nada sobre Rose Falcão. Suspiro quando o meu celular tocar ao meu lado.
— Agnes? — falo assim que atendo.
— Recebeu o pacote? — Ela vai direto ao assunto.
— Sim, mas só vejo dados sobre a minha filha e sua família.
— Desculpe, senhor Fassini! Mas só tivemos informações sobre Rose até o ano de 2011. Tudo o que conseguimos passar para o s...
— É pouco. — A corto bruscamente. — Pagarei o triplo do valor para o investigador. Só... encontre-a — ordeno e desligo o celular. Ponho o MacBook sobre a mesinha de centro e me deito no sofá. Logo o corpo cansado reclama as noites mal dormidas. O computador permanece ligado e eu fico aqui, quieto e olhando as imagens brilhando na tela, até que sou finalmente vencido pela exaustão. Desperto com o celular tocando ao meu lado no sofá e me forço a abrir os olhos cansados e noto que estou rodeado pela escuridão do lugar. Anoiteceu. Constato. Porra, dormi o dia todo! Desnorteado, me sento no sofá e esfrego os olhos para despertar, pego o celular e atendo sem olhar a tela.
— Fassini falando — falo áspero.
— Desculpe incomodar, senhor. — Minha assessora diz do outro lado da linha.
— Sem problemas, Agnes, alguma novidade?
— Sim, sua filha, está com a família no shopping bem próximo ao seu hotel. — Ela diz e se havia algum vestígio de sonolência em mim, ela acabou de se dissipar.
— A quanto tempo? — Procuro saber.
— Eles acabaram de entrar em um evento infantil, senhor... — Desligo o celular sem esperar ela terminar e ansioso vou para o quarto, entro no closet e procuro uma roupa para esse momento. Depois de vestido, jogo o celular e a carteira no bolso interno do meu terno e saio com passos apressados. No elevador, ligo para o meu motorista.
— Charles, me aguarde na frente do hotel. Preciso ir ao shopping.
Espero impaciente que o elevador chegue logo ao térreo e quando as portas duplas finalmente se abrem, eu saio como um raio para o lado de fora do hotel. No carro, ensaio algumas palavras para dizer a minha filha. Porra! O que dizer para uma filha que você nunca conheceu? Que você se quer sabia da sua existência? De qualquer forma, o que tenho para lhe dizer será impactante, tanto para mim quanto para ela. O carro para no estacionamento do shopping e eu saio do veículo movido pela ansiedade, o medo e o nervosismo. São os sentimentos que me assolam agora. Sigo para a escada rolante que me levará ao segundo andar do imenso e movimentado prédio, na grande maioria crianças acompanhadas de suas famílias. Respiro fundo. A porra do tempo não anda. Parece que estou dando um passo para frente e dois para trás. Ponho os meus pés na segunda escada rolante com o coração galopando freneticamente. Porra, não posso enfartar sem conhecê-la. Pego o lenço no bolso lateral e enxugo o suor que começa a
Descobertas dolorosas. Me sinto como um animal enjaulado andando de um lado para o outro dentro desse apartamento. Já fiz tudo o que pude para ocupar o meu tempo e a minha mente enquanto aguardo o horário combinado para esse encontro. Mas confesso que estou acordado desde as cinco da manhã. Fiz uma corrida matinal, malhei quase duas horas na academia do hotel, tomei um banho demorado e mergulhei no trabalho, mas parece que a porra do relógio não está colaborando comigo. A noite já não foi tranquila como eu esperava que seria. Simplesmente tive que secar uma garrafa de uísque para poder apagar literalmente e aqui estou eu, andando no meio do amplo quarto de hotel, com uma garrafa de sauvignon em uma mão e um buquê de rosas vermelhas na outra. As suas preferidas.Penso movido pelo amor adolescente que um dia senti por ela. Volto a olhar o meu relógio de pulso e bufo irritado quando vejo que ainda são dez da manhã. Começo a repassar na minha mente as perg
— Ela faleceu a oito anos, um câncer no colo do útero a matou. Não foi fácil tudo o que passamos. — Eu imagino —falo, soltando uma respiração audível — confesso que tinha esperança de vê-la. Nós passamos por tanta coisa juntos ou melhor dizendo, separados. Eu não entendo porque nunca me procurou. Todos esses anos eu nunca soube de você. — Eu só descobri a sua existência no dia de sua morte. Depois eu passei por tantas coisas que... — Ana sorri sem vontade. Linda! Minha filha é linda! Queria ter assistido a sua infância, ter escutado as suas primeiras palavras. Deus, eu perdi tudo. Não me restou nada! — A pouco tempo pensei nela de uma forma mais intensa e me lembrei das suas palavras no leito de morte. Não deu tempo ela me falar muita coisa então... — Minha bebê seca as lágrimas que escapam dos seus olhos. —Contei para o meu marido o que ela me disse. Luís resolveu investigar por conta própria e meu Deus..! —Ela sussurra as últimas palavras. —Quando eu descobri o seu
Quando tudo começou. Acordo me sentindo especialmente mais leve esta manhã. Lá fora os pássaros cantam sobre as copas das árvores frutíferas, que se balançam ao vento ao pé da janela do meu quarto. O sol brilha radiante e seus raios chegam a invadir o cômodo através das paredes de vidro livres das cortinas blecaute. Me mexo na cama espaçosa e sinto o volume da caixa que ficou esquecida em cima do colchão e percebo que adormeci agarrado ao álbum que ganhei de presente da minha filha e agora ele está caído ao meu lado, largado de todo jeito. Com uma respiração profunda me sento no colchão macio, sentindo uma expectativa diferente cair sobre mim. Pela primeira vez em anos não sinto o rancor, a amargura e nem toda aquela raiva que comandava a minha vida fria e solitária. Eu estou particularmente feliz e isso me faz sorrir. É uma felicidade diferente. Eu tenho um novo motivo para sorrir e pensando assim, saio da cama exultante e tomo um banho demorado. No espaçoso closet
Na sequência da brincadeira tomo três shotes, o que me deixa um pouco zonzo e mais leve também. A bebida arde dentro de mim e, ao mesmo tempo me deixa animado. Às onze não sou de ninguém ou devo dizer, sou de todas. Rio. Estou no meio da agitação da música eletrônica e com cinco meninas que estão totalmente na minha. Pena que não posso levá-las para casa, meu coroa me mataria se soubesse. Meus olhos param em cima da menina simples, sentada em um dos banquinhos do bar, olhando com curiosidade tudo o que acontece ao seu redor. Ela está maravilhada, apenas observando o movimento, quando um cara se aproxima. Ai eu paro tudo. A dança, o chamego e minha atenção esta toda em cima nela. Saio da pista de dança deixando as meninas para trás e caminho para perto do casal desproporcional. "A pirralha e o cara maduro." Não mesmo! Onde está Morgana nessas horas? Me perguntei aborrecido. — Eu já disse que não! — A escuto dizer quando me aproximo do balcão. — Q
Cheguei em casa um pouco mais da meia noite e como sempre, subi pela árvore, caminhei pelo telhado e cheguei a minha janela. Me desfiz das roupas e tomei uma ducha rápida. Por fim, vesti um short folgado e espalhei alguns livros e folhas pela cama. Uma maneira de enganar os meus pais e de fazê-los pensar que eu passei a noite com a cara nos livros. Me deitei no meio dos materiais e encarei para o teto do quarto. Me peguei pensando em uma certa morena, pequena e de olhos graciosos. A dança, o toque, nossos lábios se tocando. Porra! A maciez, o calor, o beijo. Ouço ao longe as vozes femininas sussurrando pelo corredor da casa e fecho os olhos, fingindo dormir. — Vocês deviam pegar mais leve com o menino. Os rapazes da idade dele gostam de sair e de se divertir. — Mariaju diz entrando no quarto. — Você sabe como é o pai dele Mariajú. Irredutível quando o assunto é a educação do filho. —Minha mãe retruca. Abro uma brechinha de olho e as vejo retirar
Um beijo roubado. — Meu Deus, pai! Estou encantada com a história de vocês! Isso daria um belo livro de romances. — Ana disse sorrindo, enquanto enxugava suas lágrimas. — Não sei se daria um bom livro, mas eu sempre terei boas lembranças dela, guardadas bem aqui, em meu coração. — Apontei para o meu peito. — O amor de vocês era muito forte e lindo também. Não consigo entender porque não venceram.— Ela lamenta. Suspiro de modo audível. — Nem eu, querida, nem eu. — E então, o que aconteceu depois?— Ela perguntou curiosa. — Depois... ...Quando cheguei em frente a sua casa, ainda nos olhamos nos olhos. Eu com uma vontade arrebatadora de beijá-la novamente. Ela... bom, ela eu não sei. — Tenha uma boa noite, pérola negra! — sussurrei bem próximo do seu rosto. — Porque me c
Os dias foram se passando e nós fomos ficando cada vez mais apegados e mais ousados também. E confesso que estava ficando cada vez mais apaixonado, mais viciado nela. O que me aflige é que no próximo ano terei que ir para uma faculdade fora do Brasil e ainda não sei se serei capaz ficar longe dela por cinco longos anos. Cinco malditos anos! Lamento. Meu pai jamais concordaria que eu fizesse o curso aqui no Brasil. Estou cada dia mais ansioso por estar com ela e hoje a noite, quando todos estiverem dormindo, irei para o seu quarto. Audacioso? Sim. Perigoso? Com certeza. Mas simplesmente quero um pouco mais dela e ela também quer mais de mim. São desejos profundos demais, que não dá mais para segurar. Horas depois, saí de casa pelo caminho da fuga, na calada da noite como havia planejado e ansioso demais corri o curto caminho entre os arbusto, mas parei bruscamente quando encontrei Morgana parada na frente da casa de Rose, e com cara de poucos amigos.
Último capítulo