Eva
— Sua safada! Quem usa um decote desses para ir tomar sorvete no parque?
— Pare, Ellen! Você sabe que Luke e eu somos apenas amigos. E depois... o meu decote nem está tão grande assim. — Cobri com a mão o decote em "V" do vestido.
Estava sentada à minha mesa de estudos, enquanto falava pelo Skype com a minha amiga que viajava com os pais pela Europa.
— Melhor amigo... Sei. Você já contou para ele sobre o Michael?
— Não.
— Não entendo... vocês contam “tudo” — fez aspas com os dedos — um para o outro, mas teve medo de contar sobre a tatuagem e sobre ter perdido a virgindade no Quatro de Julho.
— Eu acho que ele vai ficar bravo com a tatuagem, e não quero ver Luke assim.
— E por acaso ele já ficou bravo com você alguma vez? — desdenhou.
— Já! E não foi legal. — Abaixei a cabeça, lembrando-me do fatídico dia em que vi Luke bravo comigo pela primeira e única vez.
***
Eu tinha dez anos e, como sempre na minha infância, esperava por meu pai na sala de espera da empresa até que ele terminasse todo o seu trabalho para irmos embora. A minha mãe sempre foi uma advogada requisitada e ocupada, era muita boa no que fazia.
O meu pai dizia não ter tempo de me levar em casa todos os dias após a escola ou às malditas aulas de verão. Morávamos do outro lado da cidade, e o seu intervalo de almoço durava somente quarenta minutos.
Não havia um parente que pudesse me buscar e nem os meus pais confiavam que eu pegasse o ônibus da escola, eles tinham medo de que algo me acontecesse. Consideravam-me inocente demais. Ambos estavam certos. Para mim, todo mundo era bom e isso ficou ainda mais comprovado na minha cabecinha de criança depois que conheci Luke.
Estávamos próximos do Natal. Há dias, eu pedia aos meus pais para irmos até o parque patinar no gelo. Do alto do prédio, através da vidraça do corredor que levava para as salas de escritório, eu conseguia ver as pessoas patinando na pista branca congelada. Era lindo!
A porta do escritório do meu pai foi aberta e a sua secretária saiu limpando o batom borrado em volta dos grossos lábios. Ela se assustou quando me viu e parou repentinamente.
— Eva? O que faz aqui, mocinha? Eu havia deixado você fazendo a lição na sala de espera. — Sorriu envergonhada, com as bochechas coradas.
— Eu vim ver a pista de gelo. — Apontei, olhando para o parque novamente.
— Certo, mas você não pode ficar aqui. Por que não se senta na sala para terminar o seu dever de casa e esperar pelo seu pai? Está com fome? — Neguei com a minha cabeça, encarando o seu olhar sem jeito. — Tudo bem, então. Pode ir. — Abriu-me passagem dando um passo para o lado.
Voltei à sala de espera e me sentei em uma poltrona de frente para a TV.
— Oi!
Desviei a minha atenção do desenho que assistia e olhei para cima, vendo um homem alto de cabelos ruivos e muitas sardas no rosto. Ele sorria de um jeito amigável e abaixou-se ao meu lado.
— Você deve ser a Eva, estou certo? — Assenti lentamente com a minha cabeça. — Sou Patrick. — Estendeu a sua mão. — Vamos... Aperte. O seu pai e Luke falam muito de você, sabia? — Sorri fraco e apertei a sua mão. — O seu pai até contou que você estava querendo ir patinar no parque, mas ele anda muito ocupado.
— Ele diz que precisa fechar contratos com gente importante. Por isso anda muito ocupado.
Estalou a língua no céu da boca e encarou-me com compaixão.
— Sabe, Eva... o meu melhor amigo trabalha alugando patins para a pista de gelo. A gente podia ir até lá, ele arrumaria dois pares de graça para nós.
— Eu não sei. O meu pai pode brigar comigo se eu sair daqui.
— Mas o parque fica a vinte minutos, andando. A gente vai voltar e ele nem terá sentido a sua falta. Arthur está em reunião.
— E se ele descobrir que saí? Vai brigar comigo.
— E se eu for falar com ele?
— Mas você disse que ele está em reunião.
— Mas eu trabalho aqui há sete anos, posso entrar e sair quando eu quiser das salas de reuniões. Eu vou até lá falar com ele. — Levantou-se. — Você me espera aqui. — Sorriu.
— Está bem. — Sorri animada. Finalmente eu iria patinar no gelo.
Nos dois últimos Natais havia sido Luke quem me levou para patinar. Mas, naquele ano, ele havia avisado que somente viria para o Natal no dia anterior ao feriado, pois estava na Califórnia conhecendo a família da nova namorada. Desde que ele havia começado a namorar, as frequências das ligações diminuíram e as coisas não estavam mais sendo como nos anos anteriores.
— Prontinho! Agora é só pegar o seu casaco. Falei com o seu pai e ele nos deu uma hora para ir e voltar. É o tempo que durará a sua reunião. Vamos? — Estendeu a sua mão para mim.
Algo me dizia para não ir, mas a minha vontade de patinar gritava euforicamente dentro de mim. Era animação pura.
Vesti o meu casaco e agarrei a sua mão. Saímos tomando o elevador para o térreo e caminhamos até o parque pela calçada. Era final de tarde. Patrick me comprou um chocolate quente no caminho, fazia bastante frio naquele dia. Ele cantarolava comigo, parecia ser um adulto legal.
EvaAo chegarmos no parque, eu não acreditei na imensa pista que montaram naquele ano. Eu não conseguia parar de pular. Patrick se afastou e logo voltou com dois pares de patins. Ele me sentou na mureta alta de proteção e os calçou nos meus pés. Após fazer o mesmo nele, entramos e começamos a patinar. Estava sendo muito divertido. Ele me girava e ensinou-me a deslizar somente em um pé.A noite caiu, e eu me assustei percebendo o quanto já estava tarde. As luzes fortes já haviam sido acesas em volta da pista. Parei bruscamente e olhei a minha volta procurando por Patrick, mas não o encontrei. Estava tão bom ali, que nem percebi quando ele parou de falar comigo e se afastou. Deixei a pista e me sentei no chão gelado, trocando os patins pelas minhas botas rasteiras de cano alto.— Onde está o seu amigo? — perguntei ao homem que alugava os patins.Ele me encarou com estranheza, franzindo o cenho.— Quem? — questionou confuso.— Patrick. O seu amigo.Ele negou com a sua cabeça.— Desculpe,
Luke— Pai, por favor! É só uma festa!— Eu já disse que não, Eva. Pare de insistir!— Eu já tenho dezoito anos, sabia? Vou para a faculdade em menos de três meses. Qual é o problema de eu ir para uma festa?— Ouvi a palavra festa? — perguntei ao entrar na sala do Arthur, sem aviso prévio. A discussão dava para ser ouvida do lado de fora.— Luke... Graças a Deus! — disse Arthur aliviado. — Tenho uma reunião agora e não tenho tempo para os chiliques da Eva. — Levantou-se apanhando algumas pastas sobre a mesa.— O que está acontecendo? — perguntei a ela, que me encarou de braços cruzados.— Tem uma festa no velho armazém e o meu pai não quer me deixar ir! O que é ridículo, porque tenho dezoito anos! — falou impaciente.— Eu concordo com ele, Eva. Já fui em festas neste lugar, na época do colégio, e não é um ambiente nada legal para uma moça como você.Ela me fuzilou com olhar.— Está vendo só, filha? Não é implicância minha. Você não vai e ponto final! — disse firme e deixou o escritóri
LukeContinuei a andar procurando por Eva ou um dos seus amigos para perguntar por ela, mas não vi ninguém. Demorei minutos até chegar ao meio do lugar, sendo espremido por um mar de gente suada, que pulavam gritando como loucos com a batida agitada da música. Andei um pouco mais e avistei uma bancada de ferro à frente. Sobre ela dançava duas moças de um jeito sensual, levando os moleques ao delírio.De repente, os meus punhos cerraram e a minha mandíbula contraiu, quase quebrando os meus dentes. Não podia ser... Não acreditava que era ela uma das moças que chamava a atenção dos marmanjos, fazendo os seus membros incharem dentro das malditas calças.— É isso ai, Eva! Tira blusa para a gente! — gritou um babaca ao meu lado.De costas para o seu “público”, ela segurou a barra da blusa e começou a puxá-la para cima, expondo a sua cintura modelada. A blusa foi arrancada para fora do corpo e arremessada para a multidão. Ela se virou de frente exibindo a sua barriga chapada e os seios farto
LukeTirei-a do carro e levei Eva para o quarto de hóspedes. Sentei-a na cama, retirei as suas botas de cano curto e a deixei ali. Ela encarava algum ponto à sua frente, dispersa, enquanto eu preparava o seu banho na banheira.— O seu banho está pronto. As toalhas estão em cima da bancada da pia.Ela assentiu de cabeça baixa, cobrindo o tórax com os braços. Parei diante dela e encarei a sua figura desprotegida. De repente, a menina que sensualizava minutos atrás para centenas de homens, havia ido embora e dado lugar a uma menina triste de oito anos. Parecia até que ela estava menor diante de mim.— Eu te amo, Eva. Sabe disso, não é? — Assentiu, mais uma vez. — Vou precisar que faça algo por mim... — Ela me olhou e o seu rosto estava vermelho, ainda banhado por lágrimas. — Preciso que preste queixa contra esse maldito.— Não! — discordou apavorada, levantando-se. — Os meus pais não podem saber, me matariam.— Borboleta... — Segurei o seu rosto entre as minhas mãos. — Eles não vão fazer
LukeEsperei por quase uma hora dentro do carro, até que Michael entrasse na sua caminhonete e dirigisse em direção à sua casa. Segui-o a uma distância segura para não ser notado. Ele parou em um drive-thru e após apanhar o seu pedido na segunda cabine, estacionou o seu carro no estacionamento quase vazio. Esperei pacientemente por ele descer em algum momento. Quando Michael saiu para dispensar o lixo, segui-o até a caçamba.— Michael Tiff? — chamei-o ao me aproximar.Ele se virou e me encarou de queixo erguido.— Quem quer saber? — perguntou com arrogância.— Não interessa quem sou! — Acertei-lhe um forte soco no seu rosto, fazendo-o bater com as costas contra a caçamba de lixo.— Qual é a sua, cara? — questionou, colocando a sua mão no nariz que sangrava.— Estou aqui para te ensinar uma lição, seu merda! — Acertei-lhe mais um soco, deixando um hematoma na maçã do seu rosto.Ele tentou revidar, mas me esquivei e o empurrei para trás.— Eu sei quem é você! É amigo da Eva. Foi ela quem
Eva— Pegue. — Luke entregou-me um frasco plástico com comprimidos. — Tome uma aspirina. Vai se sentir melhor.Tirei o comprimido do frasco e tomei-o junto ao copo d'água que ele me serviu.— Os meus pais sabem que estou aqui?— Sim. Eu falei com o seu pai ontem, depois que chegamos. Disse que a encontrei no drive-in com alguns amigos e te trouxe para cá. Inventei a desculpa de que vamos para a casa do lago hoje.— Você contou que bebi?— Não, Eva. Mas ainda posso contar a verdade e você estará ferrada.— Não faria isso. — Sorri com os olhos estreitados na sua direção.— Tem razão, eu não faria. — Encarou-me sério. — A não ser que você fuja de novo, deixando todo mundo preocupado.— Desculpa por ontem, eu só... — interrompi-me e respirei fundo. — Na verdade, sei lá o que eu queria enchendo a cara daquele jeito.— Também não sei o que queria bêbada e dançando seminua sobre uma coisa velha e enferrujada, correndo o risco de cair e se machucar.Cobri o rosto envergonhada, resmungando baix
EvaLuke sorriu e arrancou a sua camiseta. Em seguida, retirou a bermuda e os tênis, ficando somente de cueca boxer preta. Ele entrou e veio andando na minha direção arremessando água com as mãos.Começamos a brincar feito duas crianças fazendo “guerra” no lago, nos deixando de cabelos ensopados. Só se ouvia o barulho da água turva e as nossas risadas altas. Comecei a arremessar com mais agilidade contra o seu rosto. Luke caminhou rapidamente até mim. Tentei fugir, mas não consegui. Ele me agarrou por trás, prendendo os meus braços junto ao corpo.— Peguei você! Perdeu a brincadeira.— Não perdi, não! — Tentei me soltar, mas ele puxou-me mais contra o seu corpo.— Perdeu sim! — riu.— Tudo bem, aceito a derrota. Já venci outras vezes de você.— Ah, Eva, minha querida... Venceu, porque eu deixava você ganhar. O seu humor de perdedora é irritante. Agora que já tem dezoito anos, não tem mais esse privilégio. — Rimos.Luke desarrochou o aperto dos seus braços ao meu redor. Virei-me de fre
LukeEu conhecia Eva muito bem para saber que aqueles eram sinais de alegria extrema. Tão bem que, mesmo com passar do tempo, ainda sabia ver que ela estava feliz naquele momento brincando comigo dentro da água.Quando a agarrei, trazendo-a para junto do meu corpo, senti uma corrente elétrica descer da cabeça aos pés. O meu coração batia tão rápido, que parecia que iria parar a qualquer segundo. Senti-me abalado, como se tivesse realmente tomado um choque de um fio desencapado. A minha garganta secou e as minhas mãos estremeceram.Eva diminuiu o seu sorriso de alegria radiante e deslizou minuciosamente os seus olhos por meu rosto. Os seus pensamentos pareciam tão distantes e tão perto ao mesmo tempo... De repente, não queria mais soltá-la. Queria mais dela. Desejava os seus lábios nos meus.“Meu Deus! Será que devo? Por que me sinto fraco com esse desejo? E se ela me odiar por isso? Está ficando mais forte do que eu. Não consigo correr ou ao menos me afastar. Me ajude!”— Não me odeie