Noah me encara de cima. Seus olhos estão cheios de uma preocupação que me parece confusa de início. Pisco e sinto que estou deitada sobre algo macio e familiar, assim que o cheiro das árvores entra pela janela com a brisa fresca e costumeira. As cortinas balançam e o cheiro de pinheiro, terra molhada e lenha queimada me despertam.
Casa. Estou em casa.
Minha mente ainda gira e meu corpo reclama os movimentos ao me sentar entre os lençóis com a ajuda dele. Toco a parte de trás do topo da minha cabeça, onde os dedos de Hirion agarram meus cabelos e mais uma vez, a dói. Um calafrio desce pela espinha com as lembranças retornando a mente e passando diante dos olhos como um filme. Hirion e suas intenções, o estado deplorável de um reino em ruínas e Duvessa. Ela me salvara e sou grata a sua obsessão por mim, ou do contrário, não estaria
— Pouco importava! – Terence passa os dedos pelos fios negros com indiferença.— Pouco importava? – Repito indignada e respiro fundo evitando extravasar minha ira na face dele. Meus braços pendem ao lado do corpo trêmulo e começo a entrelaçar os dedos uns nos outros, contorcendo-os, estalando-os, descontando nas juntas esbranquiçadas.— Se eu tivesse te contado, teria feito você mudar de opinião! – O feérico replica apoiando o indicador violentamente no mapa de Nova Orleans, os olhos firmes nos meus. Uma movimentação os desvia para a porta e sinto o a magia dele nos rodear para batê-la, impedindo que Noah adentre o cômodo, bloqueando suas palavras em protesto chamando meu nome.— Óbvio! – Elevo a voz e um riso debochado fica preso na garganta dele, esboçando-se em parte num repuxar de canto de l&aa
A primeira coisa que sinto são os lábios quentes de Noah nos meus – na tentativa de colocar um pouco de ar para dentro de mim – antes de cuspir toda a água dos pulmões para fora, seguida de uma onda de tosse que arranha a garganta. Mal sinto a grama debaixo do meu corpo, devido ao frio cortante que me penetra fundo pela pele e nervos, impossibilitando-me de diferenciar a verdadeira temperatura do fim da tarde outonal. Meus olhos encaram o céu em tons de amarelo, laranja e azul e a lua acima começando a nascer, coroa o mortal com sua luz prateada, fazendo-o parecer uma criatura sobrenatural encantada. Seus lábios se mexem em palavras que meus ouvidos entupidos não captam o som e cada parte minha treme violentamente, gelada como um beijo da morte mesmo com os braços do loiro me envolvendo e trazendo-me para seu peito, também gelado. O vestido encharcado e os fios azuis pingando como um cachoeira sobre os ombros se enroscam nas roupas molhadas dele. Está chovendo e os p
Hesito em frente a porta. Sei que Noah está lá dentro, provavelmente remexendo em meu closet em busca de roupas confortáveis. Pela demora, imagino se ele está indeciso nas cores, ou, evitando descer logo e encarar a situação. Tenho consciência de que tudo isso é demais para um humano e talvez, ter revelado os segredos feéricos, eu e minha irmã perversa, sanguinária e obsessiva tenha sido um pouquinho precipitado. Porém, foi necessário. Quanto antes ele soubesse de uma parte da história, melhor. Como arrancar um curativo.Uma brisa gélida entra pela fresta aberta da porta da varanda ao lado da cama grande e alta e bagunçada com meus lençóis favoritos. Os travesseiros parecem convidativos de novo, mas, nesse momento, não sei se consigo voltar a dormir, sem falar que preciso de um banho quente e da pomada nas cicatrizes que Terence está prepa
Cogito afastá-lo, impedir que algo a mais aconteça, mas estou exausta e quero isso. Quero o beijo e suas mãos em mim, nos sentir juntos como se estivéssemos no gazebo de novo, e não como ele me beijara para sanar minha crise de pânico, ou para dar ar aos meus pulmões na beira do lago.Relaxo os músculos e permito que Noah me tome para si, a mão aperta minha cintura com a mesma intensidade que retribuo o beijo molhado e repleto de um desejo ardente. Eu queimo e pela primeira vez em muitos dias, o fogo não vem das cicatrizes. Sua fonte são nossas línguas se encaixando uma na outra em um ritmo ansioso e voraz, famintas.Sou conduzida para a pia, sem que nossos lábios descolem. O mortal passa os braços por debaixo das minha pernas e as fecho ao redor dos quadris dele, as mãos agarrando minha bunda. Desvio de sua boca para abrir os olhos e virar a cabeça minimament
— Tempos desesperados pedem medidas desesperadas. – Argumenta e meneia o queixo quadrado para mim. — Tire. – Ordena e o encaro com um dos meus piores olhares, em seguida me sinto culpada por ter colocado a malicia em primeiro lugar, desconsiderando a parte curandeira da coisa. De qualquer maneira, tirar a roupa para ele está fora de cogitação, mesmo que eu quase a tenha tirado para Noah minutos atrás. — Precisa estar com as costas descobertas se quiser que a pomada funcione!— Eu pensei nisso. – Respondo.Chego um pouco para frente na cama, liberando um espaço para que o feérico se sente às minhas costas e tenha uma visão e um acesso melhor das linhas inflamadas expostas pelo decote da camisola. Espero pelo toque áspero da textura da pomada e a aplicação faz cócegas nas áreas sensíveis ao longo das cicatrizes avermelhadas. Arquejo
Finalmente consegui dormir essa noite, sem sonhos por sorte, apenas um sono profundo até as oito da manhã. Acordo sozinha e a preguiça me consume, bloqueando qualquer ideia de sair do meio dos cobertores quentes e confortáveis. O amanhecer parece tímido e nuvens cinzas cobrem o sol, pelo pouco que posso distinguir do céu pela fresta da porta da varanda entreaberta. Está nublado e frio e o outono definitivamente chegou com seus ventos fortes balançando as copas dos pinheiros da floresta e derrubando seus galhos finos e folhas em uma canção que me mantém hipnotizada por infinitos minutos, encarando as cortinas balançando lentamente com vislumbres do lado de fora. Checo as horas no relógio sobre a mesa de apoio ao lado da cama e afundo a cabeça nos travesseiros, praguejando por ser obrigada a deixá-los. Se enrolar mais, vou acabar atrasando todos para o evento fúnebre de hoje. Então, jogo os edredons de lado e os pelinhos do tapete fazem cócegas em meus pés descalços. S
— Pare de me analisar! Cansei de ter minha privacidade invadida por sua magia pervertida! – Afundo as unhas na direção e piso um pouco mais no acelerador, voltando a atenção para a curva sinuosa a frente. — Ótimo! Além de psicopatas de asas, leem as mentes também! – Noah suspira recostando no banco. — O que mais fazem? Não, não quero saber. O olho novamente pelo retrovisor e a quietude persiste até o estacionamento do cemitério. Passamos pelo enorme portão de vigas de ferro prateado e antigo, com marcas de ferrugem aqui e ali nos arabescos e no enorme corvo que ficava ao centro dele, acima de tudo, observando com seus olhos de metal quem entra para sair e quem nunca mais sai. O cheiro dos canais é mais forte nos arredores, se mesclando com o aroma amadeirado dos pinheiros e da terra úmida. Uma fina garoa começa, enquanto passamos pelas centenas de corredores com lápides fincadas no solo – esculpidas com os nomes dos falecidos, suas datas de nascimento e morte
Freya me guia pelas ruas enfeitadas de Nova Orleans até sua casa. O dia das bruxas se aproxima na mesma velocidade em que as folhas das árvores caem alaranjadas e marrons para o concreto do asfalto e os humanos se recusam a perder tal comemoração, o que, é no mínimo contraditório quando analisamos a diferença de suas crenças religiosas com a verdadeira origem pagã do halloween. Hipócritas! Penso ao guiar o carro pela rua estreita cheias de cortiços coloridos franceses, decoradas com correntes de flores sazonais entrelaçada nas vigas de metais das varandas. Samambaias pendem dos tetos e luzes penduradas iluminam a manhã nublada, chuvosa e melancólica. Estaciono de frente à casa da bruxa e descemos para a rua, o Jazz ecoando ao fundo, vindo de algum dos apartamentos acima. Seguimos Freya pelos curtos degraus de entrada e ela destranca a porta de madeira com um quadrado de vidro craquelado em várias cores na altura de nossas cabeças. Entramos para um interior