A cinco metros da bica d’água, fora construído o tão famoso engenho de cana-de-açúcar feito exclusivamente de madeira de Jatobá Vermelho, balsamo e garapa amarela. A moagem de cana, bem como a fabricação de rapaduras e açúcar mascavo, além do apetitoso melaço de cana e doces de diversos sabores se dava no início no mês de junho.
Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores. Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores.
O processo ideal da moagem e a apuração da garapa para que o melado chegasse ao ponto de ir para a fôrma, era de tamanha importância. Isto, porém, influenciava bastante na qualidade e na concentração do produto.
Assim que chegava a Estação do Inverno, em meado de junho, o frio era mais intenso.
Tínhamos que levantar bem cedo – ainda com o escuro da madrugada para dar início a moagem da cana. Nem mesmo o frio estacionado naquela várzea na mata ciliar às margens do córrego no fundo do engenho, fazia a gente desistir.
O velho engenho era feito de madeira nobre da nossa fazenda. Era muito resistente e barulhento. Dava para ouvir cerca de uns três quilômetros.
Era movido com duas juntas de bois, por isso, o desempenho era lento, mas, sempre constante, só parava quando terminava a extração da garapa. Na medida em que o caldo ia descendo por entre as moendas era direcionado para um tanque de madeira. Logo em seguida para as taxas para fervura e apuração da rapadura.
O processo diário da moagem, desde o início da extração da garapa até a embalagem do produto, terminava entre o período das quinze às dezesseis horas. O resto do dia ficava para a
cortar e o transporte da cana para ser moída no dia seguinte. No outro dia começava tudo outra vez. A mesma manhã gelada, o mesmo trabalho duro até que tudo terminasse para o descanso da noite.A moagem durava todo o mês de junho, e às vezes alguns dias do mês de julho. Uma vez terminada a safra, o velho engenho entrava em recesso até a próxima safra
Mesmo assim, no percurso do mês de setembro para outubro, acontecia, às vezes, a moagem de uma pequena leva de cana para a fabricação de doces de vários sabores para o consumo interno. Isto acontecia porque a cana, apesar de sua fluorescência, ainda continha caldo suficiente para que se pudesse ocupar com esse tipo de moagem fora de época, porém com menor rendimento.
Ribeirão Córrego Grande
Como já foi falado em alguns trechos da história, o Ribeirão Córrego Grande fazia divisa com a fazenda da minha Avó e a nossa. Era responsável pelo escoamento dos mananciais que brotavam tanto das nossas terras como das outras nascentes que desciam das encostas dos morros mais elevados, formando seus afluentes, tanto na margem direita como na esquerda.
Sua nascente ficava há vários quilômetros da fazenda, mas, não se sabe ao certo a distância. Tinha um grande volume de água, e era rico em peixes de diversas espécies como: Bagre, pirapitinga ximburé, e muitas outras.
Tornara-se palco para as lavadeiras que usufruíam da pureza de suas águas límpidas ecristalina lavando a quarando suas roupas costumeiras, além do prazer de passarem grande parte do dia naquele ambiente aconchegante e agradável.
Formavam em todo seu curso, grandes piscinas naturais onde às pessoas costumavam dar um mergulho, como era costume dizer.Bem no lugar onde o Corguinho que passava no fundo do velho engenho desaguava, era onde todos os dias tomávamos nosso banho diário.
Chamava-se Barrinha, o lugar mais aconchegante e agradável para soltar ali nossa adrenalina. Reunia-se ali para o nosso banho costumeiro, meus irmãos, eu, meus primos e os demais colegas.A partir dali o grande estuário descambava-se em direção ao famoso Paranaíba, jorrando ali suas águas e terminando sua tão longa jornada.
Protegido por matas ciliares, cheio de curvas e correntezas fortes em alguns pontos, descia o velho Ribeirão banhando centenas de propriedades rurais, até depositar suas volumosas águas no Rio Paranaíba.
Do outro lado, na margem direita do ribeirão ficava a sede da fazenda de meus avós. Era uma casa enorme com porões e assoalho em madeira de lei, em estilo colonial.
As portas e as janelas eram todas de balsamo e aroeira. O assoalho era todo de peroba rosa, feito por um carpinteiro bastante conceituado. Na porta que se dava para o quintal, havia uma escada de madeira nobre com sete degraus.
Dentro da casa um Tear de madeira, com o qual minha avó costumava fazer seus tecidos para fazer roupas como também cobertas para agasalhar do frio.
Havia também nas dependências do casarão, além dos quartos de dormir, uma sala de visita, uma grande cozinha e no meio um enorme salão de festa onde era de costume, concentrar-se ali nos fins de semana, um grande número de convidados.
Estes vinham das regiões próximas da velha fazenda. Jámais faltavam a um desses eventos costumeiros.
Um enorme pomar com grande variedade de árvores frutífera, atraindo pássaros de diversas espécies, que construíam ali seus ninhos sobre seus galhos aconchegantes.
De fato, uma grande diversidade de pássaros fazia dali seu habitat natural pela grande variedade de frutas que ali se encontravam. Na frente, um enorme curral repleto de vacas leiteiras onde era feito a ordenha todos os dias de manhã.
Havia também ali bem junto a cerca do curral, um velho Bouganvílle, também conhecida como primavera, ceboleiro, três-marias e flor de papel, entre outros nomes. Por causa da sua fluoração permanente, é designada A Árvore do Mês. Para nós, a árvore era chamada: Flor de sempre lustrosa talvez por causa do brilho que as flores refletiam com a luz do sol.
A árvore vivia sempre florida e era usada como poleiro para as tradicionais aves que havia em abundância no pomar e nos arredores da casa. Na parte do lado de fora do curral, ostentava um lindo gramado com gramíneas naturais, típicas do lugar onde os animais costumavam pastar.
Depois do gramado, logo à frente, um terreno pedregoso de arbustos rasteiros. Era o local onde as galinhas d’angola faziam seus ninhos e procriavam.
Eram centenas de aves cantarolando o dia todo e durante a madrugada. Concentravam-se ali mais de duzentas aves de um modo geral.Parecia, às vezes, um lugar selvagem como nos filmes americanos, retratando a beleza e a fertilidade da vida silvestre.
Na entrada bem junta a estrada que atravessava o Ribeirão, vindo da nossa Fazenda, havia um grande canteiro de ananás repleto de aves e insetos atraídos pelo agradável odor dos frutos amadurecidos.
Os ananás duravam o ano todo formando um tapete dourado pela cor dos frutos maduros. Por causa da grande
fartura que havia na fazenda, quase ninguém se importava com a presença dos apetitosos frutos na mesa.
Era, porém, uma mesa perfeita para insetos e pássaros diariamente. Também, era bastante comum encontrar ás margens dos córregos e nas invernadas, diversas árvores frutíferas, como Goiabeiras e outras. Realizava-se ali, todos os meses, rezas e diversos festejos religiosos.
Era bastante comum, a gente ver nos sábados à tarde e no
domingo pela manhã, um grande número de cavaleiros vindo das bandas do estradão.Estes, no entanto, eram moradores do Córrego do Ouro, Campestre, e das regiões circunvizinhas.
Vinham montados em seus cavalos com pomposas arreatas ornadas com argolas douradas e pelegos coloridos de lã de carneiro. As mulheres, por sua vez, usavam o popular cião, de maneira que, em vez de montadas, sentavam-se de lado como é até hoje usado em camelos.
Desciam pelo Serrote onde ficava o Cruzeiro de são José, num tropel acelerado e sincronizado pelo pisado dos animais.
Margeando o esbarrancado passavam em frente a nossa casa, atravessava o Ribeirão e chegava à casa de minha avó para as tradicionais comemorações.
Serviam-se grandiosos banquetes aos convidados que eram muito bem recebidos por meus avós. Dentre estes, podem afirmar que eram bastante comuns às festas de Reis e do Divino, num clima muito divertido e alegre. Foi sempre assim, e não podia ser diferente.
Depois de alguns anos, minha avó ficou muito doente e logo em breve veio a faleceu. As festanças passaram a não acontecer mais como antes e tudo parecia silencioso e monótono.
O convívio com as pessoas ficou um pouco abalado e mais distante ao ponto de não acontecer mais as festividades. A reza do rosário sim acontecia constantemente.
Falando em Festas, lembro-me bem de quando eu tinha por volta de cinco anos de idade, de uma Festa de Reis que houve em nossa Fazenda. Era segundo meus pais, uma promessa que fizera há algum tempo e era aquele o momento certo para a realização e celebração da Festa.Era de manhã quando na frente da casa da fazenda começava a ser construída provisoriamente uma tolda coberta com folhas de babaçu, amarradas com embiras de casca de jatobá para servir o jantar para os foliões que chegariam logo mais ao entardecer.Fora colocado também ali, bancos de tabuas para que as pessoas pudessem sentar e algumas mesas improvisadas para colocar as comidas para os inúmeros convidados.Ao lado, perto da cozinha, havia um grande rancho de palhas onde morava minha avó paterna. Ali era feito as comidas e trazidas para as coberturas feitas para esse fim. Além da cobertura na frente
Zé Catucá era um cidadão meio extrovertido, nervoso e cheio de artimanha. Sofria de uma gagueira crônica e tinha muita dificuldade no falar. Às vezes, ficava um tanto chateado quando certas pessoas zombavam dele. Era filho do lugar e vinha de uma família humilde e simples.Vivia sempre de casa em casa, trabalhando como boia fria nas fazendas que o acolhia por várias semanas ou até meses. Aparentava uns 45 anos de idade. Não sabia ler nem escrever.Tinha o hábito de reclamar de tudo que o aborrecia, principalmente nas horas das refeições questionando algum atraso do horário costumeiro. Também no serviço, era turrão e vagaroso. Seu desempenho era defasado com relação ao rendimento nas tarefas que lhes eram proporcionadas a fazer.Catucá não ingeria bebida alcoólica, mas era fumante assíduo. Não dispensava u
Histórias como estas de Zé Catucá e outros mais, são abundantes no cenário mineiro como será narrada a vida de Joaquim Furtadinho Era ele um homem de pequena estatura, cor de canela, cabelos negros e lisos. Olhos grandes, nariz achatado e bem dividido entre os olhos e a testa. Traziam traços indígenas.Seus lábios grossos demonstravam fortes aparências com os bugres – uma raça indígena dispersa na nossa região. Viviam isolados e solitários.De vez em quando meu pai defrontava com algum que habitava as matas da nossa fazenda. Eram pacíficos e tímidos.Sua característica era de um cidadão bastante rústico e antiquado, apesar de ser um tanto alegre, humilde e educado. Não costumava tomar banho. Suas roupas eram semelhantes a uma lona de caminhão. O mau odor tomava conta do ambiente no qual se encontrava Joaqui
Lembro-me bem de quando numa tarde ensolarada de céu límpido e muito calor, meu irmão e eu brincávamos no gramado na frente da casa da fazenda.Os últimos raios do sol já se encobriam atrás do horizonte anunciando o anoitecer. O gado reunia-se no curral para lamber o sal depositado nos cochos como era de costume.Os passarinhos fazendo revoada para acomodarem-se nos galhos aonde costumavam dormir. Abriam o peito num gorjeio constante aproveitando as últimas horas do dia para depois silenciarem-se. A brisa fresca soprava tentando afastar o calor deixado pelo sol, ensaiando um tom de frescor para a tranquilidade da noite.A alegria que sentíamos em nossas brincadeiras era tanto que nem percebemos quando aquele estranho apareceu no portão do pátio na entrada da casa.Sem pronunciar uma palavra sequer, começou a calafetar as amarras de arame que prendia o rústico portão
Certo dia, depois de ter ouvido falar que seu Alcebíades, um fazendeiro daquela região, o qual Pedro Malas Arte passava grande parte do tempo em sua casa, ficou um tanto chateado ao saber que o mesmo havia falado que ele era um João Ninguém, ou seja, um Pedro Ninguém, um preguiçoso e não valia o que comia.Decidiu então tomar satisfação com seu Alcebíades que já andava meio preocupado, pois não imaginava o que Pedro Malas Arte era capaz de fazer para se vingar. Dito e feito; Pedro chegou à sua casa e falou com certa ironia;—Seu Alcebíades.—Não gostei nada do que o senhor andou falando por aí a meu respeito. O sinhô fique sabendo que eu sô é muito macho, uai. Logo o senhor, meu melhor amigo ficar falando essas coisas me deixando aperreado dessa maneira homem!—Calma Pedro! Não pensei que fosse
Passados alguns dias, corria pela redondeza o boato de que uma famigerada onça vermelha – suçuarana, andava apavorando os moradores ali da região.As pessoas não saiam mais de casa à noite, nem deixavam mais as crianças irem a escolinha da fazenda. Diziam que a danada já havia comido várias rezes, porcos, cabritos e até aves nos poleiros das fazendas.Vários caçadores já se preparavam para caçar a maldita fera, mas, até então ninguém havia visto ainda a danada. Nem sequer vestígio dela. Não passava de um simples boato, mas aspessoas não se continham tomadas de medo e pavor. Temiam serem atacados a qualquer momento pela famigerada;Quando o boato chegou à nossa fazenda, ouvi meu pai dizer que isso poderia ser alguma traquinagem de Pedro Malas Arte. Sabia muito bem do que Pedro era capaz de aprontar por detrás das
O tal Malas Arte ficou lá na fazenda por algumas semanase vez por outra, desaparecia durante a noite. Aparecia, às vezes,e vez por outradesaparecia durante a noite. Aparecia às vezesde manhã, às vezes á noite, mas sempre presente na hora das refeições.Na medida em que o tempo passava, o assunto a respeito da onça se alastrava cada vez mais, até que certo dia a mentira veio à tona e a vizinhança exigiu uma explicação da parte de Pedro Malas Arte.Este, por sua vez recusou a se explicar e disse mais: Não me venha com esse negócio de onça. Aonde já se viu isso... eu quero lá saber de onça, eu estou é indo embora daqui e talvez nunca mais vocês vão me ver por estas bandas. Saiu e desapareceu de vez.Desde então, não se falava mais em assunto de onça e as coisas voltaram ao normal ali naque
Com características semelhantes a Zé Catucá e o versátil Pedro Malas Arte, porém um pouco diferente, retrata-se também aqui, a figura de um bom caipira mineiro. Nascido e criado naquelas imediações filho de um fazendeiro bastante influente, dono de uma porção de terras, um bom rebanho de gado leiteiro e também gado de corte.Zé Tomaz era ainda bem jovem aparentando um vinte e poucos anos de idade. Morava com os pais no meio de um grande movimento financeiro. Dotado de uma deficiência no falar e um retardamento no cérebro o deixava transparecer numa figura meio simplório e de certo modo dependente da família.O pai tratava o pobre rapaz com tamanha indiferença e ironia jogando-o no trabalho forçado como se fosse o pior dos empregados. Obediente e bastante esforçado no trabalho fazia tudo que o pai lhe ordenava sem qualquer reclamaç&a