Capítulo 1.2

— Certo — falo como sempre seco e ando para o portão de embarque. Ao meu lado, dois seguranças me acompanham de perto. Sou um homem poderoso, muito visado e tenho muitos inimigos no meio social e comercial. Por isso ando sempre prevenido. No jatinho me acomodo nas primeiras poltronas, aperto o cinto de segurança e a comissária de bordo se aproxima com o meu melhor uísque. Tomo um gole da bebida e puxo o meu MacBook de dentro de uma pasta de couro preto. Abro a tela e começo a trabalhar. É um voo longo e eu não posso parar, porque tempo é dinheiro. Durante todo o voo não durmo. Me dedico ao máximo ao meu trabalho e bebo para que quando chegar ao Brasil, esteja ao menos anestesiado. Chegou a hora de encarar o meu passado. Me pergunto se ela se casou? Se teve filhos? Se me esqueceu? Se é que um dia me amou de verdade. O som ecoa no auto falante da aeronave avisando que vamos pousar em solo brasileiro em alguns minutos e imediatamente eu sinto o meu coração pular no peito. Eu sempre planejei esse dia, mas sempre o adiei também. Respiro fundo, guardando o meu material, aperto o cinto e me preparo para o que me espera na mansão Fassini. Depois do desembarque, ando pelo salão do aeroporto, pego a mala e caminho para fora do lugar. O calor escaldante de Goiás me abraça e eu me livro do sobretudo que me manteve aquecido do rigoroso inverno da Alemanha. Um Lander houver negro, de vidros escuros já me aguarda na frente com um motorista a minha disposição. Suspiro e antes de entrar no carro olho ao meu redor. É, o dinheiro é tudo. Penso.

É solução, transformação e poder. Com ele eu domino o mundo e o moldo do jeito que eu quiser. Entro no carro, me acomodando no banco traseiro e automaticamente sinto a brisa refrescante do ar condicionado envolver o pequeno ambiente. A minha frente há um mini frigobar com uísque francês e alguns copos. Me sirvo um copo e encaro o lado de fora de Goiás através dos vidros nebulosos. Enquanto o carro se movimenta pela cidade que não mudou quase nada. Me lembro dos amigos, das brincadeiras, de alguns momentos de diversão. São tempos que se foram e que não voltam mais. O carro para em frente aos enormes portões negros da mansão Fassini, me fazendo respirar fundo e me revisto da minha tão conhecida armadura, saindo do carro assim que ele para em frente ao antigo casarão. Fecho o botão do paletó e encaro a fachada da casa por trás das lentes dos óculos escuros. O lugar me trás lembranças que eu não queria ter. Subo os três degraus na entrada da casa com passos firmes e determinados e assim que me aproximo, as portas largas de madeira colonial se abrem para mim, antes mesmo de tocar a maçaneta e Mariajú surge, me recebendo com um forte abraço. As emoções desse gesto tentam me dominar, me amolecer, mas eu não permito. Mariajú foi a minha babá. Ela é quase como uma mãe para mim. Em seu abraço me senti em casa e logo senti as minhas barreiras ruírem também. As lágrimas lutaram para sair, mas eu me afastei, respirei fundo e as contive.

— Entre, querido. — Ela pede me dando passagem.— Seu pai não está em casa — informa.— Mas a sua mãe está no quarto te esperando.— A doce senhora de faces rosadas força um sorriso. Eu apenas assinto em concordância e entro na casa. Observo o interior da casa antiga e constato que nada mudou por aqui. Tudo está exatamente igual, desde quando eu saí. Os móveis com seu estilo colonial exalando o poder do senhoril Enrico Fassini, a madeira escura que trás um ar rústico e elegante a casa. Os tapetes persas, de cores fortes e escuras é a única coisa alegre no ambiente. As estantes antigas cheias de livros igualmente antigos, os sofás com estampas florais e seus estilos imperiais. Olho para as escadas de madeiras escuras como os móveis, com seus degraus forrados com um carpete cinza e grosso e um corrimão dourado que faz um contorno na metade dela.

— Senhor Fassini! — Um jovem rapaz diz atrás de mim, me fazendo virar para encará-lo. Não acredito que aquele pirralho cresceu tanto assim! Penso tomado de surpresa.

Ele tinha apenas 9 anos quando sai dessa casa.

— Doug? — indago e ele sorri.

— Sim, senhor. Eu vim para ajudá-lo com a sua mala — diz apontando o objeto perto da porta.

— Claro. — Ele caminha em direção da única mala que eu trouxe, pois não pretendo ficar muito tempo por aqui. O garoto segue para as escadas e eu vou até uma das janelas da sala e observo a pequena casa ao longe através dela. Passo longos minutos esperando que algo aconteça, mas nada acontece. Não vejo o senhor Genário, nem a senhora Luciana e nem ela.

— Pus sua mala no seu antigo quarto, patrão. — Doug diz me fazendo tirar os olhos da janela.

— Pare de me chamar assim! — resmungo com um tom rude e seco e volto o meu olhar para janela.

— Desculpe, senhor! — falou receoso, me fazendo fechar os olhos, tentando não perder a paciência.

— Querido? — A voz de Mariajú ecoa na sala quando penso em repreender o garoto mais uma vez. Eu me viro para olhá-la. A mulher parece receosa. — Sua mãe acordou, ela deseja vê-lo agora — avisa.

— Não! — falo rígido demais, trincando o meu maxilar e pressionando os dentes com força. Mariajú parece surpresa com a minha atitude. Ela balbucia, mas as palavras parecem não querer sair da sua boca. Tenho vontade de perguntar por ela, de saber como ela está. Saber se ainda mora aqui, mas não faço. — Vou para o meu quarto. Preciso tomar um banho e tirar essa roupa de cima de mim. Depois a vejo. _Digo andando com passos largos direto para as escadas.

— Mas, menino, sua mãe...— A empregada tenta protestar e eu paro os meus passos na metade do caminho, lançando-lhe um olhar duro.

— Basta, Mariajú, já disse, depois! — rosno demostrando a minha impaciência. Ela engole suas palavras e aceita, acenando com a cabeça e saindo da sala em seguida e Doug vai atrás dela. Eu olho de relance para a janela e sigo para as escadas.

O meu quarto. Mais que diabos! Este cômodo é o cenário mais forte de toda essa imensa casa. Onde eu estava com a cabeça quando pedi pra ficar aqui? Porque não fui para um hotel? Largo o sobretudo que estava sobre o meu antebraço, o dobro minuciosamente, o colocando em cima da cama gigante, que fica bem no centro do quarto. Faço o mesmo com o terno, a camisa e com a calça. Depois de tirar os sapatos lustrosos e as meias e sigo para o banheiro. Lá dentro, eu tiro a única peça que envolve o meu corpo e entro debaixo do chuveiro. A água fria é a melhor coisa nesse momento. Ela acalma as minhas emoções, estabiliza a minha sanidade e renova as minhas forças. Minutos depois, eu saio do banheiro envolvendo uma toalha na cintura e usando uma toalha menor para secar os meus cabelos. Ao entrar no quarto, meus olhos vão para cama e as lembranças de uma noite de amor me invade a mente imediatamente. Ainda consigo escutar os seus sons, ver o brilho dos seus olhos, sentir o seu calor em minha pele. Mais que porra!!! Eu preciso esquecê-la. Isso tudo é uma grande merda! Alguém bate a porta e eu ponho apenas um short folgado e peço que entre. Mariajú adentra o quarto com uma cara de pânico.

— O que houve?— pergunto encarando o seu rosto pálido.

— É a sua mãe. — Ela diz me deixando em alerta. — Ela não está bem. — Nem espero que termine, pois saio correndo para fora do quarto e em direção a primeira porta do longo corredor.

Dona Giovanna Fassini descobriu a alguns anos uma doença congênita no coração e desde então tem feito muitos tratamentos que não tem ajudado em nada. A cada dia ela foi perdendo suas forças e ficando cada vez mais fraca. Sim, tenho recebido notícias suas durante esses dois últimos anos através da Mariajú. Ela tem me pedido insistentemente para que eu voltasse para casa, mas eu não estava preparado, não ainda. Na verdade eu nunca estive preparado para esse dia e talvez eu nunca estivesse. Mas fiz das tripas coração para vir até aqui hoje, porque ela insistiu que tem algo para me dizer. O que ela teria para me dizer que eu já não saiba? Me perguntei por várias vezes. Entro no quarto e observo a minha deitada em sua cama, no meio dos lençóis brancos. Ela está assustadoramente magra, pálida e respirando através de uma máscara. A visão é de cortar o coração. lentamente eu vou até a sua cama e ela me estende uma mão trêmula. Eu a seguro me aproximando ainda mais. Sinto a sua pele gelada na minha e seus olhos claros se enchem de lágrimas. Me sinto um filho da puta por não ter vindo antes. Totalmente desarmado, eu me sento ao seu lado e de frente pra ela.

— Meu filho. — Ela diz emocionada e com a voz fraca.

— Oi, mãe! — sussurro.

— Você veio, meu menino — sussurra.

— Sim. — É tudo o que consigo dizer. Em algum momento ela para de falar e parece que vai morrer bem na minha frente.

— Eu vou chamar um médico — falo fazendo menção de me afastar da cama, mas ela segura a minha mão fazendo um não lento com a cabeça. — Mãe, por favor, você precisa — insisto.

— Não, Edgar, eu preciso falar. — Eu não entendo a sua relutância. — Querido, eu não tenho muito tempo.

— Tempo para quê?

— Para te contar o que realmente aconteceu. A Rose... a...

— Não quero saber dela! — Eu a corto impaciente. — Por que você quer falar sobre ela justo agora? — rosno irritado, tentando mais uma vez me afastar dela.

— Porque ela não fugiu, filho. — Ela diz agora com dificuldade. A respiração ainda mais curta. Eu solto a sua mão. O que ela está me dizendo? Que porra é essa?

— O que está me dizendo, mãe?— pergunto em um fio de voz. Dona Geovanna leva a máscara ao rosto e respira algumas vezes. Depois, ela a afasta a máscara e continua.

— Seu pai, Edgar, ele sabia de vocês, ele sempre soube. Ele sabia que você desistiria de tudo se soubesse... — Ela para de falar e puxa a respiração com dificuldade. Os lábios começam a ficar roxos.

— Alguém chame um médico! — grito dentro do quarto. — Mãe, me escute, não quero que fale mais nada, você precisa descansar...

— Não, Edgar, me deixe falar, é a minha última chance — insiste. Sem alternativa, aceito o que me pede.

— Rose estava grávida, filho — diz. O meu coração pula com violência dentro do meu peito e eu sinto o ar me faltar.

— Do que você está falando, mãe?!— questiono contendo uma dor que parece me rasgar por dentro.

— O seu pai descobriu tudo. Você tinha que ir para a faculdade, e ele não queria que você soubesse. — Uma lágrima escorre pela minha face e um nó aperta a minha garganta, impedindo que o ar passe.

— Isso já não importa mais, mãe, ela me deixou. — Deixo que a mágoa fale mais alto.

— Não, querido, ela não te deixou.— Suas palavras são como vários punhais, penetrando a minha carne e rasgando o meu peito e sem dó, entrando no meu coração, o fazendo sangrar. É inevitável. As lágrimas rolam pelo meu rosto como uma torrente.

— Por Deus, não me diga isso! — peço com desespero na alma.

— Enviamos você para os Estados Unidos no dia seguinte e ela não teve a menor chance, Edgar.— Não espero que ela termine a frase. Larguei a sua mão e levantei-me da cama bruscamente e me pus a andar de um lado para o outro do quarto, me sentindo traído por minha própria mãe. Vinte anos... Eu a julguei por vinte longos anos. A vi como uma traidora, a acusei de tudo de ruim que assolou a minha vida. Eu perdi vinte malditos anos das nossas vidas! Caminho desolado para a porta e saio do quarto a passos largos.

— Edgar, Edgar, filho? — A escuto me chamar, mas não posso... simplesmente não dá para olhá-la nos olhos agora. Desço as escadas apressado e alcanço a saída da casa procurando ar para respirar. Entro na garagem e caminho entre os automóveis de luxo e chego a única coisa que vai me dar a sensação de liberdade nesse momento. Puxo a capa preta jogando-a em qualquer lugar e observo a moto, uma Suzuki GSX 1000 por um curto espaço de tempo. Pego a chave no porta chaves que tem na parede e o capacete em uma prateleira e em segundos ganho a estrada. Saio sem rumo, sem direção, deixando que as lágrimas encham os meus olhos e embaçassem a minha visão. Rose... Meu Deus como eu pude? Como eles puderam? Sinto a dor lacinante arder dentro meu peito. Meu Deus, um filho! Isso é desesperador! Eu tenho um filho e se quer sabia disso. Enrico Fassini, destruiu mais um pedaço de mim. 

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