Como fora citado antes, falou-se apenas de seus arredores e sua localização. A Escolinha, o Cruzeiro de São José, no Morro do Serrote e a estrada que liga a sede da propriedade.
Falar-se a agora da tradição e do costume desta tão aconchegante e encantadora fazenda.
Apesar de ter o tempo transformado tudo isso em eternas lembranças que acompanha-me até hoje, guardo como se fosse uma brasa viva a queimar-me por dentro.
Tantas surpresasficaram para trás. Lembro-as como se fosse hoje. Fatos e acontecimentos marcaram presença e o tempo não as afastaramde mim.
Recordações de tudo que vivi. Apesar da minha pouca idade até participei de algumas que serão descritas mais adiante.
Com a certeza de que nada fugisse-me da mente, escrevo-as com o maior entusiasmo e precisão, buscando encontrar a forma perfeita para uma boa leitura com riquezas de detalhes.
Era uma região de terra fértil, bastante produtiva e cultura de primeira, cercada por pequenas serras e campos áridos e pedregosos.
Ali nasci e vivi até a idade de dez anos. Marcas ficaram e até hoje não as esqueci. São fatos que marcaram época, numa ocasião em que as fazendas da região eram as únicas fontes de trabalho, gerando renda para a subsistência e economia da população.
Era uma fazenda grande e produtiva. Gerava mão de obra para muitas famílias, e, ao mesmo tempo, era berço de hospitalidade para muitas pessoas que apareciam por lá e pediam hos-
pedagem por uma noite, alguns dias, semanas ou até meses.
Quem quer que fosse que ali chegasse, era, sem dúvida,bem recebido. Suas portas jamais fechavam sem antes abrigar quem procurasse hospedagem.
Por mais suspeito que fosse o indivíduo, o acolhimento nunca lhe era negado. Sempre havia algo a lhe oferecer tanto para conhecidos como estranhos.
Não havia naquela época, rádio televisão, telefone, luz elétrica nem mesmo algum meio de comunicação como existe hoje. Não tínhamos também, qualquer outro tipo de benefício que pudesse nos favorecer na mão de obra ou até mesmo na industrialização dos produtos que eram produzidos ali.
Tudo era simples e a mão de obra era braçal. O importante é que tudo era feito com muito profissionalismo e perfeição. Nada era por acaso. Tudo na ordem devida.
No fundo da casa grande, tinha um pomar repleto de árvores frutíferas de diversas espécies e um curral onde era feito à ordenha das vacas leiteiras todos os dias. Do leite, era feito queijos e o que sobrava do consumo interno era comercializado nas cidades vizinhas.
Logo abaixo do pomar, ficava o velho engenho de madeira, onde era feito a moagem de cana, na fabricação de rapaduras e açúcar mascavo.
Além desses produtos, fazia-se ainda, melado ou melaço, doces de várias espécies tanto para o consumo interno como para o comércio local.
Afastado um pouco da sede da fazenda, havia uma área cercada toda cheia de plantações. Era dividido em blocos de aproximadamente 200m²duzentos metros quadrados cada um. Em cada bloco, ou quadra, fora plantado uma espécie. Na entrada do cercado ficava o Laranjal, depois o Bananal, o Mandiocal, o Canavial, o Cafezal, a parte reservada para o cultivo de gororoba, o canteiro de Cará do Chão e muitos outros cultivos.
Além dos cavalos de sela para o trajeto costumeiro, havia também o tradicional carro de boi, com o qual era transportada a colheita de cereais das lavouras para o paiol de armazenagem.
Havia também, criação de ovelhas, engorda de suínos e criação de aves domésticas com abundância.
A propriedade era, na verdade, bem grande muito bem cuidada e administrada pelo proprietário — meu saudoso e amável pai.
Contava com uma casa bem grande com muitos cômodos. Não era nada luxuosa, porém, o berço de hospitalidade a quem quer que aparecesse por lá pedindo hospedagem por uma noite ou até mais.
Suas dependências, contava com vários dormitórios, sala de visita, corredores, dispensa para guardar objetos de uso doméstico, tuia para depositar os grãos de arroz para as despesas do ano inteiro, varanda e uma espaçosa cozinha.
Do lado esquerdo, ficava o curral onde era feito a ordenha. Junto ao paiol onde era guardado o milho, e, para engorda dos porcos, um cercado de madeira ligado ao paiol. Na parte que se dava para os fundos, ostentava-se um lindo pomar, coberto de árvores frutíferas e plantações de hortaliças para o consumo interno.
Por toda parte podia-se ver, várias espécies de belas aves domésticas circulando de um lado para outro num afã ininterrupto. Galinhas, patos. Perus, angolas e muitas outras.
Também não passava despercebido a presença de pássaros de diferentes espécies, fazendo seus ninhos nos galhos dos arvoredos por toda parte do pomar, exibindo seus cantos melancólicos.Já no fundo do frutífero pomar, ficava o velho engenho de cana onde acontecia a moagem todos os anos.
Ali juntinho a uma touceira de bambus, corria a bica d’água que era jorrada no monjolo fazendo-o trabalhar dia e noite sem parar, beneficiando os grãos de arroz para o consumo diário.
Este serviço de limpeza dos grãos de arroz também era feito no pilão manualmente pelas pessoas que eram responsáveis pela cozinha da fazenda.Toda a mão de obra era braçal e exigia bastante habilidade no seu desempenho. Mas tudo isso, porém, era normal para quem nasce e vive segundo as tradições e costumes de certa região. No entanto, tudo era normal para a nossa família ali naquele adorável paraíso.
Era suprida por várias nascentes, que brotavam dos montes e espigões, formando correntes cristalinas, fluindo em direção ao Ribeirão Córrego Grande cortando toda a planície, e este, desaguando no Rio Paranaíba - divisa de Minas com Goiás, perto da foz do Rio Preto.
Podia se admirar a quantidade de peixes de várias espécies existentes nestas águas. Além do mais, uma diversão um tanto atraente para todos os moradores daquela redondeza, influenciando bastante na alimentação de quem fazia parte daquele lugar.
O fato de ter uma topografia um pouco ondulada, não interferia na existência dos demais regos d’água que corriam serenamente abastecendo as sedes dos moradores da região.
Apesar da grande quantidade de água existente, não era de forma alguma utilizada para irrigações, uma vez que não era conhecido pelos agricultores da época o método de irrigação artificial. Contudo, havia fartura com abundância em toda a região. As plantações de grãos eram feitas somente no período chuvoso, e havia sempre boa safra no ato da colheita.
Logo no começo do período chuvoso em plena primavera, dava-se início ao plantio de grãos. O milho e o arroz, de setembro a outubro. O feijão, porém, era plantado na primeira quinzena de fevereiro.
No período de março a abril, chegava à colheita do arroz. No início de maio a colheita do feijão e logo a seguir, era colhido o milho. Como foi falado, o mês de junho ficava exclusivamente para a moagem da cana-de-açúcar.
O transporte do produto colhido era feito por intermédio de carro de bois da lavoura até o armazenamento ou tuia. Algumas ficavam um pouco longe e por isso transportedurava, às vezes, quase um dia inteiro.
Lá vinha o velho carro de boi cheio de cereais, cortando a velha estrada de poeira e cascalho deixando as marcas dos cravos no chão. Com passos lentos e compassados vinham os bois puxando o velho carro abarrotado com a pesada carga num caminhar sincronizado estrada afora. O carreiro com a vara na mão conduzia a boiada pela estrada rumo ao seu destino.
Podia-se ouvir de longe, sua cantiga transmitindo oscilantes ondas sonoras, causadas pelo atrito dos cocões e do chumaço sobre o eixo. O carro abarrotado com as sacas cheias de grãos descia e subia os morros tranquilamente até chegar à fazenda.Assim que terminava o percurso e chegava ao seu destino, osgrãos eram depositados nos paióis - tuias ou celeiros para serem guardados durante um ano inteiro ou até mais.
Portanto, era e, com certeza, será eternamente o meio de transporte de grãos nas regiões mais afastadas, ainda desprovidas de estradas adequadas para o trajeto dos veículos motorizados. Portanto, era e, com certeza, será eternamente o meio de transporte de grãos nas regiões mais afastadas, ainda desprovidas de estradas adequadas para o trajeto dos veículos motorizados.
Uma parte era guardada essencialmente para as despesas anuais e a outra era selecionada e reservada em sementes para o próximo plantio. O que sobrava era comercializado.Logo que terminava uma etapa, vinha logo a seguir outra e assim a vida continuava progressivamente.
Durante o período de julho ao início de setembro quando ainda estávamos no período de estiagem, o tempo era utilizado para o reparo de cercas de arame nas divisas, e também novas cercas eram construídas para a divisão das pastagens e de novas plantações. Também, nesse período, dava-se início à preparação das lavouras para o novo plantio que chegava com o começo da temporada chuvosa.
A cinco metros da bica d’água, fora construído o tão famoso engenho de cana-de-açúcar feito exclusivamente de madeira de Jatobá Vermelho, balsamo e garapa amarela. A moagem de cana, bem como a fabricação de rapaduras e açúcar mascavo, além do apetitoso melaço de cana e doces de diversos sabores se dava no início no mês de junho.Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores. Nessa época a cana estava já amadurecida e por isso, o rendimento era bem maior com relação aos meses anteriores.O processo ideal da moagem e a apuração da garapa para que o melado chegasse ao ponto de ir para a fôrma, era de tamanha importância. Isto, porém, influenciava bastante na qualidade e na concentração do produto.
Falando em Festas, lembro-me bem de quando eu tinha por volta de cinco anos de idade, de uma Festa de Reis que houve em nossa Fazenda. Era segundo meus pais, uma promessa que fizera há algum tempo e era aquele o momento certo para a realização e celebração da Festa.Era de manhã quando na frente da casa da fazenda começava a ser construída provisoriamente uma tolda coberta com folhas de babaçu, amarradas com embiras de casca de jatobá para servir o jantar para os foliões que chegariam logo mais ao entardecer.Fora colocado também ali, bancos de tabuas para que as pessoas pudessem sentar e algumas mesas improvisadas para colocar as comidas para os inúmeros convidados.Ao lado, perto da cozinha, havia um grande rancho de palhas onde morava minha avó paterna. Ali era feito as comidas e trazidas para as coberturas feitas para esse fim. Além da cobertura na frente
Zé Catucá era um cidadão meio extrovertido, nervoso e cheio de artimanha. Sofria de uma gagueira crônica e tinha muita dificuldade no falar. Às vezes, ficava um tanto chateado quando certas pessoas zombavam dele. Era filho do lugar e vinha de uma família humilde e simples.Vivia sempre de casa em casa, trabalhando como boia fria nas fazendas que o acolhia por várias semanas ou até meses. Aparentava uns 45 anos de idade. Não sabia ler nem escrever.Tinha o hábito de reclamar de tudo que o aborrecia, principalmente nas horas das refeições questionando algum atraso do horário costumeiro. Também no serviço, era turrão e vagaroso. Seu desempenho era defasado com relação ao rendimento nas tarefas que lhes eram proporcionadas a fazer.Catucá não ingeria bebida alcoólica, mas era fumante assíduo. Não dispensava u
Histórias como estas de Zé Catucá e outros mais, são abundantes no cenário mineiro como será narrada a vida de Joaquim Furtadinho Era ele um homem de pequena estatura, cor de canela, cabelos negros e lisos. Olhos grandes, nariz achatado e bem dividido entre os olhos e a testa. Traziam traços indígenas.Seus lábios grossos demonstravam fortes aparências com os bugres – uma raça indígena dispersa na nossa região. Viviam isolados e solitários.De vez em quando meu pai defrontava com algum que habitava as matas da nossa fazenda. Eram pacíficos e tímidos.Sua característica era de um cidadão bastante rústico e antiquado, apesar de ser um tanto alegre, humilde e educado. Não costumava tomar banho. Suas roupas eram semelhantes a uma lona de caminhão. O mau odor tomava conta do ambiente no qual se encontrava Joaqui
Lembro-me bem de quando numa tarde ensolarada de céu límpido e muito calor, meu irmão e eu brincávamos no gramado na frente da casa da fazenda.Os últimos raios do sol já se encobriam atrás do horizonte anunciando o anoitecer. O gado reunia-se no curral para lamber o sal depositado nos cochos como era de costume.Os passarinhos fazendo revoada para acomodarem-se nos galhos aonde costumavam dormir. Abriam o peito num gorjeio constante aproveitando as últimas horas do dia para depois silenciarem-se. A brisa fresca soprava tentando afastar o calor deixado pelo sol, ensaiando um tom de frescor para a tranquilidade da noite.A alegria que sentíamos em nossas brincadeiras era tanto que nem percebemos quando aquele estranho apareceu no portão do pátio na entrada da casa.Sem pronunciar uma palavra sequer, começou a calafetar as amarras de arame que prendia o rústico portão
Certo dia, depois de ter ouvido falar que seu Alcebíades, um fazendeiro daquela região, o qual Pedro Malas Arte passava grande parte do tempo em sua casa, ficou um tanto chateado ao saber que o mesmo havia falado que ele era um João Ninguém, ou seja, um Pedro Ninguém, um preguiçoso e não valia o que comia.Decidiu então tomar satisfação com seu Alcebíades que já andava meio preocupado, pois não imaginava o que Pedro Malas Arte era capaz de fazer para se vingar. Dito e feito; Pedro chegou à sua casa e falou com certa ironia;—Seu Alcebíades.—Não gostei nada do que o senhor andou falando por aí a meu respeito. O sinhô fique sabendo que eu sô é muito macho, uai. Logo o senhor, meu melhor amigo ficar falando essas coisas me deixando aperreado dessa maneira homem!—Calma Pedro! Não pensei que fosse
Passados alguns dias, corria pela redondeza o boato de que uma famigerada onça vermelha – suçuarana, andava apavorando os moradores ali da região.As pessoas não saiam mais de casa à noite, nem deixavam mais as crianças irem a escolinha da fazenda. Diziam que a danada já havia comido várias rezes, porcos, cabritos e até aves nos poleiros das fazendas.Vários caçadores já se preparavam para caçar a maldita fera, mas, até então ninguém havia visto ainda a danada. Nem sequer vestígio dela. Não passava de um simples boato, mas aspessoas não se continham tomadas de medo e pavor. Temiam serem atacados a qualquer momento pela famigerada;Quando o boato chegou à nossa fazenda, ouvi meu pai dizer que isso poderia ser alguma traquinagem de Pedro Malas Arte. Sabia muito bem do que Pedro era capaz de aprontar por detrás das
O tal Malas Arte ficou lá na fazenda por algumas semanase vez por outra, desaparecia durante a noite. Aparecia, às vezes,e vez por outradesaparecia durante a noite. Aparecia às vezesde manhã, às vezes á noite, mas sempre presente na hora das refeições.Na medida em que o tempo passava, o assunto a respeito da onça se alastrava cada vez mais, até que certo dia a mentira veio à tona e a vizinhança exigiu uma explicação da parte de Pedro Malas Arte.Este, por sua vez recusou a se explicar e disse mais: Não me venha com esse negócio de onça. Aonde já se viu isso... eu quero lá saber de onça, eu estou é indo embora daqui e talvez nunca mais vocês vão me ver por estas bandas. Saiu e desapareceu de vez.Desde então, não se falava mais em assunto de onça e as coisas voltaram ao normal ali naque