— Dentro de uma semana, será o nosso tão esperado recital. — Jude Callen, o professor, diz. — Vocês estão cada dia mais preparados, então não vejo a hora desse dia chegar.
Os saltos de Marylin Durant, a secretária de Jude, ecoam pelo piso de madeira. Todos se viraram para encará-la, incluindo Jude.
— Desculpe atrapalhar, mas vim informar que sexta é o último dia para o pagamento do recital. Só faltam... — Marylin olha a prancheta em sua mão e a analisa de cima a baixo. — duas pessoas.
Ela encara Davine Baker e Evangeline Atkins. As duas bolsistas da turma.
— Caso não efetuem o pagamento, estarão fora!
Marylin tinha um sorriso soberbo, como se ficasse feliz com a pobreza alheia. Aquilo era culpa dos pais, que nunca deixaram ela fazer esforço na vida. O trabalho de secretária é apenas no papel, para marcar em cima de quem ganhou bolsa para as aulas. E ela adorava fazer aquilo, pois segundo Marylin, quem não se esforça, não merece recompensas.
— Tenho certeza de que, quem quer que falte pagar, irá conseguir. — Jude diz, tentando amenizar o clima que havia ficado. — Enfim, guardem os violinos e podem ir para casa.
Enquanto Evangeline guardava seu instrumento com cuidado na case surrada que ela tinha, Davine se aproxima lentamente dela.
— Evie, você vai conseguir o dinheiro?
— Acho que sim. E você?
— Não sei. — ela dá de ombros, e as duas começam a caminhar para fora do local. — Meus pais acham bobeira pagar, para tentar ganhar alguma coisa depois.
A inscrição custava duzentos dólares e o prêmio para o primeiro lugar, era de mil. O segundo e terceiro ganhavam apenas uma medalha pela participação.
— Eles meio que tem razão, mas devia fazer pelo reconhecimento. Fico pensando se aparece alguém afim de nos levar para fazer turnê pelo mundo.
— Você definitivamente tem a cabeça muito longe, Evangeline. Nos vemos amanhã.
Evie acena para a amiga de turma, logo que elas chegam à calçada. O pai super controlador que Davine tinha, já estava estacionado ali, a sua espera. A violinista ainda precisa caminhar um pouco mais, até chegar na estação de metrô.
Evangeline vive em um campo de trailers, no leste do Bronx. A escola onde ela havia conseguido a tão sonhada bolsa de violino, fica no Brooklyn. Ela leva quase duas horas todos os dias, para ir e vir da aula. Era cansativo, mas isso não importava a ela, pois era prazeroso estar fazendo algo que amava.
De manhã, a garota frequentava algumas aulas da faculdade comunitária do bairro. Ela gostava de dizer que era apenas para manter o seu intelecto em dia. Isso era o que ela dizia e achava que as pessoas acreditavam.
Durante a tarde, Evangeline trabalhava meio turno, como caixa em um mercadinho. Embora passasse a maior parte no celular, já que o movimento era rarefeito, era de onde ela tirava seu sustento.
E a noite se dedicava como nunca, ao violino.
Ao sair do metrô, Evie caminha calmamente até sua casa. Embora tivesse um grupo de gangue em cada esquina por onde ela passava, a garota conseguia quase se sentir segura com eles ali. Desde que aquele pessoal tomou conta das ruas, o número de assaltos eram quase zero.
Evangeline entra em casa, largando a case ao lado da porta.
— Mãe? — ela chama. — Está em casa?
Sem respostas, ela revira o pequeno ambiente atrás da sua genitora. Os dois quartos e banheiro estavam vazios. Ao conferir que sua mãe não estava por ali, ela chega à conclusão de que ela estava por aí, na casa de algum homem. Ou em algum beco.
Enquanto revira os armários, atrás de algo para comer, Evie retira os sapatos e os empurra para perto da porta. A única coisa que tinha por ali, era uma caixa de cereal e meio quilo de arroz. Ela pega a caixa de cereais e enfia a mão sem pudor algum e leva até a boca.
— Evie? Está em casa?
Batendo na porta, estava Felippa Moore. Ela era a melhor amiga de todos os tempos, que Evangeline tinha. Evie já morava no trailer, quando a família de Felippa chegou com um. Elas tinham sete e oito anos na época. Já se passavam mais de treze anos de amizade, sem uma briga sequer. Aquela era uma amizade inigualável.
— Entra aí! — Evie diz, se sentando em um banco à mesa.
— Cadê sua mãe?
A garota dá de ombros, ainda comendo o cereal.
— Não tem nada pronto? — ela checa o pequeno fogão e as panelas vazias em cima dele. — Quer ir comer lá no nosso trailer?
— Não. Estou de boa. Daqui a pouco vou tomar um banho e dormir. Estou cansada.
— Teve aula hoje?
— De manhã na faculdade e agora a noite no Brooklyn.
Felippa tinha muito orgulho da sua melhor amiga. Apesar de ser um ano mais nova que Evie, ela sempre foi a sua fortaleza. Era até ela que Evie ia, quando precisava chorar por causa de alguma briga com sua genitora.
— Aliás... preciso separar o dinheiro para levar amanhã. Ou não participo do recital.
Evangeline se levanta e vai para o seu quarto. Felippa a segue e se senta na cama pequena e bagunçada que havia ali.
— Sabe quantos convites vai receber?
— Não. — Evie responde, tirando uma caixa de dentro de uma gaveta. — Mesmo que seja apenas um, é seu.
Felippa começa a tagarelar sobre a roupa que usaria, para ir ver sua melhor amiga tocar. Evie abre a caixa que tinha um pequeno cadeado e sente seu coração falhar.
Naquela caixa, Evangeline guardava toda e qualquer economia que tinha. Cada vez que recebia seu pagamento semanal, ela colocava dentro daquela caixa, para esconder de sua mãe mão leve. Mas pelo visto, ter colocado o cadeado não foi o suficiente.
— Evie? — Felippa chama. — O que foi?
— Eu vou matar a Leah!
Em um surto, Evie grita e faz com que a pequena caixa de madeira, atinja a parede do trailer. As poucas moedas que ainda havia ali, se espalham pelo chão do quarto. Felippa pula da cama e se apressa em abraçar a amiga, que desabou. Ela chorava e gritava ao mesmo tempo.
Todo o valor que estava na caixa, era destinado ao pagamento do recital e a roupa que ela iria usar no dia. Evangeline tinha certeza de que alguma espécie de olheiro, estaria por lá e iria se apaixonar pela sua técnica. Então a convidaria para fazer uma turnê pelo mundo, do jeito que ela deseja.
Mas graças a sua genitora e fodida mãe, Leah, aquilo estava arruinado. Assim como ela tinha arruinado o baile de Natal, aparecendo bêbada. Da mesma maneira que arruinou o baile da escola, surgindo como acompanhante de um dos alunos.— Eu a odeio! — Evie grunhi, enquanto Felippa acarinha seu cabelo cacheado. — O que será que fiz, para merecer uma mãe como ela?— Nada, Evie. Você não tem culpa dela ser uma mãe de merda.Fungando, Evangeline se afasta da sua amiga e a encara.— O que eu vou fazer, Felps? Era o meu sonho naquela caixa. Não tem a menor chance, de eu conseguir esse dinheiro a tempo.A garota com os cabelos tingidos de ruivo e que necessitava pintar a raiz, se levanta e começa a andar de um lado para o outro.— Bem, até tem uma coisa, mas você não vai gostar.— O que?— Você lembra do JJ?Evie não precisou fazer esforço algum. Ela falava do garoto negro, esguio e de olhos claros, com quem Felippa teve um ano tórrido de amor. Ninguém sabia seu nome, apenas o chamavam por JJ.
Evangeline sequer pensou duas vezes. Ela se sentou na cama rapidamente e encarou sua mãe. Pela primeira vez em anos, ela sentia que aquela mulher a sua frente, estava sendo sincera.— Como assim?Observando que conseguiu a atenção de Evangeline, Leah empurrou um dos potes para a filha e se levantou para pegar garfos. Só então quando retornou, que começou a falar.— Sabe que trabalho para um pessoal endinheirado. — diz e Evie apenas balança a cabeça, enchendo a boca de comida. — Então, eles dão uma festa amanhã. Uma grande festa. Ouvi alguém dizer mais de duzentos convidados.— Nossa... e cabe essa gente toda lá?— Bem mais do que isso. Enfim. A chefe das empregadas pediu para que conseguíssemos quantas pessoas desse, para ajudar. E já que você precisa de dinheiro para aquela chatice lá...Evangeline sentiu uma imensa vontade de abraçar sua mãe, mas conhecendo-a bem, reprimiu à vontade e continuou comendo o que tinha a sua frente.— Quanto vão pagar? — ela tentou mostrar desinteresse.
Leah havia deixado um papel preso a geladeira, com o endereço e quais conduções Evangeline precisaria pegar. Ela já tinha dado instruções de como queria que a filha arrumasse o cabelo ruivo e cacheado. Evie precisaria amarrá-lo em um coque arrumado e nenhum fio poderia estar fora do lugar.— O que eu falei sobre seu cabelo? — Leah questiona, assim que vê a filha no portão da mansão.— Sabe que meu cabelo não fica no lugar. Ainda mais depois de dois ônibus e o metrô.O segurança manda Leah decidir o que fazer, na parte de dentro. Ela então agarra no braço da filha e a puxa, enquanto a garota admira a imensidão da casa a sua frente.Elas entram pelos fundos, que dava diretamente para a gigantesca cozinha. Diversas pessoas iam e viam, com pressa e esbarrando em outras, que se ocupavam em encher bandejas. Os convidados começariam a chegar a qualquer minuto.— Carol? — Leah chama a mulher mais velha que estava gritando com outra. Carol era a manda chuva daquela cozinha e organizava toda e
Assim que chegou ao topo da escada, Evangeline sentia que o fino elástico que prendia seu cabelo, poderia arrebentar a qualquer momento.Ela caminhou até a famosa porta proibida e não pensou duas vezes, antes de empurrá-las. As duas imensas portas de madeira, se abriram para os lados e fez com que todos os olhos ao redor da mesa, a encarassem.As coisas ocorreram em questão de segundos. Ao ver a quantidade de armas e drogas que tinha em cima da mesa, as mãos de Evangeline vacilaram e a bandeja acabou indo de encontro ao chão. Como se isso já não fosse vergonhoso o suficiente, o elástico do seu cabelo cessou e deixou todo aquele emaranhado de fios, armado.— QUE MERDA VOCÊ FAZ AQUI?Assim que o homem na ponta da mesa grita, todos os outros se levantam e tiraram as armas da cintura, prontos para arrancar Evangeline dali e fazer com que ela nunca mais bisbilhotasse nada.— Eu... eu... — ela não conseguia formular uma frase, de tão nervosa que estava.Evangeline olhou para todos os rostos
— Não. — ela finalmente ocupa o espaço vazio ao lado de Alec, no banco de pedra. — Desculpe. Eu só... desculpe.— Você ainda não me disse o seu nome.— Evangeline. Evie.Ele não fala, mas acha que aquele nome combina perfeitamente com Evie. O cabelo ruivo volumoso, a pele branca e os olhos levemente esverdeados, deixava aquela menina incrivelmente linda, aos olhos de Alec.— Por que veio trabalhar aqui? — ele continua com seu interrogatório. Havia tanto que Alec queria saber. — Você parece ser muito mais do que uma simples empregada.— Não sou tudo isso também. Eu só precisava do dinheiro. Preciso, na verdade.Evie olha na direção da mansão, onde a festa continuava sem nenhum empecilho. Ela então pensa em sua mãe, no motivo que a fez estar ali naquela noite e novamente sente vontade de chorar.— Eu odeio a minha mãe. — Evie sussurra, com os olhos queimando.— Olha, nós temos algo em comum. Mas primeiro você. O que aconteceu?Ela olha para Alec e o inspeciona. Além da beleza impecável;
O dia de Evangeline foi corrido. De manhã ela foi quase se arrastando para a faculdade e assistiu algumas aulas. A tarde quando foi ocupar o seu turno no pequeno mercado em que trabalhava, descobriu que o dono não gostou da troca de funcionários que teve no dia anterior e acabou por demiti-la. Ela saiu do estabelecimento triste, mas com um cheque de duzentos dólares.Decidida a não deixar aquilo abalá-la, Evie resolveu ir comprar a roupa que usaria no recital. Ela caminhou a tarde toda e entrou em diversas lojas, sem encontrar nada ela pudesse dizer ser A ROUPA. Até que quando estava quase desistindo, ela optou pelo clássico. Um vestido midi preto, com mangas curtas.Ela foi para casa e pediu para que sua melhor amiga, guardasse aquela roupa em seu trailer. Apesar de sua mãe ainda não ter aparecido, Evie continuava não confiando nela. Ela pegou sua case com o violino e foi para sua aula da noite.Evangeline não havia percebido, mas Howard, o motorista dos Castello, estava a seguindo d
Os dez alunos já estavam em suas cadeiras e seguravam seus violinos, quando as cortinas se abriram. Evangeline não precisou de nenhum esforço para encontrar Alec. Ele tinha ocupado a cadeira ao lado de Felippa, que o encarava como se fosse uma maníaca.Jude adentra o palco e todos se levantam para aplaudi-lo. Ele faz uma reverencia e logo estão sentados novamente.A primeira música escolhida, era um clássico. Eine kleine Nachtmusik (Pequena Serenata Noturna), de Mozart. Foram quase dezenove minutos daquela música, que fez algumas pessoas chorarem e outras dormirem de puro tédio. Ao fim daquela música, era hora das apresentações solos. Um por um iniciava uma música de sua escolha.Antes das cortinas serem abertas, Jude e Marylin tiveram uma conversa ao pé do ouvido e a ordem das apresentações individuais foi alterada. Evangeline que seria a terceira, era a última. Ela e seus outros colegas, não entenderam o porquê dessa decisão, mas aceitaram.Quando finalmente chega a vez dela, Evie c
Felippa devorava um hamburguer imenso e ketchup escorria pelos seus dedos. Ela era comicamente observada por Evangeline e Alec, que ocupavam uma outra mesa.— Ela é divertida. — Alec murmura, virando-se para Evangeline.— É. Felippa é a melhor coisa que tem na minha vida.— E pela forma que ela ficou me encarando durante todo o recital, você falou sobre mim.As bochechas de Evangeline queimaram com aquela frase. Talvez ela tenha usado a palavra lindo, diversas vezes, enquanto contava sobre seu encontro com Alec.— Falei. — ela confessa, mordendo uma batata. — Não é todo dia que eu chego em casa com quinhentos dólares na mão.— Você não contou para ela sobre aquela sala. Contou?— Não. Não. Eu prometi que não contaria e não fiz.— Obrigado. — Alec sorri e pega o copo de plástico, repleto de refrigerante. — Hmm... eu não quero parecer esnobe, mas eu não tomava refrigerante desde a minha infância.— Eu imagino. Também imagino que esse deveria ser o último lugar em que você pensou em colo