Capítulo 02

Eva

Sua safada! Quem usa um decote desses para ir tomar sorvete no parque?

— Pare, Ellen! Você sabe que Luke e eu somos apenas amigos. E depois... o meu decote nem está tão grande assim. — Cobri com a mão o decote em "V" do vestido.

Estava sentada à minha mesa de estudos, enquanto falava pelo Skype com a minha amiga que viajava com os pais pela Europa.

Melhor amigo... Sei. Você já contou para ele sobre o Michael?

— Não.

Não entendo... vocês contam “tudo” — fez aspas com os dedos — um para o outro, mas teve medo de contar sobre a tatuagem e sobre ter perdido a virgindade no Quatro de Julho.

— Eu acho que ele vai ficar bravo com a tatuagem, e não quero ver Luke assim.

E por acaso ele já ficou bravo com você alguma vez? — desdenhou.

— Já! E não foi legal. — Abaixei a cabeça, lembrando-me do fatídico dia em que vi Luke bravo comigo pela primeira e única vez.

***

Eu tinha dez anos e, como sempre na minha infância, esperava por meu pai na sala de espera da empresa até que ele terminasse todo o seu trabalho para irmos embora. A minha mãe sempre foi uma advogada requisitada e ocupada, era muita boa no que fazia.

O meu pai dizia não ter tempo de me levar em casa todos os dias após a escola ou às malditas aulas de verão. Morávamos do outro lado da cidade, e o seu intervalo de almoço durava somente quarenta minutos.

Não havia um parente que pudesse me buscar e nem os meus pais confiavam que eu pegasse o ônibus da escola, eles tinham medo de que algo me acontecesse. Consideravam-me inocente demais. Ambos estavam certos. Para mim, todo mundo era bom e isso ficou ainda mais comprovado na minha cabecinha de criança depois que conheci Luke.

Estávamos próximos do Natal. Há dias, eu pedia aos meus pais para irmos até o parque patinar no gelo. Do alto do prédio, através da vidraça do corredor que levava para as salas de escritório, eu conseguia ver as pessoas patinando na pista branca congelada. Era lindo!

A porta do escritório do meu pai foi aberta e a sua secretária saiu limpando o batom borrado em volta dos grossos lábios. Ela se assustou quando me viu e parou repentinamente.

— Eva? O que faz aqui, mocinha? Eu havia deixado você fazendo a lição na sala de espera. — Sorriu envergonhada, com as bochechas coradas.

— Eu vim ver a pista de gelo. — Apontei, olhando para o parque novamente.

— Certo, mas você não pode ficar aqui. Por que não se senta na sala para terminar o seu dever de casa e esperar pelo seu pai? Está com fome? — Neguei com a minha cabeça, encarando o seu olhar sem jeito. — Tudo bem, então. Pode ir. — Abriu-me passagem dando um passo para o lado.

Voltei à sala de espera e me sentei em uma poltrona de frente para a TV.

— Oi!

Desviei a minha atenção do desenho que assistia e olhei para cima, vendo um homem alto de cabelos ruivos e muitas sardas no rosto. Ele sorria de um jeito amigável e abaixou-se ao meu lado.

— Você deve ser a Eva, estou certo? — Assenti lentamente com a minha cabeça. — Sou Patrick. — Estendeu a sua mão. — Vamos... Aperte. O seu pai e Luke falam muito de você, sabia? — Sorri fraco e apertei a sua mão. — O seu pai até contou que você estava querendo ir patinar no parque, mas ele anda muito ocupado.

— Ele diz que precisa fechar contratos com gente importante. Por isso anda muito ocupado.

Estalou a língua no céu da boca e encarou-me com compaixão.

— Sabe, Eva... o meu melhor amigo trabalha alugando patins para a pista de gelo. A gente podia ir até lá, ele arrumaria dois pares de graça para nós.

— Eu não sei. O meu pai pode brigar comigo se eu sair daqui.

— Mas o parque fica a vinte minutos, andando. A gente vai voltar e ele nem terá sentido a sua falta. Arthur está em reunião.

— E se ele descobrir que saí? Vai brigar comigo.

— E se eu for falar com ele?

— Mas você disse que ele está em reunião.

— Mas eu trabalho aqui há sete anos, posso entrar e sair quando eu quiser das salas de reuniões. Eu vou até lá falar com ele. — Levantou-se. — Você me espera aqui. — Sorriu.

— Está bem. — Sorri animada. Finalmente eu iria patinar no gelo.

Nos dois últimos Natais havia sido Luke quem me levou para patinar. Mas, naquele ano, ele havia avisado que somente viria para o Natal no dia anterior ao feriado, pois estava na Califórnia conhecendo a família da nova namorada. Desde que ele havia começado a namorar, as frequências das ligações diminuíram e as coisas não estavam mais sendo como nos anos anteriores.

— Prontinho! Agora é só pegar o seu casaco. Falei com o seu pai e ele nos deu uma hora para ir e voltar. É o tempo que durará a sua reunião. Vamos? — Estendeu a sua mão para mim.

Algo me dizia para não ir, mas a minha vontade de patinar gritava euforicamente dentro de mim. Era animação pura.

Vesti o meu casaco e agarrei a sua mão. Saímos tomando o elevador para o térreo e caminhamos até o parque pela calçada. Era final de tarde. Patrick me comprou um chocolate quente no caminho, fazia bastante frio naquele dia. Ele cantarolava comigo, parecia ser um adulto legal.

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