Saul preparava, na mesa da cozinha, o que falaria naquele domingo na igreja. Anotava algumas ideias em um bloco de papel fino com pautas pretas enquanto lia algumas passagens bíblicas. Saul ouvia Jenna assistir TV na sala, alguma novela melosa a qual ele não tinha o mínimo interesse. Ele não conseguia se concentrar no que estava fazendo, pois tinha a cabeça cheia de outras coisas, como Louisa e a quase morte de seu namorado, o inquilino novo e Samira. Erguendo os olhos para o relógio da cozinha, Saul viu que era tarde, mas sabia que àquela hora alguns garotos treinavam lacrosse na escola, pois de noite o clima ficava mais fresco, facilitando o jogo.
Fechou a Bíblia e descansou a caneta em cima do bloco de papel, levantando-se da cadeira. Apagou a luz ao sair da cozinha e parou aos pés da escada, observando Jenna sentada ao sofá sorrindo sozinha para a televisão, totalmente entretida na tal novela. Os cabelos claros dela estavam presos em um coque simples e desleixado e e
Fazia quase cinco dias inteiros desde que Zya chegara a Sunfalls. Muitas coisas haviam acontecido naquele pequeno tempo, como Zya ter conseguido um emprego na mesma fábrica de Marco, onde trabalharia com o tratamento e produção de metais. Não era um trabalho muito bom, e ele não ganharia muito bem, mas já era algum progresso. Zya não tinha a menor experiência com metais, mas era isso ou não sabia o que mais poderia fazer. Quase não tinham oportunidades em Sunfalls, e metade da população de lá ia às cidades vizinhas trabalhar.No dia anterior, Zya fora ao mercado para abastecer sua pequena casa. Comprou comida, itens de higiene e de limpeza. Já havia arrumado suas coisas no guarda-roupa e não tinha mais afazeres, decidindo cozinhar um pouco. Faria algo simples, como espaguete e batatas fritas. Pôs-se a fritá-las enquanto a massa e o molho cozinhavam. Após alguns minutos, tudo estava pronto e Zya sentou-se à pequena mesa para comer.Distraído, dava garfadas pequenas
Ambos estavam no final da rua, andando a passos rápidos. Passaram pela avenida principal de Sunfalls, em frente à sorveteria de Jenna, que deveria estar nos fundos dela almoçando – pois não estava no balcão. A rua era longa, mas logo estavam na próxima. Sunfalls tinha poucas ruas, e era composta por terras extensas e vazias, ocupadas por milharais ou fazendas. Era possível percorrer todas em cerca de uma hora, andando em velocidade moderada. Louisa pululava ao seu lado, feliz e calada, aproveitando a companhia quieta de Zya.— E o que você fazia lá em Ghonargon? — Indagou Lou.— Muita coisa. Defina o que quer saber exatamente. — Sorriu ele.— Ah, trabalho, diversão...— Ainda assim, assuntos um pouco vagos. Eu trabalhava com algo que você não vai querer saber e me divertia com coisas que você não iria querer ouvir sobre.— Nossa, Zya. Duvido que você tenha feito coisas tão chocantes assim. — Respondeu ela, rindo alto.Zya lembrou-se de
— Bom, eu jogo lacrosse no time da escola, tenho dezessete anos, gosto de comer muitas coisas.— Muitas coisas tipo tudo. — Complementou Louisa.— Não é verdade. Aquela coisa estranha que você faz, por exemplo, eu não consigo engolir nem ferrando.— O quê? — Perguntou ela, confusa.— Aquela espécie de hambúrguer de tofu, sei lá o que é aquilo. E geralmente você queima a frigideira quando faz.Louisa encarou Henrik, com os lábios entreabertos. Não achava que cozinhasse tão mal como ele estava dizendo.— Aquilo é panqueca... — Respondeu Lou, baixinho.Repentinamente, Zya gargalhou alto, pensando na tal panqueca disfarçada de hambúrguer de tofu. Tudo bem que ele não era nenhum Chef de cozinha, mas sabia se virar muito bem. Louisa cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha dourada.— Você diz isso porque nunca comeu comida de reformatório, Henrik. — Comentou Zya, rindo.— Então você já esteve
— Alice?— Do País das Maravilhas.— Por conta do cabelo claro e a estatura medíocre? — Ela riu.— Não só fisicamente, mas sua curiosidade também, que consegue se exceder à dela. E sua estatura não é medíocre, eu gosto assim.— Já me disseram que pareço com ela, mas nunca criticaram tanto minha curiosidade. — Respondeu Louisa, rabugenta.— Não fique brava, só não sou do tipo “livro aberto”. Gosto de guardar para mim algumas coisas.— Imagino como deve ser conviver com você, como namorar ou morar na mesma casa sem poder perguntar nada.Louisa ergueu o queixo, confrontando-o petulantemente. Zya sorria largamente, divertindo-se com as reações de Lou às suas restrições.— Quer dizer que já imaginou como seria namorar comigo?Lou sabia que ele iria dizer algo do tipo; estava aprendendo rápido como lidar com Zya e o que esperar dele. Ou pelo menos era o que ela pensava.— Clar
Chris voltava à consciência aos poucos, começando por escutar os sons ao seu redor; um bip insistente de alguma coisa bem perto de sua cabeça, uma respiração pesada e masculina. E mais nada. Com estas exceções, um silêncio pesado reinava ali, onde quer que ele estivesse. Espalmando as mãos, Chris sentiu um colchão macio e lençóis esticados e arrumados abaixo de si. Sentiu estar coberto até a cintura e algo cobrindo a pele do peito. Chris notava que sua boca estava seca e a garganta arranhando, dolorida. O corpo todo parecia travado e tenso, louco para se movimentar nem que por um segundo apenas. Ao abrir os olhos, percebeu que estava em um quarto afundado na penumbra, com mobília branca – assim como qualquer outra coisa ali. Chris percebia que não conseguia focalizar nada ainda, e sua visão se encontrava embaçada.Uma torrente de sensações o invadiu, confundindo-o. Medo, fome, agitação, dor – muita dor – e coisas que ele sequer sabia dizer direito o que eram. Aquele bip
Genesis saía da loja de conveniências do único posto de gasolina de Sunfalls com uma pequena sacola nas mãos, contendo dois lanches naturais que Aiden e ele gostavam de comer. Gen arrastava os pés calçados com botas camufladas pela entrada de asfalto do posto de gasolina, sem pressa alguma para chegar em casa. Colocou novamente os fones de ouvido e aumentou o volume no celular, optando por sua banda preferida, Blue Stahli. Tirou os óculos escuros estilo aviador do bolso da calça cargo e os colocou no rosto, acostumado a usá-lo o dia todo por conta do clima de Sunfalls.Seguiu pelo acostamento da estrada tranquilamente. O posto ficava cerca de vinte minutos de sua casa, um pouco afastado de tudo. Observava a extensa estrada à sua frente, dando graças à Deus por não ter de segui-la por mais de dois quilômetros apenas. Genesis podia ver parte da cidade de onde estava, tranquila e tremulante com o calor que subia do asfalto fervente.Genesis pensava nas coisas que Saul
Checando as fichas de procurados enquanto o carro ganhava a estrada rapidamente, Elya riscava os possíveis lugares para onde cada um deles poderia ter fugido, trocava de pasta os que já haviam sido pegos e incluía novos procurados e suas informações.— Estou receoso de não achar nem metade destes que procuramos. — Disse Elya.Seu parceiro ao volante, Willem, mantinha os olhos azuis cravados na estrada longa, atento.— Vamos achar todos, Elya. Não se preocupe demais ou perderá todas essas lindas madeixas castanhas e ficará como eu, tão careca que se pode ver até o que se passa na minha cabeça. — Brincou Willem.Elya riu sem som, com a cabeça baixa, ainda focado nas fichas. Estavam cercados pelos demais carros contendo o resto dos homens. Levantando os olhos negros, Elya vasculhou o horizonte, constatando que não havia muita coisa ali.— Que fim de mundo é esse...— O lugar perfeito para eles se esconderem, meu caro. — Comentou Wil
Zya aproveitava cada segundo do seu horário de almoço, sentado em um canto da parte de trás da fábrica. Comia um pesado sanduíche com uma variedade enorme de recheio, pensativamente. Estava na metade do seu expediente de trabalho, que não era tão ruim assim; era um trabalho árduo, claro, e aquela fábrica era horrivelmente quente, mas ocupava sua mente. Zya sentia uma vontade grande de arregaçar as mangas da blusa, mas não queria deixar à mostra seus braços. Prendeu seus dreadlocks com uma fita grossa de couro para que não sujassem. O barulho ali era alto demais a ponto de deixá-lo surdo e tonto. Sons de prensas batendo em metal, soldas trabalhando e homens falando alto demais reverberavam por toda a fábrica. Ele não se acostumara com tudo aquilo ainda, mas se sentia um pouco mais familiarizado a cada minuto que se passava.Terminou de comer e cruzou a fábrica até o banheiro, que estava vazio. Para um lugar com centenas de operários imundos, o banheiro era bem limpo; tinh