Ao descambar-se vindo das bandas de Abadia dos Dourados, uma pequena cidade do Triângulo Mineiro às margens do Rio Dourados, afastando-se alguns quilômetros da bela cidade de Monte Carmelo, estendia-se ali um pouco a direita aquele antigo estradão de terra que se dava rumo a Dourado Quara.
Cortava várias fazendas e campos áridos típicos daquelas regiões, transitando ora indo ora vindo, veículos, pedestres, cavaleiros e carros de boi. Passando pela região da Matinha assediada por várias fazendas de criação de gado bovino e plantações de grãos, estendia-se cruzando as férteis terras retratando as belas e exuberantes paisagens.
Às suas margens, tanto a direita como a esquerda, ostentavam-se pequenas reservas de matas divisando-se com as belas pastagens cobertas de rezes, ora pastando, ou ruminando. Nas regiões mais baixas corria serenamente as límpidas águas de vários córregos e ribeirões, debaixo de pequenas pontes de madeira.
Avançava-se até o velho Sobrado. Na margem esquerda existia um velhomonumento de madeira inacabado e abandonado pelo tempo. Fora sem dúvida um projeto que não deu certo e acabou em total abandono, ficando apenas as marquises jogadasao vento.
Houve quem afirmasse que o lugar era mal-assombrado e jurava ter visto algo sobrenatural subindo e descendo as escadas do velho duplex.No entanto, não passava de superstição ou lenda na cabeça de algumas pessoas pouco esclarecidas e não conscientizadas com relação ao sobrenatural. Talvez fosse até dedução de alguém que por certo havia ouvido o canto de um pássaro ou até mesmo o barulho de algum animal passando por ali.
Na verdade, o lugar era esmo e solitário, envolto por várias mangueiras centenárias com galhos encurvados pelo peso excessivo dos frutos, tornando aquele lugar um pouco assustador. Havia na verdade, alguns porcos e ouriços transitando debaixo delas comendo os frutos maduros caídos no chão.
Cerca de aproximadamente um quilômetro dali, ficava logo abaixo, a sede da velha fazenda do Senhor José Ramos, um dos mais influentes e antigos fazendeiros daquelas imediações.
Era talvez a mais antiga propriedade naquelas bandas, e, também uma das maiores em criação de gado e plantações de grãos, abrangendo parte das melhores terras da região.
Tinha ele também uma grande influência política nas regiões circunvizinhas da pequena cidade de Abadia dos Dourados. Não exercia nenhum cargo político, mas, defendia com unhas e dentes a sigla do PSD, um dos dois únicos partidos políticos daquela época.
Logo mais à frente, dando sequência em seu percurso, descambava-se por uma chapada de campos limpos e arenosos com baixos relevos. Era coberta com uma camada fina de rocha pigmentada semelhante a uma pedra de giz, contendo várias cores. Era usada como tinta para pintar as paredes das casas das fazendas. Também, uma camada espessa de areia fina era utilizada para fazer o reboco nas paredes adicionadas com estrumes de gado e cal hidratados.
Estendia-se de suas margens o vasto campo todo coberto de frutos silvestresjatobá do campo, mama cadela, marmelada, mangaba, bacupari, gabiroba, cajuzinho do campo e muitos ou-
tros frutos nativos da região.Logo que chegava o período de estiagem, por volta de agosto a setembro, ocasião em que o calor aumentava e o sol era mais quente, o capim secava e logo apareciam alguns focos de queimadas.
Assim que as gramíneas apresentavam seus brotos verdes, o gado se espalhava pelos campos para comê-los. Só aparecia nasede da fazenda a procura de água e sal nas cocheiras.
Nessas imediações, do lado direito do velho estradão, entrava-se em nossas terras. Abria-se ali uma estrada um pouco estreita que se estendia até a sede da nossa fazenda, numa distância de aproximadamente três quilômetros. Nela transitava apenas carros de boi, cavaleiros, pedestres e raramente veículos. Era a parte mais alta e vinha abaixando gradativamente até a fazenda.
A Escolinha
Quase as margens do estradão fora construída uma escolinha toda feita de madeira verde e coberta com folhas de babaçu exclusivamente pelo meu pai.
A fundação dessa escola se deu a pedido do Doutor Calil Porto, o primeiro e atual Prefeito de Abadia dos Dourados naquela época. Em 1947, houve o desmembramento de Coromandel e a emancipação como município. Portanto o primeiro prefeito de Abadia dos Dourados, após tal desmembramento, foi o médico Doutor Calil Porto, sendo que há na praça principal um busto em homenagem a ele.Esse busto foi construído e inaugurado em 2004, pelo então prefeito Isvaldino Assunção.
Assim que tomou posse da Prefeitura da cidade, o então governador do Estado de Minas Gerais repassou a ele em moeda corrente, a quantia de C$ 1.800 (mil e oitocentos contos de réis).
A verba seria destinada a construção de 30 grupos escolares de nível primário, no valor de C$ 60.000 (sessenta mil reais)cada um em determinados municípios de Abadia dos Dourados. Esse projeto nem sequer saiu do papel e nenhum grupo escolar fora construído naquela redondeza.
Sem assistência da parte da Prefeitura, a simples escolinha que tinha como professor meu tio Antônio Paixão, irmão de ma-
mãe. Funcionou apenas por um período de sete meses e depois fora destruída pelas queimadas e pelo tempo.
Semelhante a esta, fora construída também mais duas nas fazendas vizinhas, que tivera por infelicidade a mesma sorte que a construída em nossa fazenda. Tivera, no entanto, a mesma decadência e a falta de assistência por parte da Prefeitura da cidade.
Por causa do tamanho descaso, o abandono tomou conta delas e o tempo incumbiu-se de levar a cabo o que fora feito com tanto esforço e sacrifício pelos proprietários das fazendas.
Com isso, o futuro das crianças e adolescentes da redondeza ficou comprometido com a falta dessas escolas. Alguns, porém, tiveram a sorte de estudarem fora.
Outros, porém, não tiveram a mesma sorte se entregando ao trabalho rural, adquirindo para si um futuro semelhante ao que tiveram seus pais.
Algumas fazendas – no caso a nossa, tiveram a iniciativade contratar professores particulares para o ensino de seus filhos. Isso, também, por pouco tempo, pois, não havia nenhum vínculo com o Ministério da educação que pudesse garantir a legitimidade do ensino formal.
Por esse motivo, pela expansão do lugar, ou talvez por força maior por parte das autoridades governamentais da época, a nossa região não contava de maneira alguma com a possibilidade de ser instalada ali uma nova escola.Ficou, portanto, descartada essa ideia, e, só conseguia prosseguir nos estudos quem saísse de lá em busca de um futuro melhor.
Á meio percurso até a fazenda ficava o pequeno morro que era conhecido como Serrote, aonde fora edificada ali uma Cruz em devoção a São Jose. Cruzeiro de São Jose – Assim era chamado. A fundação e o início da devoção á São José, foi baseada em fatos verídicos de que algo estranho andava acontecendo naquele lugar. Diziam meus pais, que, há tempos era comum as pessoas verem de longe, entidades misteriosas vestidas de branco sobre as pedras ao lado da cruz, posteriormente ali colocada. Presumia-se que aqueles vultos brancos em forma de anjos, seria um aviso para que uma devoção fosse edificada ali.O motivo de ser consagrada a São Jose se deu pelo fato de que as aparições mais constantes ocorrerem sempre no mês de março.Contavam meus pais que no dia 19 de março, o dia de São Jo
Como fora citado antes, falou-se apenas de seus arredores e sua localização. A Escolinha, o Cruzeiro de São José, no Morro do Serrote e a estrada que liga a sede da propriedade.Falar-se a agora da tradição e do costume desta tão aconchegante e encantadora fazenda.Apesar de ter o tempo transformado tudo isso em eternas lembranças que acompanha-me até hoje, guardo como se fosse uma brasa viva a queimar-me por dentro.Tantas surpresasficaram para trás. Lembro-as como se fosse hoje. Fatos e acontecimentos marcaram presença e o tempo não as afastaramde mim.Recordações de tudo que vivi. Apesar da minha pouca idade até participei de algumas que serão descritas mais adiante.Com a certeza de que nada fugisse-me da mente, escrevo-as com o maior entusiasmo e precisão, buscando encontrar a forma perfeita para uma boa leitura com riquezas d
A cinco metros da bica d’água, fora construído o tão famoso engenho de cana-de-açúcar feito exclusivamente de madeira de Jatobá Vermelho, balsamo e garapa amarela. A moagem de cana, bem como a fabricação de rapaduras e açúcar mascavo, além do apetitoso melaço de cana e doces de diversos sabores se dava no início no mês de junho.Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores. Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores.O processo ideal da moagem e a apuração da garapa para que o melado chegasse ao ponto de ir para a fôrma, era de tamanha importância. Isto, porém, influenciava bastante na qualidade e na concentração do produto.
Falando em Festas, lembro-me bem de quando eu tinha por volta de cinco anos de idade, de uma Festa de Reis que houve em nossa Fazenda. Era segundo meus pais, uma promessa que fizera há algum tempo e era aquele o momento certo para a realização e celebração da Festa.Era de manhã quando na frente da casa da fazenda começava a ser construída provisoriamente uma tolda coberta com folhas de babaçu, amarradas com embiras de casca de jatobá para servir o jantar para os foliões que chegariam logo mais ao entardecer.Fora colocado também ali, bancos de tabuas para que as pessoas pudessem sentar e algumas mesas improvisadas para colocar as comidas para os inúmeros convidados.Ao lado, perto da cozinha, havia um grande rancho de palhas onde morava minha avó paterna. Ali era feito as comidas e trazidas para as coberturas feitas para esse fim. Além da cobertura na frente
Zé Catucá era um cidadão meio extrovertido, nervoso e cheio de artimanha. Sofria de uma gagueira crônica e tinha muita dificuldade no falar. Às vezes, ficava um tanto chateado quando certas pessoas zombavam dele. Era filho do lugar e vinha de uma família humilde e simples.Vivia sempre de casa em casa, trabalhando como boia fria nas fazendas que o acolhia por várias semanas ou até meses. Aparentava uns 45 anos de idade. Não sabia ler nem escrever.Tinha o hábito de reclamar de tudo que o aborrecia, principalmente nas horas das refeições questionando algum atraso do horário costumeiro. Também no serviço, era turrão e vagaroso. Seu desempenho era defasado com relação ao rendimento nas tarefas que lhes eram proporcionadas a fazer.Catucá não ingeria bebida alcoólica, mas era fumante assíduo. Não dispensava u
Histórias como estas de Zé Catucá e outros mais, são abundantes no cenário mineiro como será narrada a vida de Joaquim Furtadinho Era ele um homem de pequena estatura, cor de canela, cabelos negros e lisos. Olhos grandes, nariz achatado e bem dividido entre os olhos e a testa. Traziam traços indígenas.Seus lábios grossos demonstravam fortes aparências com os bugres – uma raça indígena dispersa na nossa região. Viviam isolados e solitários.De vez em quando meu pai defrontava com algum que habitava as matas da nossa fazenda. Eram pacíficos e tímidos.Sua característica era de um cidadão bastante rústico e antiquado, apesar de ser um tanto alegre, humilde e educado. Não costumava tomar banho. Suas roupas eram semelhantes a uma lona de caminhão. O mau odor tomava conta do ambiente no qual se encontrava Joaqui
Lembro-me bem de quando numa tarde ensolarada de céu límpido e muito calor, meu irmão e eu brincávamos no gramado na frente da casa da fazenda.Os últimos raios do sol já se encobriam atrás do horizonte anunciando o anoitecer. O gado reunia-se no curral para lamber o sal depositado nos cochos como era de costume.Os passarinhos fazendo revoada para acomodarem-se nos galhos aonde costumavam dormir. Abriam o peito num gorjeio constante aproveitando as últimas horas do dia para depois silenciarem-se. A brisa fresca soprava tentando afastar o calor deixado pelo sol, ensaiando um tom de frescor para a tranquilidade da noite.A alegria que sentíamos em nossas brincadeiras era tanto que nem percebemos quando aquele estranho apareceu no portão do pátio na entrada da casa.Sem pronunciar uma palavra sequer, começou a calafetar as amarras de arame que prendia o rústico portão
Certo dia, depois de ter ouvido falar que seu Alcebíades, um fazendeiro daquela região, o qual Pedro Malas Arte passava grande parte do tempo em sua casa, ficou um tanto chateado ao saber que o mesmo havia falado que ele era um João Ninguém, ou seja, um Pedro Ninguém, um preguiçoso e não valia o que comia.Decidiu então tomar satisfação com seu Alcebíades que já andava meio preocupado, pois não imaginava o que Pedro Malas Arte era capaz de fazer para se vingar. Dito e feito; Pedro chegou à sua casa e falou com certa ironia;—Seu Alcebíades.—Não gostei nada do que o senhor andou falando por aí a meu respeito. O sinhô fique sabendo que eu sô é muito macho, uai. Logo o senhor, meu melhor amigo ficar falando essas coisas me deixando aperreado dessa maneira homem!—Calma Pedro! Não pensei que fosse