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Capítulo 2 – Carol: Lembranças Amargas

Olá meu nome é Ana Carolina, tenho vinte e quatro anos, meus amigos me chamam de Carol.

Moro em uma cidade próxima a cidade de São Paulo, a mais ou menos uma hora de distância.

Dias atuais...

Ouço um toque no meu celular que avisa a chegada de uma nova mensagem.

Vejo o nome do Flavio na tela, olho para a mesa á minha frente onde Weenny costumava sentar. Dói ao ver que ela não está mais ali.

Isso me faz lembrar de quando nos conhecemos.           

Conheci a Weenny em meados de dois mil e nove, trabalhamos na mesma empresa e no mesmo setor quase no mesmo horário.

Quando comecei nessa empresa, me sentia perdida, então ela percebia isso e me ajudava bastante, com isso fomos criando uma amizade conforme o tempo.

Lembro até hoje de quando ela anunciou quando precisava seguir em frente. Eu já estava tão acostumada com ela, nosso trio era imbatível, eu, ela e Mayara. Eu não queria que ela fosse embora mesmo sabendo que ela precisava seguir os sonhos dela.

Minha vida naquele momento estava caótica, e Weenny sempre estava disposta a me socorrer com as dúvidas e dificuldades que eu tinha, e isso ajudava ainda mais no fato de eu não querer que ela fosse embora. Era egoísmo? Sim. Mas quem gosta de se afastar de seu amigo? Creio que ninguém.

O motivo do caos se chama Flávio. Entre idas e vindas estávamos “juntos” a mais ou menos cinco anos. E vou contar como tudo aconteceu.

Em dois mil e oito nos conhecemos em uma estação de trem no finalzinho do mês de Fevereiro. Tinha dezenove anos na época.

Nessa estação estávamos eu e uma amiga, trabalhávamos na mesma empresa na época, ela tinha comprado um celular novo e estava testando o alto-falante do celular escutando uma musica no ultimo volume quando ele chegou e sentou ao meu lado com um livro na mão.

Ele estava lendo “Brumas de Avalon” de Marion Zimmer Bradley. Então como leitora nata que sou disse para minha amiga.

— Menina desliga esse som ou coloca o fone de ouvido, o moço esta tentando ler.

Nesse momento ele me olhou e sorriu, retribui o sorriso.

Nessa época meu apelido era carência, e ela foi bem traiçoeira comigo, já achei um máximo ele ter sorrido para mim. Sempre tive uma intuição aguçada ela me avisou que aquilo poderia ser uma furada. Mas eu escutei? Com certeza não.

Minha amiga percebeu o meu interesse por ele. Um trem para na plataforma, e esse é o que minha amiga usa para ir para casa, que por coincidência seria o dele também.

Despeço-me da minha amiga sobre olhares do moço do livro e sigo em direção a minha plataforma para esperar o trem com destino a minha cidade.

No dia seguinte nos encontramos no trabalho como todos os dias e minha amiga me entrega um pequeno papel.

— O que é isso?-pergunto curiosa

— Não é uma bomba, ou talvez seja. Abre e descubra.

Abro o papel está escrito um nome e um numero de telefone.

Antes que eu pergunte ela já dispara.

— Quando o trem começou a andar sentei ao lado dele e comecei a puxar papo. Nessa conversa percebi que ele também ficou interessado em você então o caminho todo o assunto foi você. A estação dele já estava próxima,  então antes dele ir embora, ele escreveu num papel o nome dele e o telefone e pediu para eu te entregar e para você mandar uma mensagem para ele.

Fiquei surpresa com aquela atitude dele, devido a muitos traumas que eu carregava, já tinha colocado na cabeça que nunca teria um relacionamento, que não teria alguém que se interessasse em mim de verdade. Então devido a tudo isso demorei quase duas semanas para ter coragem de mandar uma mensagem para ele.

 Quando finalmente tive  ele demorou uns dois dias para me responder,  então a partir daí começamos a trocar algumas mensagens, depois e um tempo ele queria marcar um encontro onde nos conhecemos e ver no que ia dar. Como nossos horários batiam não seria difícil esse encontro.

Ele fazia faculdade numa cidade próxima de onde eu morava, por isso que nossos horários batiam.

Há se você se pergunta: “ué se eles se viram na mesa estação, será que não se viam mais vezes?”. Pois é também achei que o encontraria todos os dias, mas parece que ele tinha sumido, até então não o vi mais na estação.

No dia treze de março ficou marcado na memória, nesse dia nos encontramos e a partir daí nos víamos todos os dias.

Em menos de um mês Flávio me pediu em namoro para os meus pais, foi o melhor presente de aniversário que eu poderia ter ganhado. Estava sobre o efeito alegria de estar namorando sério pela (como eu era inocente, não imaginava o que estava por vir).

Lembro quando a primeira vez que ele me disse eu te amo, estava tocando “Kiss the rain” da Billy Myers, minha musica favorita, estava vivendo meu mais lindo sonho.

Minha felicidade durou exatamente dois meses, a partir daí começaram os furos nos encontros com as desculpas mais mirabolantes, e sempre cinco minutos antes de nos vermos, e sempre eu já estava no ponto de encontro.

Quando ficávamos juntos era entre a minha casa e a casa dele, que quando tínhamos que ir para lá tinha que entrar escondido por que segundo ele a “dona da casa” não gostava de pessoas estranhas circulando no quintal, pois ele morava de aluguel em uma casa nos fundos do quintal.

Minhas amigas na época, principalmente a Weenny e a Mayara tentavam falar comigo, me alertando os perigos desse relacionamento, tentando me mostrar o que estava acontecendo de errado.

Mas eu estava tão cega pelo sentimento que eu tinha por ele, que eu o defendia com unhas e dentes, brigava com todos quando o assunto era Flávio, principalmente quando cogitavam que ele era mau caráter ou casado pelo fato de sempre entrar escondida na casa dele.

Quando se tratava de Flavio me afastei de todos, só minhas verdadeiras amigas permaneceram do meu lado mesmo contra a minha própria vontade, elas perceberam o quanto precisaria delas mais do que eu mesmo poderia imaginar. Weenny e Mayara foram uma delas.

Mas enfim, entre altos e baixos, e muitas lagrimas depois, esse relacionamento durou sete meses.

O mês de dezembro daquele ano foi o pior da minha vida ate aquele momento. Em uma sexta feia, comprei antecipadamente os presentes de natal dele, e resolvi fazer uma surpresa, e fiz uma loucura incalculável, na época ele estava trabalhando a noite ate às dez horas da noite e passava pela estação de trem que eu me encontrava por volta das  onze e trinta na noite. Nesse horário a estação começa a ficar perigosa para uma mulher sozinha, mas não estava nada bem da cabeça pra fazer o que fiz.

No começo ele não gostou muito de me ver ali, mas já não tinha o que fazer e acabamos indo para a casa dele.

E lá tivemos a melhor noite de amor desde quando nos conhecemos. No dia seguinte, depois de acordamos, fomos tomar café da manha em uma padaria próximo a sua casa, até esse momento estava tudo normal, estávamos combinando inclusive um passeio no dia seguinte a um parque e fazer um “pique-nique”. Tomamos nosso café normalmente, ele ate pagou a conta o que achei estranho por que quando raramente saiamos cada um pagava o seu, como nunca tinha namorado com ninguém achava isso normal.

Quando chegamos à frente da estação de trem do bairro dele para eu ir embora foi quando ele me deu a pior facada que poderia receber.

— Olha o problema não é você, sou eu, estou com muita coisa na cabeça agora, não estou dando conta da minha vida, e não sei como vou dar conta de nós dois, então acho melhor ficar-mos por aqui, cada um para o seu lado. Eu gosto muito de você, mais não sei como ficaremos juntos nesse momento da minha vida.

Eu fiquei tão sem reação que não soube nem o que falar, simplesmente virei as costas e entrei na estação e fui para a minha plataforma sem olhar para trás. Naquele momento parecia que eu estava caminhando para um abismo, a dor que estava sentindo era tão grande, mas tão grande que a única coisa que se passa pela minha cabeça é acabar com aquela dor de qualquer jeito e a linha do trem estava bem atrativa para isso e fui me andando até a ponta da plataforma no intuito de quando o trem estivesse chegando eu me jogasse na frente dele.

Até hoje não sei explicar aquele momento, a estação estava completamente vazia por se tratar de um final de semana de manha. Então na plataforma que me encontrava, somente tinha eu. Quando cheguei a uma distancia considerada perigosa da plataforma com o trem vindo, estava quase conseguindo o meu intuito, quando sinto uma forte mão me puxando para trás até chegar ao banco, parecia que naquele momento sai de um transe e nesse exato momento meu celular toca. Nem olho quem é e atendo no automático.

— Você ao está bem o que houve?- pergunta a voz masculina que demoro a reconhecer.

— Não, eu não estou bem.

— Calma Carol, fica calma.

Nesse momento eu desabo de vez, choro tudo que estava preso na garganta.

Tiago a voz masculina que não tinha reconhecido de primeira escuta tudo com calma e me falar que Deus tinha me livrado de fazer uma besteira.

Cheguei em casa e segui a vida. Passaram alguns meses e eu jurava que já tinha superado, a dor ainda existia, tinha momentos que senti falta, tinha, mas estava mais leve, já não pensava nele com tanta freqüência.

Em um belo dia sentada no sofá da sala conversando com a minha irmã Pamela pelo celular, recebo uma mensagem dele, foi naquele exato segundo que percebi que ainda não tinha esquecido dele mesmo depois de tudo que ele fez eu ainda o amava muito.

A partir daquele momento voltamos a nos falar todos os dias até ficarmos juntos novamente. Como sempre não duraram dois meses. E seguiu assim por anos, aparecia, ficávamos juntos dois, três meses, ele sumia pelo mesmo período, voltava e eu “besta” caia na conversa dele.

Eu permanecia exclusiva a ele, enquanto Flavio namorou, casou duas vezes e separou, e eu iludida e fiel.

Até que um dia saímos para ir ao cinema, então ele fez a proposta que sempre sonhei em receber, ele queria casar comigo, porém tinha uma pequena condição.

Nós mulheres normalmente sonhamos com aquele pedido de casamento de filmes de Hollywood, com flores e um anel de tirar o fôlego, é mais a realidade não é bem assim. Sou uma mulher comum e na época estava acima do peso, mas nada que me incomodasse, eu estava feliz com o meu corpo. E a condição para que o casamento entre nós dois fosse realizado eu teria que perder em torno de vinte quilos em dois meses, ai sim eu poderia dizer finalmente o sim a ele e marcaríamos a data.

Eu mais do que cega pela paixão (com o tempo descobri que isso não pode ser nunca chamado de amor e que esse um tipo de agressão), dali alguns dias comecei a ter sintomas de transtornos alimentares e isso estava mexendo seriamente na minha saúde, que apesar de acima do peso não tinha nenhum problema ate aquele momento.

Fui para o hospital de madrugada por conta de uma forte dor e garganta e falta de voz, como trabalhava com telemarketing a voz era meu instrumento de trabalho, passando pela triagem do hospital a enfermeira fez a medição da pressão, e assustada ela me pergunta se eu estava me sentindo bem.

— Sim moça, eu só estou sentido dor na garganta e estou sem voz.- disse com dificuldade

— Tem certeza que não esta sentido absolutamente mais nada senhora?

— Tenho, mas o que está acontecendo?- pergunto um pouco nervosa pela situação.

— Olha vou pedir para a senhora só aguardar um momento que preciso chamar a medica.

Ela falou e já logo saiu da sala e voltando com a medica que mediu minha pressão novamente e me fez as mesmas perguntas que a enfermeira e respondi a mesma coisa e até que a medica finalmente disse.

— Olha estamos assim por que sua pressão está vinte e seis por nove, e você não está sentindo nada alem da garganta e isso é extremamente perigoso. A senhora está acompanhada?

— Não por quê?

— Porque a partir desse momento eu estou te internando.

Quando a medica disse isso para mim fiquei assustada, e sem entender direito o que estava acontecendo segui a medica até a sala de internação.

— Olha a senhora ficara aqui e tomará esses medicamentos através desse soro. Assim que ele acabar ai sim a senhora poderá ir embora, mas aconselho a senhora chamar alguém para te acompanhar pois essa medicação dá uma reação.

— Olha estou sozinha e não tenho quem me acompanhe.

A medica não insistiu mais pelo fato de eu ser maior de idade. Fiquei internada das quatro da manha até as nove da manha, quando sai do hospital entendi o porquê a medica disse para ter acompanhante, estava extremamente tonta, a ponto de não enxergar a rua direito, mesmo com atestado medico fui trabalhar. 

Só fui ter noção do que aquela proposta infame estava fazendo comigo, quando já no trabalho me sento ao lado da Weenny que falou comigo e abriu meus olhos, lembro de que dois dias antes minha pressão estava super baixa, por que passei mal na empresa e fizeram os mesmos procedimentos do hospital e minha pressão estava seis por sete.

Fui me recuperando aos poucos, contei tudo que passei para o Flavio e lógico que para ele não passavam de desculpas esfarrapas, que eu não queira fazer uma “ simples prova de amor”, assim que ele classificou toda aquela loucura.

E todo aquele ciclo começou de novo, e sim eu tinha perdoado ele em nome do “amor”, decidimos nos encontrar de novo, para um sexo gostoso, de presente de aniversario dele, é eu fui.

Chegamos naqueles motéis fuleiros sabe, entramos e fizemos sexo, mas não foi como sempre era, descansamos e conversamos um pouco, e o clima começou a esquentar de novo, só que de uma forma bem diferente, era algo que eu já não queria mais, queria sair correndo dali, por que ele começou a forçar uma situação que já não estava legal. Mesmo em meio a vários protestos e não , ele me agarrou de uma forma que eu não conseguia me mexer, e forçou a penetração, eu gritava de dor, implorava e chorava para que ele parasse pois estava me machucando de todas as formas possíveis, e ele não parou, ele só parou por que de alguma forma ele percebeu que eu estava sangrando e chorando muito.

Naquele momento a minha “ficha” caiu, quando ouvi uma voz forte dentro de mim, dizendo que ali não era meu lugar, que eu não merecia passar por aquilo, ali na minha frente estava um monstro, não era mais aquele homem gentil, carinhosos, com o sorriso fácil, que tínhamos feito planos de cursar a mesma faculdade e curso, que já tínhamos projetado nossa casa, já estava no papel até o nosso cantinho de estudos, aquele que conheci na estação de trem alguns anos atrás. Eu não sabia mais quem estava ali na minha frente que foi capaz de fazer comigo tudo aquilo.

Fomos embora e ainda ele me culpou por tudo aquilo, de todas as coisas ruins do nosso relacionamento, como se a única culpada fosse eu. Chorei aquele dia amargamente por três dias seguidos, de tamanha dor, nojo e tristeza que tinha se instalado no meu coração, lembrava o que ele tinha feito comigo, porém naquele momento, eu estava sentada na janela do refeitório onde trabalhava olhando a paisagem, completamente sozinha pensando em tudo que aconteceu e por que eu tinha deixado chegar a esse ponto.

Não contei á ninguém sobre o estupro, admitir que passei por aquilo, cometido por alguém que eu amava e que eu achava que me amava foi o mais difícil para mim.

Meus pais perceberam que eu não estava legal, que tinha algo diferente, estava mais fechada, não conversava com mais ninguém, eu não saia mais de casa, nem para ir na padaria, era do trabalho para casa e vice-versa.

Minha mãe vendo o meu estado resolvi me chamar para sair com ela. Com muita insistência da parte dela decidir ir, mesmo sem vontade alguma.

Fomos ao shopping, aproveitei e comprei um novo livro e fomos comer em um dos meus lugares favoritos na época, foi um golpe baixo, mas funcionou.

Sentamos na praça de alimentação e minha mãe foi direto ao ponto.

— Filha, estou preocupada com você, faz um tempo que vejo você quieta, não que você fale muito, mas está alem o seu normal, nem com a gente mais você conversa. Nem seu namorado mais vi lá em casa. O que está acontecendo?

— Ex-namorado mãe, acabou tudo.

Minha mãe percebeu que eu ai começar a chorar, então me abraçou.

— Calma filha, isso tudo vai passar, sabe que sempre pode contar com a mãe né, pode me contar tudo.

O nó na minha garganta aumentou, mas não podia contar para a minha mãe que a filhinha dela tinha sido estuprada pelo próprio namorado, então preferi deixar as lágrimas rolarem e as palavras se calarem no mais profundo da minha alma.

— Obrigada mãe, espero que passe logo porque dói demais, mas chega de chorar por que não vai resolver nada e ainda vai me deixar mais fria ainda.

Minha mãe enxugou minhas lagrimas e me deu o melhor abraço do mundo.

Resolvemos pedir nossa comida, assim que terminamos de comer, cumpri um ritual que tenho desde meu primeiro salário do meu primeiro emprego da vida, toda vez que recebia meu salário eu comprava uma flor para a minha mãe, e naquele dia não foi diferente.

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