Louisa andava ao lado de Chris, entrelaçando sua pequena mão na dele enquanto Zya andava um pouco atrás. A todo o momento, Zya via Lou olhando-o de soslaio, intrigada. Ele sentia o sol rascante fervendo a cidade e sabia que mais tarde iria se arrepender de ter andado tanto debaixo do sol.
Era estranho não ver quase ninguém nas ruas e ele se deu conta de que ainda era cedo, pouco mais de onze horas da manhã e todos estavam na escola ou trabalho, sem contar que a cidade já não deveria ter muitos habitantes.
Os três andavam calados e Zya podia sentir a tensão neles. Jenna tinha razão; fechados demais para forasteiros, até mesmo eles dois que deveriam ter uma idade próxima à de Zya e que ele pensou serem mais receptivos.
— O que costumam fazer aqui? — Perguntou Zya, tentando puxar conversa.
— Bom, não tem nada para fazer em Sunfalls, na verdade. Mas fazemos o que podemos para não morrer de tédio. — Respondeu Louisa, sorrindo.
A voz dela lembrava Zya o timbre de um passarinho cantando: fina, bonita e delicada.
— Eu imaginei que fosse assim mesmo.
— E o que o trouxe aqui? — Indagou Chris.
— Sinceramente, não sei. Apenas parei na rodoviária mais próxima de onde eu morava, uma enorme cidade cinza e poluída e vim parar aqui.
— Uau, parecia um ótimo lugar, não imagino por que você saiu de lá. — Disse Chris, sarcástico.
— Também não imagino, mas para chegar a um lugar tão maravilhoso e acolhedor como Sunfalls, eu deixaria até Las Vegas. — Respondeu Zya no mesmo nível de sarcasmo.
— Eu não sairia de uma cidade tão grande para vir a uma tão sem graça. — Disse Lou, olhando para o céu azul sem nuvens.
— Lá chovia muito, eu sentia que estava mofando com tanta umidade.
— Ah, Zya, não podia ser tão ruim assim, vai.
— E não era, Louisa. Mas eu tive motivos sérios para ir embora.
— E você tinha uma namorada? — Perguntou ela repentinamente, entre risinhos.
— Tanta coisa para perguntar a ele e você pergunta isso. — Disse Chris, revirando os olhos.
“Caipiras...” pensou Zya.
Zya riu tímido. Como falar para uma menina tão doce sobre o tipo de “namoradas” que tinha? Sentia-se sujo ao pensar nas noites que passava fora de casa com garotas que ele sequer sabia o nome em camas que ele sabia que jamais iria se deitar novamente. Pensava nas bebedeiras sem fim, nos montes de maços de cigarros da pior espécie que fumava em apenas um dia, boates e todo o tipo de atos “impuros” que poderia cometer. Brigas, supercílios cortados por causa de socos nos olhos, dias tentando respirar normalmente após chutes nas costelas e até mesmo um alargador arrancado de sua orelha. Pensava em seu agente da condicional, que desistira dele nos primeiros dias e o deixou livre para fazer tudo errado outra vez.
— Não, não tinha namorada lá.
— Você parece que já esteve na cadeia. Já foi preso alguma vez, Zya? — Perguntou Chris.
Chris começava a realmente irritar Zya com perguntas idiotas e sarcasmo desnecessário. O que ele estava pensando? Que Zya iria roubar o cargo de Macho Alfa de Sunfalls dele? Zya respirou fundo e decidiu ser cretino uma última vez antes de calar a boca.
— Já, sim. Matei um cara e, aliás, ele era muito parecido com você. Roubei a garota dele e ele não gostou, veio tirar satisfações e eu o enforquei com meu cinto de rebites. — Mentiu Zya, sorrindo docemente para Chris.
— Chegamos! — Anunciou Lou.
Louisa sentia o clima tenso entre eles, sem saber qual era o motivo para tanta hostilidade. Quando achou que Chris iria atacar o pobre Zya, chegaram à sua casa.
A casa ficava no meio de uma pequena elevação do terreno, cercada por um tipo de murinho baixo de pedra e ligeiramente cinza por conta do sol e do calor. Era uma casa bastante grande de dois andares. Tinha uma varanda com alicerces finos de madeira pintados de branco, um banco grande e igualmente branco de cada lado da porta e algumas plantas em vasos, dispostas por toda a varanda. A casa toda era pintada de branco, tinha um típico telhado de telhas vermelhas e uma chaminé na lateral dela, de pedras cinza e cimento. Era uma chaminé bem-feita e bonita, não como as que ele imaginaria que fossem, cheias de fendas e suja. O segundo andar tinha janelas muito compridas que quase tocavam o telhado da varanda. Atrás dela, cerca de vinte metros da casa, Zya viu o celeiro que Jenna alugaria para ele: de madeira bruta e clara com portas duplas enormes e escuras. Havia um espaço coberto ao lado do celeiro, onde um carro estava estacionado. Na parte de cima do celeiro havia uma janela grande que abria para fora. De longe, ele parecia estranho e medonho, mas Zya já ficara em lugares piores.
— Vamos entrar, comer alguma coisa e então eu te mostro o celeiro. — Sugeriu Louisa, abrindo o portãozinho vermelho.
— Eu preferia que me levasse direto para ele, se não se importa. — Disse Zya, cansado.
— Ah, não! Eu preciso limpar lá antes.
— Lou, não precisa se incomodar. Eu mesmo posso limpar, não tem problema.
— Mas...
— Tenho certeza de que ele pode se virar sozinho. — Disse Chris, grosseiro.
Chris entrou primeiro, afastando-se deles. Seus cabelos azuis cintilavam no sol enquanto ele andava rápido para dentro da casa, deixando-os para trás. O portão bateu com o movimento bruto de ter sido aberto grosseiramente e com força. Louisa olhou para Zya e revirou os olhos.
— Ele só está com ciúmes, mas não se preocupe. Afinal, não há motivos para ele sentir isso. — Esclareceu ela.
— Ele tem razão em ter ciúmes de uma namorada como você.
Zya abriu o pequeno portão para que Louisa passasse, indicando com uma das mãos.
— Oh, obrigada.
Louisa fez uma mesura antiquada, brincando, e passou por ele. Zya entrou e fechou o portão pequeno atrás de si. Louisa o levou até o celeiro e destrancou o cadeado das portas, deixando aberto para que ventilasse. Dentro dele não havia muita coisa, apenas alguns materiais de agricultura e poucos fardos de feno que deveriam estar ali há muito tempo. Uma escada ao canto indicava o andar superior. Louisa andou para lá e Zya a seguiu, olhando-a subir cada degrau; o movimento de seu corpo pequeno e feminino o hipnotizava. Ao fim da escada havia uma porta do lado esquerdo, que Louisa abriu, entrando e deixando-a aberta para ele.
Ali era como uma casa de um único grande cômodo com uma cama de casal ao lado da janela, no canto extremo ao que eles estavam. A cama tinha travesseiros demais e parecia ser bem macia, com alguns cobertores dobrados aos pés dela, como se naquela cidade fosse possível dormir com cobertores. Um criado mudo ao lado dela tinha três gavetas e um abajur amarelo simples. Do outro lado da janela, um guarda-roupas de madeira cinza de duas portas estava aberto para que não criasse mofo. Mais perto deles, do lado direito, uma mesa redonda e um pouco pequena indicava que ali era uma minúscula cozinha, com um fogão e uma pia além de um único armário de cozinha acima da pia. Zya viu, agradecido, um cômodo fechado – o banheiro – com a porta entreaberta. Lá dentro havia uma banheira de cobre e um chuveiro, que era tudo o que ele conseguia ver dali. No centro do cômodo um enorme tapete carmim estava esticado no chão. Louisa tinha citado o fato de limpar ali, mas o local era bem limpo. Provavelmente Jenna limpara havia pouco tempo.
— Não precisa de limpeza. — Comentou Zya.
— Eu não queria jogar você aqui e pronto, sem sequer dar uma varrida, mas tem razão; está limpo. E tem seu próprio banheiro.
Louisa sorria, mostrando um pouco dos dentes brancos. Ela colocou os cabelos atrás da orelha direita e baixou a cabeça ainda o olhando, atraindo a atenção de Zya com gestos tão fofos.
— Isso é ótimo. Melhor do que eu esperava, na verdade.
— É como uma casa, mas sem divisões. Pode mudar as coisas caso queira, menos a cozinha e o banheiro, lógico. Não tem como mudá-los, não é? — Disse Lou, rindo.
Aos olhos de Zya, ela parecia ligeiramente nervosa diante dele. Louisa lembrava-o alguém havia muito esquecida, morta e enterrada.
— Não está com calor com essa blusa tão fechada?
— Estou ótimo, obrigado. — Respondeu Zya, seco, arrependendo-se disso imediatamente.
— Vou deixar você aqui, cuidando das suas coisas está bem? Até mais tarde, Zya. — Ela falou, deixando as chaves nas mãos dele.
— Até, Lou. — Disse Zya, com uma expressão maliciosa que logo tratou de desfazer.
Louisa assentiu e saiu. Zya a ouviu descer as escadas correndo e fechar a porta. Ele suspirou e largou a mala aos pés da cama, deitando nela e percebendo o quanto estava cansado. Fugir era desgastante e ele esperava que em Sunfalls a sorte o sorri sse.
E sorria, além de ter grandes olhos azuis.
Henrik ouvia Chris falar desde que chegaram da escola. Já passava das quatro da tarde e ele não parava, ainda falando do cara novo na cidade. Henrik estava melhor da insolação que o acometera após horas jogando lacrosse debaixo de um sol cruel. Seu rosto já estava menos vermelho, pois ficou o dia todo passando cremes à base de aloe vera.Chris estava sentado à sua frente na bancada da cozinha com uma incrível cara de louco. Henrik desviou os olhos dele e observou seu reflexo na tela apagada de seu celular; cansado, vermelho e dolorido, com bolsas abaixo dos olhos vermelhos. Os cabelos claros como os de Louisa estavam secos e feios por causa do maldito sol e sua boca cheia estava queimada.— Olha, cara, que paranoia toda é essa? É só um garoto novo na cidade, nada demais. Ele não vai tirar a Lou de você. — Disse Henrik, cansado.— Você não está entendendo. Ele disse que matou um cara!— E você acreditou? Ele foi sarcástico com você, Chris. Se
Genesis estava ajoelhado em frente ao altar cristão no quarto de sua mãe havia horas, já sem saber o que estava rezando. Seus joelhos estavam dormentes e os olhos pesavam. Era noite, quase hora do jantar e Aiden, ao seu lado, ainda tinha os olhos fechados. Genesis olhou seu reflexo no espelho atrás da grande cruz de madeira; olheiras terríveis, olhos vermelhos de sono – pois não dormia fazia dias por conta da “maratona da fé” imposta por sua mãe, Samira – cabelos pretos bagunçados e feições carrancudas de cansaço. Ele baixou a cabeça e olhou de rabo de olho para o primo, percebendo que ele não estava rezando, mas dormindo. Genesis riu baixinho, pois Aiden sempre dava um jeito de ser o idiota da casa.Ou talvez o mais esperto.Ele ouviu Samira subindo as escadas, cantarolando. Genesis cutucou Aiden, que não acordava.— Aiden! — Sussurrou Genesis.Samira girou a maçaneta devagar quando Genesis deu uma cotovelada bruta em Aiden, que acord
Chris levava Louisa para sua casa após as aulas, passando da uma hora da tarde. De mãos entrelaçadas, eles andavam pela rua onde Chris morava. Aquele fora o último dia de aula e então estavam oficialmente de férias. Lou saltitava ao lado dele, usando o vestido que ele dera de presente para ela havia alguns meses. O vestido era preto de alças finas, com rendas na saia. Era simples e não tinha muitos adornos, mas Lou o adorou tanto que Chris sentiu que aquele fora o melhor presente que poderia ter dado a ela. Louisa gostava de usá-lo com seu par de all star vermelhos, pois o contraste de cores do vestido e dos tênis era lindo aos olhos dela. Seus cabelos estavam presos em uma trança frouxa posta por sobre o ombro direito.— Meu pai não irá gostar nada de saber que estou indo para a sua casa, sozinha com você. — Comentou Lou, sorrindo um pouco.— Não vou roubar sua virtude nem nada do tipo, só estou te levando lá para ter um tempo com você. De preferência sem o Henrik
Zya caminhava sem pressa pela cidade, procurando conhecê-la. Já era noite e ele voltava para o celeiro, cansado. A noite estava fresca e não havia ninguém por perto, então Zya arriscou tirar a blusa de mangas compridas, vestindo apenas a regata preta que usava por baixo dela. Zya soltou os dreadlocks, deixando-os estendidos ao longo das costas e jogados de lado, de modo que um lado de sua cabeça ficasse livre deles, com uma parte raspada à mostra onde uma sombra de cabelos pretos aparecia. Zya se cobrou mentalmente sobre comprar uma lâmina de barbear no dia seguinte para dar fim ao cabelo que começava a crescer.Caminhando tranquilamente pela cidade, que deveria ter mais ou menos umas dez ruas, Zya descobrira que só as principais eram asfaltadas; todas as outras eram de terra, inclusive a rua de seu novo endereço.Ele repassava mentalmente os planos para sua nova vida naquela cidade enquanto andava: no dia seguinte, iria ao lugar onde o pai do Chris trabalhav
Louisa mantinha a cabeça deitada na cama, ao lado de Chris. Estava sentada naquela cadeira desconfortável o dia inteiro, tendo se levantado apenas para ligar para sua mãe e contar o que aconteceu. Jenna dissera que esperaria Saul chegar em casa e então iriam vê-los, após avisar Marco.Chris não corria perigo, mas ainda não acordara. Louisa não podia contar a verdade nem por um decreto, e teve de inventar que Chris havia entrado em contato com um fio grosso cortado na estrada. Sem maiores detalhes, ela se fechou para a equipe médica, que cuidou de Chris o melhor que puderam com tão poucas informações. Ele estava sedado e tinha curativos por todo seu peito. Chris ressonava tranquilo, deliciosamente alheio à tudo. Louisa desejou poder estar sedada também.Sua cabeça explodia com tantas especulações, perguntas e tudo o mais relacionado ao que acontecera mais cedo. Como era possível que ela, Louisa Newton, a menina mais normal da cidade mais monótona da Terra, tiv
Saul preparava, na mesa da cozinha, o que falaria naquele domingo na igreja. Anotava algumas ideias em um bloco de papel fino com pautas pretas enquanto lia algumas passagens bíblicas. Saul ouvia Jenna assistir TV na sala, alguma novela melosa a qual ele não tinha o mínimo interesse. Ele não conseguia se concentrar no que estava fazendo, pois tinha a cabeça cheia de outras coisas, como Louisa e a quase morte de seu namorado, o inquilino novo e Samira. Erguendo os olhos para o relógio da cozinha, Saul viu que era tarde, mas sabia que àquela hora alguns garotos treinavam lacrosse na escola, pois de noite o clima ficava mais fresco, facilitando o jogo.Fechou a Bíblia e descansou a caneta em cima do bloco de papel, levantando-se da cadeira. Apagou a luz ao sair da cozinha e parou aos pés da escada, observando Jenna sentada ao sofá sorrindo sozinha para a televisão, totalmente entretida na tal novela. Os cabelos claros dela estavam presos em um coque simples e desleixado e e
Fazia quase cinco dias inteiros desde que Zya chegara a Sunfalls. Muitas coisas haviam acontecido naquele pequeno tempo, como Zya ter conseguido um emprego na mesma fábrica de Marco, onde trabalharia com o tratamento e produção de metais. Não era um trabalho muito bom, e ele não ganharia muito bem, mas já era algum progresso. Zya não tinha a menor experiência com metais, mas era isso ou não sabia o que mais poderia fazer. Quase não tinham oportunidades em Sunfalls, e metade da população de lá ia às cidades vizinhas trabalhar.No dia anterior, Zya fora ao mercado para abastecer sua pequena casa. Comprou comida, itens de higiene e de limpeza. Já havia arrumado suas coisas no guarda-roupa e não tinha mais afazeres, decidindo cozinhar um pouco. Faria algo simples, como espaguete e batatas fritas. Pôs-se a fritá-las enquanto a massa e o molho cozinhavam. Após alguns minutos, tudo estava pronto e Zya sentou-se à pequena mesa para comer.Distraído, dava garfadas pequenas
Ambos estavam no final da rua, andando a passos rápidos. Passaram pela avenida principal de Sunfalls, em frente à sorveteria de Jenna, que deveria estar nos fundos dela almoçando – pois não estava no balcão. A rua era longa, mas logo estavam na próxima. Sunfalls tinha poucas ruas, e era composta por terras extensas e vazias, ocupadas por milharais ou fazendas. Era possível percorrer todas em cerca de uma hora, andando em velocidade moderada. Louisa pululava ao seu lado, feliz e calada, aproveitando a companhia quieta de Zya.— E o que você fazia lá em Ghonargon? — Indagou Lou.— Muita coisa. Defina o que quer saber exatamente. — Sorriu ele.— Ah, trabalho, diversão...— Ainda assim, assuntos um pouco vagos. Eu trabalhava com algo que você não vai querer saber e me divertia com coisas que você não iria querer ouvir sobre.— Nossa, Zya. Duvido que você tenha feito coisas tão chocantes assim. — Respondeu ela, rindo alto.Zya lembrou-se de