As ruas principais de Ghonargon estavam lotadas como sempre, mas naquele dia o caos costumeiro estava pior: um provável acidente fechara quatro das seis pistas da avenida, resultando em um tráfego que percorria poucos centímetros de hora em hora. Buzinas eram usadas até machucar as palmas das mãos, como se fossem fazer o trânsito andar. A chuva forte batia no carro com força, misturando-se às buzinas e sons de motores ligados. Torrentes de água suja corriam velozes pelo meio fio da avenida e espantava pedestres, que andavam rentes às vitrines e afins das lojas nas calçadas. O costumeiro fluxo intenso de pessoas nas ruas havia sumido, substituído por uma ou outra alma que não tinha escolha a não ser andar debaixo da chuva torrencial. Por fim, o tráfego começou a andar muito lentamente, tirando Elya de seu torpor. Ele observava a cidade que tanto amava ao seu redor, acolhendo-o de volta com aquela chuvarada tão característica de Ghonargon. Estava dirigindo desde Sunfalls sem parar, se
O trem soou o aviso de que partiria em cinco minutos, sobressaltando-o levemente. Após quase a noite inteira parado, ele finalmente voltaria a rodar pelos trilhos. Passava do meio dia e Zya havia acabado de comer um lanche qualquer o qual nem sentiu o gosto. Seus pensamentos estavam em Ghonargon, a cidade que amava e ter falado com Louisa o aquietou, matando o sentimento ruim de que ela fora pega por Elya.Com uma estremecida, o trem voltou ao movimento, ganhando velocidade rapidamente. Já não estava tão calor e sol e Zya podia ver a camada grossa de poluição e nuvens carregadas que cobriam Ghonargon. Ansiava por sentir a chuva nele novamente, frequentar os lugares que gostava e mostrar à Louisa tudo o que queria, achar Aksu e retomar a vida. Sem Willem, a divisão iria demorar a se estabilizar novamente, o que os daria tempo para uma recuperação do susto; e todos sabiam como aquela Divisão estava perdendo o poder rapidamente. Já não o tinham em boa quantidade na época da pr
Ela corria o máximo que podia pelas ruas rústicas da pequena cidade, desesperada para fugir. Choramingava e ofegava com o medo. O esforço da corrida fazia as pernas começarem a queimar e os pés doerem loucamente dentro das botas plataforma brancas cobertas por tecido rendado preto. O vestido escuro prendia em suas coxas conforme ela corria, embolando-se em meio às pernas enquanto as alças dele teimavam em escorregar dos ombros, ameaçando deixá-la com o busto à mostra. As lágrimas borravam o delineador preto que descia pelo rosto como rios negros e faziam os cabelos loiros grudarem na pele.Seu peito subia e descia rapidamente devido à respiração acelerada e o ar entrando com grosseria pelas narinas rasgava a garganta já seca. Extremamente cansada, ela começava a sentir o corpo se esgotando, tingindo sua visão com pontinhos brilhantes.Ela c
Aquele era um dia muito ensolarado, com a luz do Sol lançando raios dourados nos campos de girassóis, trigo e milharais que praticamente cercavam a cidade mergulhada em um calor intenso dia e noite, sempre. Mas em Sunfalls não passava de mais um dia normal e entediante, igual a todos os outros desde que a cidade fora fundada.Sunfalls era uma típica e clichê cidade de interior que jamais mudava: havia missa aos domingos, festival da torta uma vez a cada semestre e escola cinco dias por semana durante toda a manhã, com as famosas panelinhas de meninas pseudo-populares, seus namorados bonitões e meninos que viviam dizendo que iriam embora de Sunfalls assim que acabasse a escola para entrar em uma universidade, mas nunca iam embora de fato.E havia Louisa Newton.Louisa nascera em Sunfalls e não fazia parte de grupo algum, tanto na escola como em qualquer outro canto da cidade. O pai de Louisa, Saul, era pastor na pequena igreja da cidade e sua esposa, Jen
Louisa entrou em sua sala de aula e escolheu o lugar de sempre: nos fundos da classe onde ninguém sentava. Assim ela podia rabiscar a última folha do caderno ou copiar os poemas e textos bonitos sobre amor que encontrava em seu livro de literatura. Às vezes trocava as tampas das canetas coloridas ou arrumava e desarrumava tudo em sua mesa até algum professor chegar. Lou admitia que tinha problemas para se concentrar, mas tentava ao máximo. Se não tinha a atenção chamada pelos professores por não prestar atenção na aula, então era um dia perdido.Observava, distraída, os alunos de sua classe se empenharem em brincadeirinhas idiotas, juntarem as mesas para fofocar ou qualquer outra coisa. Suas mãos começaram a doer levemente, junto de um ardor. Louisa esfregou-as e cruzou os braços na esperança de que a ardência passasse. Ela convivia com a maldita sensação desde pequena, mas nunca quis falar a ninguém. Não gostava de contar as coisas sobre si para os outros, apenas para H
Zya finalmente chegara naquele maldito fim de mundo. Talvez ali teria sossego e, quem sabe, até recomeçasse a vida, mudasse de nome e iniciasse uma criação de plantas carnívoras, coisa que ele amava.Ele andava pela rua comprida e muito quente com o sol fritando-lhe a cabeça. Tinha em mãos um papel pequeno e já bastante amassado que continha um endereço de um lugar onde ele poderia alugar um quarto por um preço barato. Zya tinha uma quantia relativamente pouca de dinheiro que usaria para se manter até achar algo em que pudesse trabalhar – embora não achasse que conseguiria grande coisa naquela cidade em especial. Nas cidades vizinhas, Zya vira algumas fábricas e coisas do tipo. Um lugar daqueles sempre precisava de pessoas para trabalhar e aceitavam qualquer um, contanto que trabalhasse direito.Zya começava a ficar nervoso com o calor insuportável e o fato de não chegar nunca ao endereço anotado no papel. Ele levava a mala pendurada no ombro direito e tentava se c
Louisa andava ao lado de Chris, entrelaçando sua pequena mão na dele enquanto Zya andava um pouco atrás. A todo o momento, Zya via Lou olhando-o de soslaio, intrigada. Ele sentia o sol rascante fervendo a cidade e sabia que mais tarde iria se arrepender de ter andado tanto debaixo do sol.Era estranho não ver quase ninguém nas ruas e ele se deu conta de que ainda era cedo, pouco mais de onze horas da manhã e todos estavam na escola ou trabalho, sem contar que a cidade já não deveria ter muitos habitantes.Os três andavam calados e Zya podia sentir a tensão neles. Jenna tinha razão; fechados demais para forasteiros, até mesmo eles dois que deveriam ter uma idade próxima à de Zya e que ele pensou serem mais receptivos.— O que costumam fazer aqui? — Perguntou Zya, tentando puxar conversa.— Bom, não tem nada para fazer em Sunfalls, na verdade. Mas fazemos o que podemos para não morrer de tédio. — Respondeu Louisa, sorrindo.A voz dela le
Henrik ouvia Chris falar desde que chegaram da escola. Já passava das quatro da tarde e ele não parava, ainda falando do cara novo na cidade. Henrik estava melhor da insolação que o acometera após horas jogando lacrosse debaixo de um sol cruel. Seu rosto já estava menos vermelho, pois ficou o dia todo passando cremes à base de aloe vera.Chris estava sentado à sua frente na bancada da cozinha com uma incrível cara de louco. Henrik desviou os olhos dele e observou seu reflexo na tela apagada de seu celular; cansado, vermelho e dolorido, com bolsas abaixo dos olhos vermelhos. Os cabelos claros como os de Louisa estavam secos e feios por causa do maldito sol e sua boca cheia estava queimada.— Olha, cara, que paranoia toda é essa? É só um garoto novo na cidade, nada demais. Ele não vai tirar a Lou de você. — Disse Henrik, cansado.— Você não está entendendo. Ele disse que matou um cara!— E você acreditou? Ele foi sarcástico com você, Chris. Se
Genesis estava ajoelhado em frente ao altar cristão no quarto de sua mãe havia horas, já sem saber o que estava rezando. Seus joelhos estavam dormentes e os olhos pesavam. Era noite, quase hora do jantar e Aiden, ao seu lado, ainda tinha os olhos fechados. Genesis olhou seu reflexo no espelho atrás da grande cruz de madeira; olheiras terríveis, olhos vermelhos de sono – pois não dormia fazia dias por conta da “maratona da fé” imposta por sua mãe, Samira – cabelos pretos bagunçados e feições carrancudas de cansaço. Ele baixou a cabeça e olhou de rabo de olho para o primo, percebendo que ele não estava rezando, mas dormindo. Genesis riu baixinho, pois Aiden sempre dava um jeito de ser o idiota da casa.Ou talvez o mais esperto.Ele ouviu Samira subindo as escadas, cantarolando. Genesis cutucou Aiden, que não acordava.— Aiden! — Sussurrou Genesis.Samira girou a maçaneta devagar quando Genesis deu uma cotovelada bruta em Aiden, que acord