O vento soprava gelado naquela ilha. O som do mar, o mesmo que acalmava, irritava-o. Miguel se sentou abraçando as pernas, balançava-as como o restante do corpo no mesmo ritmo... Lento. Ele batucava os dedos no joelho enquanto observava a espuma branca que batia de encontro as rochas. Com os olhos fixos no mar agitado devido a uma tempestade na noite anterior, Miguel chorava.
Sentia-se mais solitário do que nunca. Nessa manhã, nem o sol e nem os pássaros daquela ilha deram o ar da sua graça, apenas nuvens, chuva e a solidão. Miguel fechou os olhos e suspirou, com o coração pesado e cansado de saudades.
Ele escutava cada gota de chuva bater de encontro às folhas, era para ser reconfortante, se não fosse tão solitário.
Afinal, ele não sabia como havia parado ali. Não sabia quem era, ou o que havia acontecido, mas, dentro de si, um vazio o atormentava ferozmente.
Mesmo sem querer, lágrimas começaram escorrer por sua face, ele apenas as deixou rolar, ninguém o veria sendo fraco mesmo, a não ser a chuva, a ilha e os animais a sua volta.
Fazia tempo que Miguel não escutava o som da sua própria voz. Ainda no início, quando chegou ali anos atrás, ele ainda subia em um penhasco e gritava na esperança de ser ouvido, mas isso nunca chegou a ocorrer.
Quase não falava mais, e, às vezes, até esquecia como era o som de sua voz, afinal, era um desperdício de tempo, ninguém o ouviria mesmo.
O que mais o atormentava era não se lembrar de seu passado, de como veio parar ali, se tinha ou não alguém que sentisse saudade dele. Porém, ele sentia falta de alguém, mas não conseguia saber quem. Sentia o seu cheiro doce, sentia estar dentro dela, sentia suas mãos tocando seu corpo, seus lábios beijando os seus, mas tudo não passava de delírios. Delírios de uma mente prestes a enlouquecer de vez pela falta de companhia.
Assim que a chuva passou, Miguel se levantou, espreguiçou-se e começou a recolher pedaços de coqueiros e folhas que o vento havia trago.
Limpou a frente de seu abrigo, construído de folhas de coqueiros, alguns pedaços de árvores caídas e restos de algumas embarcações que chegavam à praia.
Os pássaros, finalmente, começaram a aparecer para reconfortá-lo um pouco, seus únicos companheiros estavam começando a sair dos ninhos e espreguiçavam-se, chacoalhavam-se e começavam a gorjear; ele sorriu para um João-de-barro que insistiu em construir seu ninho em cima de sua casa, esse era seu amigo mais inseparável naquela ilha.
Pegou um pedaço de madeira e adentrou a floresta densa, a qual ele ia com frequência, nunca viu animais selvagens por ali, somente pássaros e alguns peixes que às vezes pulavam na areia da praia.
Era cada vez mais difícil para Miguel se concentrar em algo que não fosse esse sentimento de saudade. Saudade de alguém que ele nem sabia quem era, mas que sentia falta, mais do que tudo.
As lembranças de dias que ele não sabia se viveu sempre invadiam sua mente, deixando-o triste e desesperado. Aceitar o maldito destino de estar ali perdido, e ainda sem se lembrar de nada, não era fácil. Sempre se perguntava como ele havia parado ali, quem ele era, quem ele deixou para trás e se um dia, conseguiria sair dali e retornar para seu lar, caso ele tivesse algum.
Maldito dia!, disse mentalmente por fim, tentando deixar de lado os pensamentos. Miguel andou despreocupado, cutucando o chão com aquele pedaço de pau.
Ele estava indo para o lago no meio da ilha, com seu fiel amigo João-de-Barro que sobrevoava a cabeça dele, gorjeando sem parar.
— Apesar da solidão, tudo aqui é bonito, não é mesmo, João? — sua voz estava diferente, mais rouca do que de costume.
Essa era uma das poucas vezes que ele falava, apenas quando encontrava o João-de-Barro, o qual, às vezes, ele até esquecia que era um pássaro. Como ele queria que o pássaro pudesse lhe responder.
João-de-Barro, que antes sobrevoava a cabeça de Miguel, pousou em seu ombro.
— Gostaria de saber como veio parar aqui... — disse, dando de ombros para continuar sua caminhada. Assim que chegou à lagoa, o pássaro saiu de seu ombro e pousou elegantemente em um tronco de uma árvore.
— Gostaria que falasse também, não me sentiria tão sozinho.
Apesar de ter muitas folhas dentro daquela singela lagoa, ela era bonita, sua água era de um tom de azul que ele não entendia.
As árvores ao redor davam um refúgio do calor, suas raízes se trançavam umas nas outras formando pequenas poças, onde os pássaros da ilha tomavam banho. Miguel se sentou sobre uma dessas raízes, olhou ao redor e suspirou, o pequeno barranco escorria a água da chuva, as flores que nasciam ali eram pequenas e de cores acobreadas.
Sobre as pedras mais à frente, pássaros os observavam curiosos, a mata tomava grande parte desse lugar, tornando alguns insetos visíveis.
Miguel se levantou e despiu-se. Em seguida, entrou na lagoa. A água estava fria, mas devido ao calor, seu corpo agradeceu o mergulho.
Ele foi até o fundo e segurou a respiração o máximo que pode, ele gostava disso, era nessas horas que não sentia o peso da saudade, nem a dor no coração que o acompanhava constantemente. Assim que submergiu, Miguel boiou e ficou ali de braços abertos, apenas deixando seu corpo flutuar. Ele queria esvaziar a mente, esvaziar o coração.
E conseguiu, não pensava em absolutamente nada. Apenas se dedicava a escutar cada nota dos seus amigos pássaros que estavam ao seu redor.
Uma pequena brecha entre as folhas das árvores fez com que o sol batesse em seu rosto, fazendo-o ficar em pé. Mas seus pés não tocavam o fundo, por isso, ele nadou até a beirada do lago, pegou seu short rasgado, que mais parecia com um pedaço de pano velho, e andou nu entre a floresta.
Foi à uma bananeira, arrancou algumas bananas maduras e voltou ao seu abrigo.
Assim que a noite chegou, ele acendeu uma fogueira bem próxima à entrada da sua cabana, sentou, comeu algumas bananas assadas e observou o mar.
Pensou que se a solidão tivesse um som, seria esse... o barulho do mar.
Fumaça.Havia muita fumaça.MIGUEL recobrou a consciência e tentou se manter em pé, mas isso parecia ser uma missão impossível, o barco balançava de um lado para o outro e sua cabeça latejava fortemente.Levou a mão à cabeça e sentiu algo viscoso, quando olhou, percebeu que era sangue, por isso, ficou confuso por alguns instantes. Ele havia caído?Não lembrava direito, focou os olhos na mancha de sangue no chão do barco e, então, relembrou tudo o que aconteceu minutos atrás, a discussão, a briga e, por fim, as pancadas na cabeça.O coração de Miguel se contraiu, enquanto, em sua mente, ele só conseguia se perguntar: como Lucas pôde? Como ele pôde se virar contra ele? Ele era seu melhor amigo, não era? Fechou os olho
É impossível existir sem te abraçarNo meu corpo, tu reinavasFechava os olhos e então te via chegarMas tu não estavas.Dias atuais.MALÚ acordou naquela manhã com os pensamentos em Miguel, por mais que o tempo passasse, ela não conseguia esquecê-lo. Ela nunca se conformou com a partida dele, algo dentro dela lhe dizia que a história deles ainda não tinha terminado, mas como podia confiar nesse pressentimento quando, na verdade, ele havia morrido? Talvez, isso acontecesse pelo fato deles nunca terem achado o corpo de Miguel, mesmo achando os restos do barco.Era difícil para ela, pois a saudade castigava seu coração todos os dias. Viveu feliz uma boa parte de sua vida, mas, de repente, a felicidade foi arrancada dela com brutalidade.Suspirou ao recordar do sonho que teve com o amado. Estavam em uma praia, e nela tinha uma lagoa linda,
LUCAS andava de um lado para o outro, estava tenso e nervoso. Toda vez era isso, Malú sempre o afastava mesmo com todo seu esforço e dedicação para ganhar o amor da moça. Ele não sabia mais o que fazer, já tinha se livrado de Miguel, o grande empecilho que tinha entre eles, mas, agora, tinha Maicon. Lucas odiava aquele moleque. Por ele, poderia tê-lo matado sufocado quando nasceu, mas ele nunca conseguiu ficar sozinho com o menino, Malú não deixava. Tinha a certeza de que ela não se entregava a ele por conta do garoto. Entrou em seu consultório nervoso, sentou-se e ligou o computador, fazia tempo que Lucas não pensava no passado, mas naquela manhã as lembranças da infância e adolescência invadiram sua cabeça, fazendo-o sentir mais raiva de Miguel. Com os cotovelos em cima da mesa e o rosto entre as mãos, Lucas relembrou sua infância com aquele que ele julgava que tinha o traído. Miguel e Lucas se conheceram aos três anos de idade. Em uma noite, o menino acord
A única coisa que limita as suas aspirações é a sua imaginação. MIGUEL observava seu amigo João-de-barro, o pequeno passarinho pegava alguns gravetos e levava até seu ninho, gorgolejava e batia as asas com alegria, ele sorriu com a alegria de seu amigo. O dia estava lindo, o sol brilhante, e nenhuma nuvem era vista no céu. Ele se levantou, retirou o short velho e correu até o mar, em seguida, mergulhou, a água estava quente, ficou algum tempo ali nadando perto da borda, pois não poderia ir para muito longe. Apesar de saber nadar bem, a arrebentação era perigosa e morrer naquele paredão de pedras não era mais seu objetivo. Sua meta agora era traçar um plano para que pudesse voltar para casa. Após relembrar tudo o que aconteceu com ele, Miguel ficou ainda mais triste, porque por mais que ele pensasse, mais conclusões ruins ele chegava. Saiu do mar e sentou-se na areia, observou bem o mar, e sua cabeça e seu coração lembraram a mulher que
Se apagaron las estrellas que tú y yo encendimosDentro tuyo se hizo piedra todo ese dolorTuve el cielo entre tus brazos y lo eche al vacíoPor creer que estaba escrito en las hojas del destino Samo- Doy un pasi atrás MALÚ acordou assustada, viu em sua frente um rosto de um homem negro, tinha cabelos raspados, olhos tão negros que parecia que ela olhava um abismo, nariz grosso assim como seus lábios, ele era grande e musculoso, mas quando ela o olhou novamente, ele sorriu e aquele sorriso transmitiu paz e segurança. Lembrou-se de suas palavras, então algo dentro de si se acendeu, sentiu novamente esperança. “Em breve!” Foi isso que aquele homem disse, um simples “em breve” e seu coração se agitou. Mas como era possível? Malú sabia que tinha um coração amargurado, cheio de espinhos, ela sabia que a única pessoa que ela conseguia demostrar sentimento era Maicon, nem com seus pais, Malú conseguia mais, era difícil e dolo
MIGUEL se remexeu na cama. Sentiu-se estranho e desconfortável, era como se aquele ali não fosse seu lugar, estranhou o balanço do mar e o colchão macio. Sentou-se na cama e seu amigo João-de-Barro gorgolejava feliz na cabeceira, ele não podia o deixar lá sozinho, Miguel sabia que a solidão não era para nenhum deles. Escutou batidas suaves na porta, Matias entrou sem esperar a permissão do ocupante. O homem grande sorriu quando entrou no quarto, trazia um prato de comida e um copo em mãos. — Obrigado! — Miguel agradeceu, aceitando o prato de comida, que parecia apetitosa, o macarrão ao molho estava fumegante, salivou ao sentir o cheiro. — De nada, meu amigo. — respondeu com um sorriso. Matias se sentou no chão ao lado de Miguel e observou-o comer, com calma e com classe. Apesar de tudo e da aparência deplorável de Miguel, via que ele tinha uma educação muito boa. Balançou a cabeça pensando no que ele tinha passado, sentiu uma profunda dor ao ver as ma
MIGUEL acordou naquele dia com uma nova visão da vida. Embora ainda achasse que tudo mudou, ele tinha uma incrível esperança que no final tudo daria certo. Ele só esperava que Malú, mesmo com a distância, continuasse a amá-lo. Esperava que ela não o houvesse esquecido, porém sabia que não poderia exigir nada dela, afinal, foi ele quem sumiu, mesmo contra a vontade. Suspirou pesadamente com a hipótese: se ela tivesse seguido em frente, ele teria que suportar, certo? Por mais que cada pedaço de sua vida e de seu mundo fosse destruído, ele sabia que continuaria seguindo e amando-a, mesmo sem o amor dela.— Miguel? — Matias entrou e observou o amigo deitado no chão, as pernas esticadas e os braços embaixo da cabeça. — O que faz aí?— Ah! Desculpe, mas a cama... ela está muito mole — disse e deu de ombros.—
— Alô! — disse do outro lado da linha.A voz de Miguel ficou embargada pela emoção, algumas lágrimas teimosas escorriam pelo seu rosto.— Alô! — a voz insistiu. — Se não me responder, vou desligar.— Mãe! Sou eu, Miguel... — Miguel escutou quando sua mãe suspirou antes de voltar a falar.— Isso não tem graça, irei desligar! — Os olhos de Josiane marejaram, como alguém poderia fazer esse trote? Não sabiam a dor que ela carregava no coração?— Mãe, sou eu, não é nenhum trote, por favor, não desligue.Josiane ficou confusa, a voz era muito parecida com a de Miguel, mas tinha uma rouquidão que seu filho amado não tinha, ficou na dúvida entre desligar e esperar para ver onde aquela brincadeira se