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Foreigners: Lobos entre nós
Foreigners: Lobos entre nós
Por: Alissa Delcói
CAPÍTULO 1 - Visitantes indesejados

EMMY ZACK

Acordei com um solavanco, caindo da cama com um estrondo surdo contra o chão frio de mármore. Meu coração disparava dentro do peito, e o suor frio escorria pela nuca. Outro pesadelo. Mais um.

Madison apareceu no meu campo de visão antes que eu pudesse me recuperar. Seus cabelos dourados estavam soltos, caindo sobre os ombros como uma cortina cintilante sob a luz bruxuleante do abajur. Ela estendeu a mão, a expressão meio divertida, meio exasperada.

— Você bebeu chá de hortelã antes de dormir de novo, não foi?

Soltou um suspiro enquanto me puxava de volta para cima. Sua força me desequilibrou por um segundo, e eu quase tropecei.

— Você sabe o que as guardiãs dizem sobre isso, Emmy.

Antes que eu pudesse responder, Sol entrou no quarto, equilibrando um monte de toalhas dobradas no braço. Seu olhar deslizou rapidamente para mim, e ela franziu o cenho.

— Pelos deuses menores e maiores, você precisa parar de desobedecer as guardiãs.

Ela fechou a porta atrás de si com o quadril e jogou as toalhas sobre a cômoda compartilhada, ajeitando a postura. Diferente de Madison, que sempre parecia despreocupada, Sol tinha um jeito rígido, atento, como se estivesse sempre pronta para receber uma ordem.

Suspirei e me sentei na beirada da cama, olhando para o enorme desenho no chão de mármore: o sol e a lua entrelaçados, esculpidos no branco puro da pedra. O símbolo das guardiãs. O símbolo de tudo o que nos definia.

Madison bufou, cruzando os braços.

— Se a mamãe te pegar bebendo chás proibidos antes de dormir, ela vai te deixar de castigo na Sala da Lua.

Revirei os olhos.

— Céus… quantas regras.

Ajeitei os lençóis enquanto deixava o olhar correr pelo dormitório. O espaço era modesto, mas carregava a marca do tempo. As três camas de madeira antiga, pintadas com verniz escuro, tinham cabeceiras trabalhadas à mão, com espaços para nossos abajures e pilhas de livros. A cômoda era dividida entre nós três, assim como o guarda-roupa, os cantos de estudo e, de certa forma, até mesmo nossa vida. Compartilhávamos tudo: mãe, professores, guardiãs. 

Nascemos dentro da Divisa Guardiã, a fortaleza que existia para proteger o mundo do que é sobrenatural. Desde crianças, fomos ensinadas sobre as três grandes vocações: as assassinas, que caçam criaturas que ameaçam o equilíbrio; as bruxas, que dominam a magia e os encantamentos antigos; e as estudiosas, responsáveis por preservar e transmitir conhecimento.

Nossa mãe, Denise Zack, é uma das guardiãs-chefes da Divisa. Crescemos sob sua vigilância rigorosa, treinadas para um futuro que, desde o nascimento, nunca nos pertenceu de verdade.

Sol com seus dezoito anos já decidiu seu destino. Ela quer entrar para a Divisa Escarlate, o grupo das assassinas. Elas são implacáveis, imbuídas de uma missão sanguinária: exterminar todas as criaturas que representam perigo, até mesmo aquelas que não têm consciência de sua própria ameaça.

Madison, aos dezenove, deseja o caminho do conhecimento. Ela quer se tornar uma anciã, uma estudiosa que se dedica a ensinar as próximas gerações e a preservar os escritos sagrados.

E eu… aos vinte e um.

Bom, eu não tenho tanta certeza.

Existem outras torres, outras divisões além da nossa. Algumas são dedicadas a guardiãs, outras a sacerdotisas que seguem deuses específicos. Desde pequena, senti uma atração inexplicável por uma dessas torres: a Torre de Malac’h.

Malac’h. O Deus de todos os transmorfos. O Senhor da Noite.

Ele também é um deus lunar, ligado à cura, à caridade, à entrega absoluta. As sacerdotisas de Malac’h não são apenas devotas — elas deixam de pertencer ao mundo. Ao entrarem na torre, elas abandonam suas famílias, seus nomes e suas histórias. Nunca serão mães. Nunca mais serão filhas. Elas passam a ser filhas de Malac’h.

Minha mãe já me proibiu de tentar esse caminho. Duas, talvez três vezes.

Mas isso não mudou o que eu sinto.

Ainda é o que eu quero.

E então, dois sinos tocaram.

O primeiro sino tocou, uma vibração metálica cortando o ar e explodindo dentro do meu crânio como uma maldição. amaldiçoei mentalmente, cobrindo os ouvidos.

Então, antes que o eco do primeiro pudesse morrer, um segundo sino soou, sobrepondo-se ao anterior.

— Temos visitantes da Divisa. — A voz de Sol veio seca, carregada de tédio. Ela cruzou os braços, revirando os olhos.

Madison e eu nos entreolhamos.

— De novo? — Um grupo de vampiros nos visitou há uma semana, outro evento raro.

Sem mais protestos, nos levantamos, realizando nossa higiene às pressas. A rotina já era automática: banhar-se, trançar os cabelos, vestir-se conforme a maldita etiqueta da Divisa.

Todas as meninas não iniciadas usavam o mesmo vestido verde, um tom profundo de floresta. O modelo podia ser ajustado ao gosto de cada uma, mas a cor era inalterável — e eu a odiava. Sentia que aquela tonalidade apagava algo dentro de mim, como se me enterrasse em um papel que não era meu.

— Madison, vamos! — Sol chamou com impaciência.

Saí antes, esfregando os braços para que o hidratante fosse absorvido mais rápido pela pele.

— Eu vou na frente, distraindo nossa mãe — avisei.

Andei pelo corredor, misturando-me a outros grupos de aprendizes que deixavam seus quartos. O ar carregava o cheiro das velas de ervas que queimavam em pontos estratégicos, uma mistura de alfazema e sálvia para purificar a Torre.

— Ei, Zack!

O chamado veio antes de sentir algo atingir minhas costas. Uma maçã rolou pelo chão de mármore.

Risadas seguiram-se.

Jennie White. Claro que era ela. Estava acompanhada de Cheryl Bosckow e Nina Schelling, suas fiéis sombras.

Observei as três. Jennie, de pele dourada pelo sol, seus cachos volumosos brilhando sob a luz matinal. Nina, com o cabelo preso em duas Marias-chiquinhas perfeitamente simétricas. Cheryl, ruiva e sardenta, mordendo uma maçã com ar de desinteresse, os cabelos desgrenhados pela brisa fria que entrava pelas janelas abertas.

— Sua mãe já decidiu quantos dias vai te trancar na Sala Lunar dessa vez? — Jennie zombou, cruzando os braços.

Sol chegou rindo atrás de mim.

— Não sei… — respondi, sorrindo de canto. — Mas quando vai avisar a piranha da sua amiga que esse cabelo dela é ridículo?

A risada de Sol se intensificou, e Madison chegou cobrindo a boca para conter a própria risada.

Antes que Jennie pudesse retrucar, senti uma presença se aproximando.

O silêncio caiu como uma onda.

Minha mãe.

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