— Frutas vermelhas para você e de chocolate para mim.
— Por que você sempre pede de chocolate? — perguntei, risonho.
— Pelo mesmo motivo que você sempre pede de frutas vermelhas. — Ela sorriu e me entregou a casquinha com duas bolas de sorvete, sentando-se ao meu lado no banco da praça. — Não acredito que esse é o nosso último verão antes de eu ir para a faculdade.
— Você vai curtir a faculdade. Será a melhor época da sua vida, acredite em mim.
— Ah... eu não sei. E se eu não gostar de estar longe de casa? Longe de você, principalmente?
— Você vai gostar de ir para Boston. Fará novos amigos e, no próximo verão, estará de volta. E não vamos nos esquecer dos feriados, como: Ação de Graças, Natal, Ano-Novo e Páscoa.
— Vai atender sempre que eu te ligar?
Olhei-a e vi um pouco de receio, ou seria medo no seu olhar?
— Isso não vai mudar, Eva. Eu e você nunca iremos mudar.
Um sorriso se abriu. Os seus olhos, que mais se pareciam com duas pedras límpidas de esmeraldas, iluminaram-se com a luz do pôr do sol, que deixava os seus cabelos loiros em um tom dourado.
***
Conheci Eva quando ela tinha apenas oito anos, e eu dezoito. No verão que antecedia a minha ida à faculdade, após a minha formatura no colegial, o meu pai havia me obrigado a trabalhar na sua empresa os três meses inteiros de calor intenso. Segundo ele, era para que eu visse de onde vinha o dinheiro que pagaria os meus estudos, quando pensasse em viver apenas de curtição em Nova Iorque. E ele estava certo, isso funcionou. Levei os meus estudos bastante a sério e me formei com honras, mas não deixei de aproveitar as aventuras de uma vida universitária.
Era mais um final de um dia cansativo, passava das sete da noite e eu ainda estava conferindo uma montanha de contratos para me certificar de que todos haviam sido assinados pelo meu pai. Recostei-me na cadeira e estendi os meus braços para cima, tentando esticar um pouco as costas que doía.
Respirando fundo, senti um enorme cansaço. Afrouxei o nó da gravata que me enforcava, e em seguida ouvi o meu estômago roncar de fome. Percebi ser hora de parar um pouco e procurar algo rápido para comer. Tinha que voltar ao trabalho antes que o meu pai aparecesse berrando e chamando-me de preguiçoso, esfregando na minha cara a boa vida que sempre tive.
Levantei-me e saí da baia apertada, atravessando o corredor escuro e silencioso até os elevadores. Pressionei o botão e saquei o meu celular do bolso na intenção de verificar as mensagens das últimas horas, quando escutei uma canção ser cantada por uma voz doce e infantil. Aquilo chamou a minha atenção.
Segui a música até a sala de espera, encontrando uma garotinha que ainda vestia o uniforme da escola. Ela estava sentada no chão sobre os calcanhares e com os livros abertos sobre a mesa de centro. Provavelmente fazia a sua lição de casa.
— Oi — chamei a sua atenção. Ela se calou e olhou-me com um olhar assustado. — O que faz aqui a esta hora, mocinha? Quem são seus pais?
— Não falo com estranhos — disse ríspida.
Ri e me aproximei.
— Mas você já está falando — zombei, e ela encarou-me séria. Já era tarde, há muito havia passado da hora do jantar. Com certeza, ela devia estar faminta. Pobre menina... — Você deve estar com fome. Estou indo comer um cachorro-quente, você quer vir comigo? Tenho que voltar em vinte minutos, trago você de volta.
— Não vou sair com você. Não nos conhecemos.
É claro que ela não iria a lugar algum comigo. Eu era um estranho. Ela não sabia das minhas boas intenções. Estava certa. Não se deve confiar em estranhos, principalmente em um homem estranho.
— Você está certa. É uma menina inteligente. Então, eu vou fazer o seguinte: vou lá fora, compro os nossos lanches e volto para comer aqui com você. Pode ser? — Ela foi reticente por alguns segundos, mas acho que a sua fome falou mais alto, então, assentiu. — Okay. Volto rapidinho.
Tomei o elevador para o último andar e corri pela calçada ao deixar o prédio, em direção ao carrinho de cachorro-quente parado na esquina.
— Dois, por favor — pedi entregando-lhe quatro dólares.
— É para já, meu jovem.
O senhor, que atendia o seu público, entregou-me os lanches. Voltei andando apressado para o prédio comercial espelhado. Ao sair do elevador, encontrei a menina sentada no mesmo lugar.
— Voltei. — Entreguei o seu cachorro-quente e sentei-me à sua frente, do outro lado da mesa.
— Obrigada. — Lambeu os lábios e deu uma mordida sedenta no pão, sujando a pontinha do seu nariz com mostarda.
— O que a sua mãe diria de você aceitar comida de um estranho?
Ela parou de mastigar e encarou-me com olhos arregalados, cuspindo na mão o pedaço da comida que tinha na boca.
— Estou brincando. É brincadeira! — ri. — Não tem nada no seu cachorro-quente, além dos molhos, é claro. Eu juro! — prometi, encarando-a nos olhos para que ela soubesse que dizia a verdade.
— Eva? — Olhei para o lado e vi Arthur Wangoria entrar na sala, segurando a sua pasta e o paletó na mão esquerda. — Ah... Luke. Como vai? Ainda aqui, rapaz?
— Sim. Ainda tenho uma pilha de contratos esperando por mim.
— Vejo que conheceu a minha filha.
— É uma menina educada e canta muito bem. — Olhei-a e sorri para ela, que retribuiu o elogio com um pequeno sorriso.
— Puxou o talento da avó — riu sem humor, claramente esforçando-se para ser simpático, algo que ele não era. — Temos que ir, querida. A sua mãe já ligou dezenas de vezes. Estamos super atrasados para o jantar.
— Tudo bem — respondeu levantando-se e estendeu-me o lanche.
— Não. É seu. Pode comer no caminho para casa.
Ela olhou para o pai em busca de aprovação.
— É melhor não. A sua mãe não irá gostar de saber que comeu bobagens na rua.
Constrangida, ela estendeu-me o cachorro-quente novamente e, desta vez, eu o peguei.
— Obrigada.
— Não tem que agradecer, Eva. Outro dia comemos outro lanche. — Sorri com simpatia.
— Está bem.
Ela recolheu rapidamente os seus livros e canetas, seguindo o pai até o elevador. Tive pena daquela garotinha. Todos sabiam o quanto era conturbado o casamento dos seus pais e que Arthur tinha casos com todas as suas secretárias que por ali passavam.
“Como deve ser sua vida em casa? Ela é só uma criança. Lembro-me do quanto foi triste ver os meus pais brigarem uma única vez na vida. Imagina este cenário todos os dias?”
LukeVoltei ao meu cubículo e continuei com o meu trabalho após comer. Alguns dias se passaram até eu ver Eva novamente. Como na noite em que a conheci, ela estava sentada na sala de espera, fazendo a sua lição, enquanto aguardava pelo pai. E foi assim que sempre a encontrei. Jogada pelos cantos, esperando por Arthur ou por alguém que pudesse ir buscá-la.— Oi.— Oi, Eva! Como foi a aula de verão hoje? — Virei a minha cadeira para ela, que estava parada na entrada da minha baia.— Foi um saco. — Sorriu.— Quer ajuda com a lição?— Não. Faço em casa quando chegar. A minha mãe disse que virá me buscar quando sair do tribunal.— Legal. Quer ir almoçar?— Não. O meu pai pediu para que eu não saía do prédio.— Já sei como resolver isso. E se deixarmos um recado com a secretária do seu pai? Assim, quando ele se desocupar, vai saber onde e com quem você estará. — Estendi a minha mão para ela. — Vamos, Eva. Precisa comer, já são uma hora da tarde.Ela olhou para os lados e encarou a minha mão
Eva— Sua safada! Quem usa um decote desses para ir tomar sorvete no parque?— Pare, Ellen! Você sabe que Luke e eu somos apenas amigos. E depois... o meu decote nem está tão grande assim. — Cobri com a mão o decote em "V" do vestido.Estava sentada à minha mesa de estudos, enquanto falava pelo Skype com a minha amiga que viajava com os pais pela Europa.— Melhor amigo... Sei. Você já contou para ele sobre o Michael?— Não.— Não entendo... vocês contam “tudo” — fez aspas com os dedos — um para o outro, mas teve medo de contar sobre a tatuagem e sobre ter perdido a virgindade no Quatro de Julho.— Eu acho que ele vai ficar bravo com a tatuagem, e não quero ver Luke assim.— E por acaso ele já ficou bravo com você alguma vez? — desdenhou.— Já! E não foi legal. — Abaixei a cabeça, lembrando-me do fatídico dia em que vi Luke bravo comigo pela primeira e única vez.***Eu tinha dez anos e, como sempre na minha infância, esperava por meu pai na sala de espera da empresa até que ele termin
EvaAo chegarmos no parque, eu não acreditei na imensa pista que montaram naquele ano. Eu não conseguia parar de pular. Patrick se afastou e logo voltou com dois pares de patins. Ele me sentou na mureta alta de proteção e os calçou nos meus pés. Após fazer o mesmo nele, entramos e começamos a patinar. Estava sendo muito divertido. Ele me girava e ensinou-me a deslizar somente em um pé.A noite caiu, e eu me assustei percebendo o quanto já estava tarde. As luzes fortes já haviam sido acesas em volta da pista. Parei bruscamente e olhei a minha volta procurando por Patrick, mas não o encontrei. Estava tão bom ali, que nem percebi quando ele parou de falar comigo e se afastou. Deixei a pista e me sentei no chão gelado, trocando os patins pelas minhas botas rasteiras de cano alto.— Onde está o seu amigo? — perguntei ao homem que alugava os patins.Ele me encarou com estranheza, franzindo o cenho.— Quem? — questionou confuso.— Patrick. O seu amigo.Ele negou com a sua cabeça.— Desculpe,
Luke— Pai, por favor! É só uma festa!— Eu já disse que não, Eva. Pare de insistir!— Eu já tenho dezoito anos, sabia? Vou para a faculdade em menos de três meses. Qual é o problema de eu ir para uma festa?— Ouvi a palavra festa? — perguntei ao entrar na sala do Arthur, sem aviso prévio. A discussão dava para ser ouvida do lado de fora.— Luke... Graças a Deus! — disse Arthur aliviado. — Tenho uma reunião agora e não tenho tempo para os chiliques da Eva. — Levantou-se apanhando algumas pastas sobre a mesa.— O que está acontecendo? — perguntei a ela, que me encarou de braços cruzados.— Tem uma festa no velho armazém e o meu pai não quer me deixar ir! O que é ridículo, porque tenho dezoito anos! — falou impaciente.— Eu concordo com ele, Eva. Já fui em festas neste lugar, na época do colégio, e não é um ambiente nada legal para uma moça como você.Ela me fuzilou com olhar.— Está vendo só, filha? Não é implicância minha. Você não vai e ponto final! — disse firme e deixou o escritóri
LukeContinuei a andar procurando por Eva ou um dos seus amigos para perguntar por ela, mas não vi ninguém. Demorei minutos até chegar ao meio do lugar, sendo espremido por um mar de gente suada, que pulavam gritando como loucos com a batida agitada da música. Andei um pouco mais e avistei uma bancada de ferro à frente. Sobre ela dançava duas moças de um jeito sensual, levando os moleques ao delírio.De repente, os meus punhos cerraram e a minha mandíbula contraiu, quase quebrando os meus dentes. Não podia ser... Não acreditava que era ela uma das moças que chamava a atenção dos marmanjos, fazendo os seus membros incharem dentro das malditas calças.— É isso ai, Eva! Tira blusa para a gente! — gritou um babaca ao meu lado.De costas para o seu “público”, ela segurou a barra da blusa e começou a puxá-la para cima, expondo a sua cintura modelada. A blusa foi arrancada para fora do corpo e arremessada para a multidão. Ela se virou de frente exibindo a sua barriga chapada e os seios farto
LukeTirei-a do carro e levei Eva para o quarto de hóspedes. Sentei-a na cama, retirei as suas botas de cano curto e a deixei ali. Ela encarava algum ponto à sua frente, dispersa, enquanto eu preparava o seu banho na banheira.— O seu banho está pronto. As toalhas estão em cima da bancada da pia.Ela assentiu de cabeça baixa, cobrindo o tórax com os braços. Parei diante dela e encarei a sua figura desprotegida. De repente, a menina que sensualizava minutos atrás para centenas de homens, havia ido embora e dado lugar a uma menina triste de oito anos. Parecia até que ela estava menor diante de mim.— Eu te amo, Eva. Sabe disso, não é? — Assentiu, mais uma vez. — Vou precisar que faça algo por mim... — Ela me olhou e o seu rosto estava vermelho, ainda banhado por lágrimas. — Preciso que preste queixa contra esse maldito.— Não! — discordou apavorada, levantando-se. — Os meus pais não podem saber, me matariam.— Borboleta... — Segurei o seu rosto entre as minhas mãos. — Eles não vão fazer
LukeEsperei por quase uma hora dentro do carro, até que Michael entrasse na sua caminhonete e dirigisse em direção à sua casa. Segui-o a uma distância segura para não ser notado. Ele parou em um drive-thru e após apanhar o seu pedido na segunda cabine, estacionou o seu carro no estacionamento quase vazio. Esperei pacientemente por ele descer em algum momento. Quando Michael saiu para dispensar o lixo, segui-o até a caçamba.— Michael Tiff? — chamei-o ao me aproximar.Ele se virou e me encarou de queixo erguido.— Quem quer saber? — perguntou com arrogância.— Não interessa quem sou! — Acertei-lhe um forte soco no seu rosto, fazendo-o bater com as costas contra a caçamba de lixo.— Qual é a sua, cara? — questionou, colocando a sua mão no nariz que sangrava.— Estou aqui para te ensinar uma lição, seu merda! — Acertei-lhe mais um soco, deixando um hematoma na maçã do seu rosto.Ele tentou revidar, mas me esquivei e o empurrei para trás.— Eu sei quem é você! É amigo da Eva. Foi ela quem
Eva— Pegue. — Luke entregou-me um frasco plástico com comprimidos. — Tome uma aspirina. Vai se sentir melhor.Tirei o comprimido do frasco e tomei-o junto ao copo d'água que ele me serviu.— Os meus pais sabem que estou aqui?— Sim. Eu falei com o seu pai ontem, depois que chegamos. Disse que a encontrei no drive-in com alguns amigos e te trouxe para cá. Inventei a desculpa de que vamos para a casa do lago hoje.— Você contou que bebi?— Não, Eva. Mas ainda posso contar a verdade e você estará ferrada.— Não faria isso. — Sorri com os olhos estreitados na sua direção.— Tem razão, eu não faria. — Encarou-me sério. — A não ser que você fuja de novo, deixando todo mundo preocupado.— Desculpa por ontem, eu só... — interrompi-me e respirei fundo. — Na verdade, sei lá o que eu queria enchendo a cara daquele jeito.— Também não sei o que queria bêbada e dançando seminua sobre uma coisa velha e enferrujada, correndo o risco de cair e se machucar.Cobri o rosto envergonhada, resmungando baix