EMMY ZACK
Tropecei duas ou três vezes, amaldiçoando a mim mesma por toda essa situação. Só me dei conta de como estava transtornada ao chegar a uma das salas de leitura vazia.
Tranquei a porta e deixei algumas lágrimas caírem, me perguntando o que estava acontecendo comigo.
Afinal de contas, aquele era o nosso lugar.
Meu e do Devon.
Até não significar mais nada. Mas agora, era como uma ferida aberta. Algum tipo de vergonha percorria meus poros.
Eu cedi àquele lobo… Isaac.
Naquele momento, foi como se eu respirasse através da minha pele, e minha pele pedisse por ele. Como se ele fosse o ar necessário para me manter viva.
O cheiro dele impregnava meu vestido. Um aroma amadeirado, e fresco.
Menta.
A porta se abriu, mas continuei sentada no chão, perto da estante.
— Olá, criança… — Adélia Bosckow me analisou. — Você está bem, Emmy?
Levantei-me rapidamente, alinhando o vestido e abaixando a cabeça. Estendi as mãos à frente do corpo, levemente, em reverência a uma das guardiãs mais importantes da torre.
— Bom dia, senhora… — tentei não soar nervosa. — Eu estou bem, precisa de algo?
Adélia andou ao meu redor. Seus cabelos loiros, presos em uma trança adornada com joias, realçavam seus olhos verdes claros. As joias brilhavam, denunciando seu status na torre. O mesmo se via no vestido azul, com um manto elegante. Ela era alta, magra, e braceletes da torre enfeitavam seus pulsos.
— Preciso que seja sincera comigo, criança… — Adélia não me deu espaço. — Meu sobrinho, Devon, me falou sobre o ocorrido na horta.
Paralisei, arregalando os olhos.
— Senhora… — tentei dizer algo, mas minha voz falhou.
— Você não pôde resistir a ele, não é, criança? — ela me olhava com desprezo. — Ele deixou o cheiro dele em você. Marcou você, como os monstros fazem, Emmy.
Olhei para o chão, encarando os desenhos entalhados na madeira da estante.
— Senhora, não fomos além daquilo que Devon viu… — gaguejei. — Eu juro, ele não foi além.
Adélia continuou me rodeando, observando meu corpo trêmulo.
— E você acha que um beijo foi algo pequeno, Emmy? — Sua voz se elevou, carregada de fúria.
— Me desculpe… — sussurrei.
— Você envergonha sua casa. — Ela ergueu as mãos, e um feixe de energia me forçou a ficar de joelhos. — Suja a torre das guardiãs ao se aninhar com um monstro…
Fios de sua magia apertaram ao redor do meu braço, e a dor me fez prender a respiração.
— Eu sinto muito, senhora… — sussurrei, deixando uma lágrima escapar.
Eu me sentia suja. Mesmo sem ter feito nada, mesmo sem controle sobre aquilo.
Um dia, eu era uma fonte cristalina. No outro, me sentia manchada.
Antes que Adélia pudesse continuar sua punição, minha mãe entrou, seu andar era banhado de fúria.
— O que pensa que está fazendo com minha filha?! — Sua voz era como um trovão.
Com um único gesto, quebrou a corda de energia que me machucava.
— Pergunte a ela… — Adélia disse, com desdém.
Minha mãe olhou para mim, mas eu não me atrevia a encará-la.
— Olhe para mim, Emmy… — pediu, com a voz mais suave.
Observei seus cabelos longos e negros, que caíam em ondas até sua cintura. Joias enfeitavam as raízes do cabelo, anunciando sua realeza dentro da torre. Sua pele clara brilhava sob a luz.
Levantei os olhos.
— Me conte o que houve, Emmy… — sua voz ainda era doce, mas carregava uma firmeza inegável.
— Conte para ela, Emmy… — Adélia ironizou, cruzando os braços.
Mordi os lábios, deixando as lágrimas escorrerem.
— O lobo… Isaac. — Minha voz saiu trêmula. — Ele invadiu meu sonho esta noite, então decidi colher ervas para preparar um chá que bloqueasse isso…
Lancei um olhar para Adélia, que observava minha mãe, visivelmente furiosa.
— Ele me seguiu até lá… — continuei, sem coragem de encará-la. Olhei para o chão. — Nos beijamos, e Devon viu tudo.
Os lábios de minha mãe se contorceram de raiva.
— O sonho… — Ela se aproximou e segurou meu queixo. — Me conte o que houve no sonho, Emmy.
As lágrimas não paravam de cair. Apertei as mãos juntas à frente do corpo.
— Ele… — gaguejei. — Ele me reivindicou.
Silêncio.
— Ele me fez sua mulher… — sussurrei quase inaudivelmente. — Mas foi só um sonho, mãe. Eu juro.
— Um sonho, Emmy!? — sua voz se exaltou. — Você sabe o que isso significa?
Neguei com a cabeça.
— Que você o pertence, Emmy. — Meu coração saltou no peito. — Mesmo que ele não tenha tocado seu corpo, ele se entrelaçou à sua alma…
Algo se revirou dentro de mim. Meu ventre se torceu. Meu sangue gelou.
Esqueci como respirar por alguns segundos.
— O que eu faço? — sussurrei. Nem sei se perguntava para minha mãe ou para mim mesma.
— Você ficará de castigo na Sala Lunar. — Sua voz foi cortante.
— Mas, mãe… — tentei protestar.
— Até que esses malditos lobos deixem a torre, você ficará de castigo, Emmy! — sua decisão foi definitiva.
— É uma punição muito pequena, Denise… — Adélia disse, caminhando para a saída. — E a representante da Grande Mãe deve saber disso.
Elas trocaram olhares. Não foram simples.
Havia algo mais ali.
Preocupação. Medo. Um temor que não se escondia totalmente.
— Convoque uma reunião discreta. Estarei lá em trinta minutos. — Minha mãe decretou, observando Adélia deixar a sala. Então voltou-se para mim. — Emmy, você sabe o caminho. Me siga.
Ela me deu as costas. Esperou apenas alguns segundos enquanto eu me levantava e alinhava o vestido.
— Limpe as lágrimas. — Mamãe ordenou.
Esfreguei as mãos no rosto, apressando-me para acompanhá-la. Caminhamos pelos corredores, passamos por portas antigas e imponentes, até finalmente pararmos diante da Sala Lunar.
Ninguém esteve nesta sala tanto quanto eu.
Duzentos anos se passaram desde que a torre foi criada, e ela permaneceu ali, um lugar temido, onde a maioria das criaturas era privada de seus poderes. Até mesmo as guardiãs, abençoadas por Iazi’ch, perdiam sua força ali dentro.
Nascemos com um dom.Mas às vezes, parecia mais uma maldição.
Destinadas a crescer dentro de torres, isoladas do mundo, seguindo regras rígidas, doutrinas que nunca fizeram sentido para mim.
A Sala Lunar era uma tortura.Para outras aprendizes, parecia apenas uma cela comum, ou um lugar para refletir, onde seus poderes fluíam ainda melhor depois da reclusão. Para mim, era diferente.
Era frio.O tempo ali dentro se estendia de forma doentia. Dois dias pareciam quatro. Se eu estivesse machucada, a dor aumentava.E, ainda assim, sobrevivi a incontáveis dias naquele lugar.
Um nó se formou na minha garganta ao encarar as grandes portas adornadas com símbolos lunares. Minha respiração falhou quando vi minha mãe conjurar para abri-las.
Talvez o próprio local me rejeitasse, pois aprendizes e guardiãs conseguiam abrir a porta.Eu, não, nunca.
O som das portas se abrindo era incômodo, quase como um lamento. Dei um passo para trás ao sentir a energia densa que vazava daquele ambiente.
No centro da sala, erguia-se um pilar.No topo, uma réplica da lua.Moldada com magia e poeira lunar, ela intensificava os efeitos da sala.
O coração martelava no peito.— Serão só seis dias. — Mamãe murmurou, acariciando meu rosto. — Você sabe que é para o seu bem, querida.
Ela alisou meus cabelos.— Você sabe que parecerão doze… — sussurrei. — Doze dias dolorosos.
— É pela sua segurança. E pela segurança da torre, Emmy. — Ela secou minhas lágrimas insistentes. — Um lobo reivindicar uma mulher nunca é algo bom, minha criança.
Fechei os olhos.
Por um momento, amaldiçoei Isaac.Se eu pudesse moldar o tempo… voltaria alguns meses. Quando eu ainda amava Devon.Quando tudo entre nós ainda parecia certo.Até perceber que não éramos bons um para o outro.Não era para ser.
Respirei fundo e juntei coragem.Dei um passo à frente, entrando na sala.O peso do lugar caiu sobre mim imediatamente.Eu sabia.
Dessa vez, a Sala Lunar me quebraria.Minha mãe conjurou o feitiço que trancava as portas.
— Voltarei mais tarde, Emmy… — sua voz foi um sussurro.
O desconforto no meu peito dobrou.A respiração tornou-se difícil, sufocante.Sentei-me no chão, abraçando as próprias pernas.
Refleti sobre o que fiz.E, em silêncio, roguei aos deuses para que os dias passassem depressa.
Matteo FieldsNão completamos nem um dia na Divisa Guardiã, e Isaac já arrumou problemas.Observo, atônito, enquanto Chase termina de contar a última confusão em que nosso ímã de encrenca se meteu.Zayn ri, mastigando os biscoitos que roubou da cozinha da torre. Alec permanece calado.— O que diabos você estava pensando? — solto, indignado. — Ela é uma aprendiz de guardiã! E não qualquer uma… é filha de uma guardiã superior!Alec percebe minha revolta e se coloca entre mim e Isaac, como sempre sendo o pacificador das nossas discussões.— Isaac, você já passou da idade de fazer tanta merda! — perco o controle, gritando.— O que a idade tem a ver com isso? — Zayn, o caçula resmunga.Chase esfrega o rosto, visiv
Isaac FieldsAcordo sentindo um toque leve deslizar por minha bochecha. Suas unhas arranham suavemente meu queixo, e quando abro os olhos, encontro seu sorriso me acolhendo. Ela me puxa para um beijo, e o calor de seu corpo nu contra o meu me enraíza na realidade daquele momento.O quarto ao nosso redor parece grandioso, mas indistinto. Cortinas roxas envolvem a cama imensa, o veludo ondulando como sombras vivas. À frente, uma mesa ornamentada exibe cálices e ervas espalhadas ao lado de velas queimando lentamente. Símbolos solares se espalham pelas paredes de pedra clara, como se capturassem a essência de algo divino.— Está bem, amor? — sua voz chega até mim como um sussurro envolvente, seus olhos azuis cintilando com uma luz que parece própria.— Sim, minha deusa. — Respondo sem hesitação, encantado pela visão dela. Seus longos cabelos caem ao redor do rosto, uma moldura perfeita para sua beleza etérea.— Prefiro quando diz o meu nome. — Ela murmura antes de roçar os lábios em meu q
Isaac Fields"Nem acima dos céus, nem abaixo deles houve criatura tão bela quanto ela.Aquela que deu luz às estrelas." Desperto com o corpo em chamas. Cada músculo pulsa de dor, como se tivesse sido despedaçado e remontado de forma errada. O chão frio sob mim é áspero, duro. Minha respiração está pesada. Tento me mover, mas um peso invisível parece me prender. Ergo o olhar e vejo a sala ao meu redor. No centro, um pilar se ergue, irradiando uma energia densa, sufocante. Algo está errado. Há corrupção ali, algo vil, algo que me enfraquece. Então, o cheiro me atinge. Sangue. Meu coração acelera. Viro o rosto e vejo Emmy caída. O desespero me impulsiona para frente. Me arrasto, ignorando a dor que me atravessa, e alcanço seu corpo frágil. Meu peito aperta quando toco sua pele fria. — Emmy! Minha voz ecoa na sala vazia. Toco seu rosto, tentando despertá-la. Os segundos se arrastam como séculos. Então, finalmente, ela se move. Os olhos dela se abrem, confusos, nublados. — I
Chase Fields Madison chora enquanto caminha pelos corredores da torre. Ignoro. Se eu deixar que isso desperte qualquer resquício de compaixão, estarei enfraquecendo minha posição. Não quero machucá-la, nunca machucaria ninguém sem necessidade. Mas sei que não nos entregarão Emmy e Isaac de maneira voluntária. — Pare de chorar. — ordeno, sem paciência. — Diga tudo o que sabe. Ela hesita, então a pego pelo pescoço novamente, minhas garras roçando perigosamente contra sua pele frágil. — Ela está ali… atrás daquela porta. — sussurra, apontando. Meus olhos se fixam na enorme lua desenhada na porta. A energia emanando dali me arrepia a espinha. — O que tem ali? — pergunto, desconfiado. — É uma prisão lunar, feita pela deusa Iazi'ch. — sua voz treme. Minha mandíbula trava. Sei que meu rosto agora carrega uma expressão sombria e ameaçadora. — Emmy e Isaac estão dentro dessa prisão? Madison assente, hesitante. — É só isso que sei. Antes que ela possa dizer mais alguma coisa, um
EMMY ZACKSegui Chase e Isaac em silêncio pelos corredores sombrios da torre. Cada passo ecoava como um presságio, uma contagem regressiva para algo que eu não conseguia evitar. O medo fazia minhas mãos tremerem, e eu tentei controlá-las, fechando os punhos ao lado do corpo. Mas quando percebi a direção que tomávamos, meu corpo inteiro começou a estremecer.O Salão dos Julgamentos.O terror subiu pela minha garganta em forma de náusea. O simples pensamento de entrar naquele lugar, de encarar o que quer que estivesse por trás dessas portas, me paralisava.— O que faremos? — perguntei, a voz fraca e trêmula.Um sorriso irônico se desenhou nos lábios de Chase.— O que foi, loirinha? — ele zombou, inclinando a cabeça. — Dá pra sentir o cheiro do seu medo daqui.Meu estômago se revirou.— O que vocês vieram fazer aqui? — as palavras escaparam num sussurro aflito, como se fossem mais uma súplica do que uma pergunta.Chase lançou um olhar para Isaac, e seu suspiro veio carregado de frustraçã
Chase FieldsAs bochechas macias de Emmy me distraíram por um breve momento. O toque dela, por mais delicado que fosse, parecia capaz de amansar a fera enjaulada dentro de mim. Era estranho, quase desconcertante. Mas não por muito tempo.— Traga Hyialia. — Ordenei a Zayn, minha voz firme como aço.O salão se encheu de murmúrios tensos. As guardiãs trocaram olhares alarmados, algumas recuaram instintivamente, mas antes que qualquer tumulto ganhasse força, uma figura atravessou o limiar da grande porta. Brysa, outra sacerdotisa de Malac’h, surgiu na porta, sua expressão impassível como mármore.— Senhor, trouxe o que pediu. — Sua voz era controlada, mas seu olhar traía a hesitação enquanto se aproximava, segurando uma caixa média.Sorri, sentindo o gosto amargo do medo delas no ar.— Oh, Brysa, bem na hora... — A antecipação dançava em minha voz enquanto deslizava os dedos pela tampa da caixa, abrindo-a com um gesto casual.O silêncio no salão se adensou como neblina quando introduzi
EMMY ZACKO manto branco desliza suavemente sobre meus ombros, e a pelagem macia parece leve como o toque de uma pena. O cheiro que emana dele é reconfortante, uma mistura sutil de ervas e algo amadeirado. Isaac ajusta o tecido ao redor do meu corpo, seus dedos firmes e hábeis, e então dá um passo para trás para me observar.Ao me virar, vejo a torre da Dívisa Guardiã erguendo-se contra o céu nublado. Um calafrio percorre minha espinha, mas a dor real começa no meu ventre, irradiando-se como lâminas quentes por todo o meu corpo, meu estômago se contrai, e fecho os olhos por um instante, respirando fundo para acalmar o turbilhão interno.— Emmy... — A voz grave de Chase me chama de volta à realidade. — Sabe montar a cavalo?O peso do seu olhar faz meu coração acelerar. Baixo os olhos, balançando a cabeça em negação.— Tudo bem... — Ele se aproxima e acaricia meu rosto com ternura, o polegar deslizando levemente sobre minha pele. — Você pode ir com um de nós.Lanço um olhar incerto às s
Emmy ZackMesmo que eu tivesse repetido diversas vezes que aguentaria mais algumas horas a cavalo até a cidade próxima, fui completamente ignorada.Não por um ou dois deles. Mas pelos cinco.A insistência deles era tão irritante quanto reconfortante. Ainda assim, me sentia exausta demais para protestar de verdade. Meu corpo já não suportava a ideia de mais uma noite ao relento, e eles sabiam disso.Quando finalmente chegamos à tal casa em Gron’harver, ergui os olhos para a enorme construção à nossa frente, as luzes douradas tremeluziam através das janelas altas, refletindo-se no mármore esculpido da fachada. O cheiro de madeira e terra úmida era forte, mas não desagradável.Estátuas de lobos flanqueavam a entrada, suas presas esculpidas em detalhes macabros. Os olhos vazios pareciam me seguir na escuridão.— Isso aqui é tipo… a casa de campo de vocês? — perguntei, ainda aninhada no colo de Chase, que se recusava a me soltar.— É, uma delas. A menor. — Ele pontuou, sua voz baixa e rouc